terça-feira, 7 de agosto de 2012

O Vôo de um Corpo que Dança


                   No dia 06 de março de 2012, quem se dirigiu ao Teatro do COP, teve o privilégio de assistir a um espetáculo de dança contemporânea com a força e o profissionalismo de grandes artistas em cena. O evento do qual comento, se refere à apresentação de “Voar é Com os Pássaros”, da Mímese Cia de Dança, com direção geral de Luciana Paludo que também integra o elenco ao lado do músico Ettore Sanfelice, o qual executa a trilha sonora ao vivo.

                A concepção coreográfica do espetáculo fica a cargo da grande encenadora Eva Schul e de Luciana Paludo, com desenho de luz de Ricardo Lima e figurinos de Laura Bauerman. A primeira parte do espetáculo, “Voar é Com os Pássaros”, teve concepção de Eva Schul e traz à tona as relações entre música e dança, tendo como mote a existência de um ser da natureza aprisionado em um corpo urbano que, atrofiado, tenta alçar vôo, limitado por sua própria condição humana. Já a segunda parte do espetáculo, chamada de “Prelúdio que Veio Depois”, teve concepção de Luciana Paludo e traz à cena a sensação de liberdade experimentada na natureza, com o corpo humano urbano. Os movimentos dessa coreografia surgiram após experimentações e improvisações realizadas pela bailarina ao ar livre e aqui trazidas com o intuito de sinalizar a continuidade dos ciclos e questionar as polaridades entre vida/morte, liberdade/confinamento e etc...

Iniciarei comentando sobre a iluminação que, neste dia, teve a operação de Daniel Furtado. O desenho de iluminação concebeu um ambiente nada realista que além de sublinhar os movimentos da bailarina, lhe imprimia sombras e texturas que ajudavam os espectadores a expandirem a sua percepção para além dos limites corpóreos de Luciana, conseguindo mergulhar no universo daquela criatura que desejava voar. Não posso deixar de citar um trabalho que costuma ser pouco lembrado, mas que é de extrema importância em qualquer espetáculo: a operação de luz. Nesse dia, o iluminador cumpriu um papel fundamental e demonstrou a sua grande sensibilidade ao colaborar com as coreografias e as passagens de iluminação de maneira muito sensível e integrada ao que transcorria em cena. Esse tipo de percepção colabora muito para a criação da atmosfera cênica, uma vez que o espectador vai sendo convidado a embarcar no imaginário daquele espetáculo, sem ser surpreendido por bruscas trocas de luz, quando não é essa a proposta. Além disso, também gostaria de congratular Ricardo Lima pelo seu desenho de iluminação inteligente e a paleta de cores utilizada que souberam aproveitar ao máximo a performance da bailarina.

Bom, falar do trabalho de Eva Schul é muito fácil, já que se trata de uma das grandes coreógrafas desse país. Nos seus trabalhos, Eva costuma trazer bailarinos que além de terem um apuro técnico excelente, desenvolvem uma expressividade cênica que foge aos padrões óbvios. No entanto, seus trabalhos sempre proporcionam momentos de puro lirismo a quem os assiste. No caso de “Voar é Com os Pássaros”, não foi diferente. Além de ter em mãos uma bailarina com um corpo extremamente expressivo e dotada de uma técnica elogiável, Eva conseguiu extrair toda a sensibilidade que seria necessária para compor a leveza desse ser que deseja voar, porém está aprisionado em um corpo encarnado.

Além disso, considero outro aspecto como um ganho ao espetáculo: a trilha sonora sendo executada ao vivo. Nesse caso, não foi apenas a presença de um músico no palco que coloriu a cena, pois muitos espetáculos costumam ter músicos executando a trilha ao vivo, sem conseguirem ter o impacto que Ettore Sanfelice fornece às coreografias. Aqui, o músico deixa de apenas executar os acordes musicais para estar totalmente entregue e disponível ao que está acontecendo em cena. Há uma simbiose total entre o trabalho do músico e da bailarina, o seu foco de atenção está no desempenho corpóreo que ela executa ao longo da coreografia. Mas,  Ettore consegue ir além e propor um diálogo vivo e dinâmico entre corpo e música. Também não posso deixar de referenciar que não se trata apenas de um músico, mas de um profissional das artes cênicas, pois além de tocar as músicas, Ettore também entra em cena em alguns momentos, contracenando com a bailarina. A intimidade cênica entre ambos os performers é elogiável.

No que se refere ao trabalho de Luciana Paludo, infelizmente, não poderei dissertar em muitos parágrafos, para não tornar a leitura desse comentário muito extensa. Contudo, falar sobre a performance de uma bailarina dotada de um corpo extremamente expressivo se torna até fácil. Nesse sentido, o que vemos em cena é um corpo que se expande, transborda, desliza para além dos seus contornos, trazendo não apenas movimentos muito precisos e tecnicamente limpos, mas uma carga emotiva intensamente leve e suave. O trabalho de Luciana tanto na primeira parte do espetáculo, quanto na segunda, chama os espectadores para dentro de uma estética nada realista, na qual um corpo ao se mover, leva junto todos os espectadores, como se fossem suas asas auxiliares nesse vôo lírico.

Por vezes, as linguagens da dança contemporânea e do teatro físico costumam se borrar, transgredir limites, propor diálogos entre os teóricos específicos de cada área. Nos dias de hoje, em que vivemos numa sociedade bombardeada de informações simultâneas, pensar nesses hibridismos se torna até usual. Faço essa referência também para relacionar ao trabalho de Luciana Paludo que, com sua virtuose cênica consegue compor um espetáculo para além dos limites de determinadas linguagens cênicas.

Apesar do intenso calor que fazia no interior do Teatro do COP, uma vez que essa casa de espetáculos não contem um sistema de climatização que comporte uma lotação esgotada em dias quentes, tenho certeza de que os espectadores só se deram conta do desconforto climático, quando aterrizaram após o vôo comandado por Luciana Paludo. Sendo assim, considero que o público pelotense precisa cada vez mais de espetáculos com essa qualidade artística para o desenvolvimento do seu repertório estético.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Um comentário:

  1. Vagner, somente hoje li o seu comentário a respeito do meu espetáculo. Fiquei supresa, sensível e emocionada. Obrigada pela análise minuciosa da cena. A luz do Daniel naquele dia foi essencial, sim! Ele dançou junto; assim como o Ricardo Lima, quando criou a luz... É muito trabalho e muita dedicação... Abraço!

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