sábado, 27 de fevereiro de 2010

Acadêmicos de teatro criam grupo de Teatro do Oprimido

Peço licença aos demais integrantes do Clube para divulgar aqui o artigo abaixo, publicado na edição deste sábado (27 de fevereiro), no Diário da Manhã. Um abraço a todos. Joice.

Experiência no Dunas motiva acadêmicos de Teatro da UFPel a
criar grupo de Teatro do Oprimido

Na tarde do dia 6 de fevereiro, um sábado, um grupo de acadêmicos do curso de Teatro Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), coordenados pela professora Fabiane Tejada, levou à comunidade do Loteamento Dunas uma experiência diferente. Diferente não só para os moradores, como também para eles próprios, que pela primeira vez colocavam em prática o Teatro-Fórum, uma das técnicas desenvolvidas pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal, que morreu em maio do ano passado, dentro do Teatro do Oprimido – assunto estudado nas aulas de Teatro na Educação III, ministradas por Fabiane. As encenações, que contaram com participação ativa dos moradores, integraram a programação do Fórum Social de Periferias.
A proposta de Boal é simples: o grupo apresenta uma cena (pré-definida e ensaiada pelos atores) em que um ou mais personagens sofre uma situação de opressão. O público assiste. O grupo, então, torna a apresentar a cena, mas, desta vez, qualquer pessoa da plateia tem o poder de interromper a ação e assumir o papel do personagem oprimido, mostrando de que maneira, na sua opinião, ele deveria agir para sair da situação de opressão – para isso, o “espect-ator” só tem que erguer o braço e dizer em voz alta a palavra “para” e a seguir tomar o lugar do personagem.
No Dunas, o grupo apresentou duas cenas. Uma delas, no “plenarinho” do Centro de Desenvolvimento do Dunas (CDD), mostrava uma situação de preconceito social: uma mulher simples entra em uma loja para comprar um vestido e é destratada pelo vendedor, que julga que ela não terá condições de comprar a peça de roupa desejada e, por outro lado, privilegia uma cliente que “parece ser rica”; a mulher simples também é discriminada pelo segurança, que a olha de modo desconfiado, como se tivesse certeza que ela irá roubar alguma coisa.
A segunda cena, apresentada na calçada, ao lado dos estandes de produtos artesanais, bem perto do CDD, caracterizou uma situação de machismo e autoritarismo: uma adolescente, articulada e líder na escola, é proibida pelo pai de comparecer às reuniões do grêmio estudantil e com a direção da escola, na qual proporia a aquisição de mais livros para a biblioteca do educandário, porque ele entende que “lugar de mulher é em casa, cuidando dos afazeres domésticos”; o irmão, igualmente machista, mantém a mesma postura e a mãe, conservadora, também é cúmplice da opressão.
“A receptividade foi surpreendente. Superou todas as nossas expectativas. As pessoas se identificavam e se envolviam de tal maneira com as situações apresentadas que pareciam esquecer que era teatro”, comentou a acadêmica Lucia Berndt, uma das proponentes do exercício. “A gente percebia que eles estavam ‘se vendo’ ali, nas cenas. Torciam e vibravam quando o oprimido reagia, como se celebrassem uma vitória coletiva, entravam na cena com verdade... Aquilo emocionou a gente”, recordou a professora Fabiane, que disse estar muito contente pelos alunos valorizarem esta forma de teatro e pelo despojamento com que buscaram conhecer a história do lugar para compor as cenas apresentadas. “Os estudantes conseguiram adaptar-se ao momento, a mudanças de última hora e às reações do público. Esse não é um trabalho para qualquer ator e o grupo desempenhou muito bem, foi muito bom mesmo”, elogiou.
Célio Soares Júnior confessou que estava receoso da reação das pessoas, sobretudo porque os personagens que ele tinha que interpretar nas cenas eram ‘odiosos’. “Eles tinham que ser bem antipáticos justamente para estimular as pessoas a reagir. Meu medo era que confundissem o ator com o personagem, mas, felizmente, isso não aconteceu. Tudo funcionou muito bem. No início eu acreditava que o teatro poderia modificar a sociedade, com o passar do tempo, acabei por perder essa crença, mas este trabalho me ajudou a recuperá-la. A troca de experiências com o público é sensacional”, disse.
“O teatro-fórum é uma metodologia riquíssima para desenvolver o caráter emancipador. Acho que atingimos o objetivo do Boal, de usar o teatro para estimular as pessoas a se posicionarem, ajudá-las a desenvolver fórmulas para resistir aos preconceitos... Aquelas cenas faziam tanto sentido para elas, as pessoas ficavam tão motivadas com a situação, tão indignadas, que não tinham timidez nem constrangimento, simplesmente se ‘atiravam’ no teatro para ‘arrumar o que estava errado’. Foi muito bacana”, ponderou a acadêmica Roberta Bandeira, que teve a iniciativa de levar a proposta ao Dunas no Fórum Social de Periferias.
“Eu me apaixonei por este trabalho porque é o que eu procuro fazer no meu dia-a-dia, me colocar socialmente, como cidadão, não ficar só como espectador. Desde o início do curso a gente falava em teatro como uma ferramenta para transformação social, mas ficava só na teoria. Pela primeira vez, a gente colocou isso na prática. Agora temos certeza que podemos fazer teatro e, ao mesmo tempo, ser transformadores sociais”, completou Lucia.
“Esta proposta é diferente porque não tem nada a ver com vaidade, o ator que está ali não espera receber elogios pela sua performance, ele sabe que é apenas uma peça no tabuleiro, que está a serviço de algo muito maior. A gente sabe que algumas pessoas tem maior facilidade para expor suas ideias e participar da ação cênica. Mas o que mais me motiva é pensar que mesmo aquelas que não entrarem na cena vão levar pra casa a reflexão sobre a situação exposta e, quem sabe, repensar as suas posturas de vida ou ajudar algum conhecido que esteja vivendo algo parecido. Acho que o melhor do teatro-fórum é isso: quem está assistindo, de uma forma ou de outra, está participando”, disse a acadêmica Joice Lima.
Entusiasmados com o resultado da experiência, os acadêmicos Célio, Joice, Lucia, Roberta e Paulo Borba, decidiram sugerir a criação do Grupo Teatro do Oprimido na Comunidade (TOCO/UFPel), com o intuito de levar o teatro-fórum e outras técnicas desenvolvidas por Boal às diversas comunidades de Pelotas. A professora Fabiane Tejada e o professor Paulo Gaiger, ambos do Instituto de Artes e Design, serão responsáveis pela coordenação deste projeto de extensão da UFPel, que deve começar as atividades em março.

Duas peças em Sampa

Estive na capital paulista no início de fevereiro, por quatro diazinhos, e assisti a duas peças teatrais. Embora a proposta deste Clube é que se comente os espetáculos que passam por Pelotas, achei que valia a dica. Aqui vai:

*"Empoeirados", no Sesc da Paulista (assisti dia 9 de fevereiro)
Texto: Gero Camilo. Direção: Cristiano Karnas. Com Ed Moraes e Armando Amare.
A história de dois jovens atores que viajam pelo Brasil em busca de trabalho e, enquanto isso, divagam sobre a peça que gostariam de montar.
A ideia em si era boa, mas, na minha opinião, não funcionou.
Pareceu-me apenas uma oportunidade para dois jovenzinhos se exibirem, mostrarem seu domínio de corpo e voz, com frustradas tentativas de humor fácil. Não tinha texto - quer dizer, tinha, mas não “pegava o espectador”, além de ser confuso. Não me emocionou nem por um segundo (e olha que me emociono fácil).

*Anatomia frozen, no Espaço Parlapatões (assisti dia 9 de fevereiro)
Uma psiquiatra estuda um assassino em série, de menininhas. Logo a mãe de uma das vítimas encontra o psicopata para uma última conversa.
Compensou a frustração da primeira peça assistida. Uau. Muito boa mesmo. Texto fortíssimo, da inglesa Bryony Lavery, com direção de Márcio Aurélio. Desempenho irretocável dos dois atores, Joca Andreazza e Paulo Marcello, que interpretaram três personagens. Não tinha cenário, e nem precisava. O figurino era enjambrado, mas funcionava muito bem. O ator que fazia a psiquiatra fazia a transformação em cena, simplesmente tirava acessórios da psiquiatra (luvas, botas, máscara, touca), colocava um risco de batom na boca e lá estava a mãe da menininha assassinada pelo psicopata. A iluminação e a música, de suspense, completavam os detalhes. Um excelente trabalho (ainda que, na minha opinião, as explicações de abuso sexual que o psicopata sofreu na infância sobravam, acho que não precisava, é uma maneira de tentar justificar o comportamento dele que, na minha opinião, não é justificável). Valeu cada centavo dos R$ 30,00 do ingresso.

Este trabalho era apontado como um dos mais cotados no Guia Folha. Os mesmos atores estavam com outra peça ("Agreste"), também muito elogiada, mas não pude assistir porque só estava em cartaz no fim de semana e eu já não estaria lá. Uma pena.

Joice Lima – Integrante do CCETP, atriz e jornalista (com diploma!)