Atualmente, com o avanço das discussões sobre a
discriminação étnica e das Leis anti-racismo, a população negra começou a
reivindicar os seus direitos perante à sociedade brasileira. No entanto, no que
se refere ao mercado de trabalho para atores negros, apesar de terem ganho um
pouco de visibilidade, esta ainda é ínfima, comparada à proporção de negros no
contingente populacional brasileiro.
Embora algumas pessoas justifiquem que estejam vendo
mais atores negros nas telenovelas fazendo personagens que não sejam apenas de
escravos, motoristas, criminosos e empregadas domésticas, o padrão estético
determinado pela grande mídia para a escolha desse elenco se pauta em traços de
beleza caucasianos. Essas características são bastante discretas, mas vão desde
à tessitura vocal ao formato de nariz, cabelos, tom de pele, tipo físico e
etc... Além disso, os personagens costumam vir carregados de uma justificativa
étnica para lá estarem, ou seja, se for um médico negro, haverá um conflito em
torno da cor de sua pele, não sendo possível que apenas seja um médico que por
ventura é negro.
Outra
justificativa que os defensores da mídia podem utilizar, se refere ao fato de
que existem muitos atores negros em evidência na televisão brasileira. Porém,
comparando a realidade étnica brasileira e a diversidade que se observa nas
ruas, você continuará pensando que a proporção de atores negros na TV reflete à
realidade brasileira? Ou será apenas uma obrigatoriedade para cumprir uma mera
quota de conformismo com as oportunidades igualitárias? Será que os negros não
geram audiência e consumo? O que ocorrerá no dia em que os negros resolverem
ter a coragem para mudar de canal e buscarem uma programação que realmente os
inclua e os trate de maneira igualitária?
No entanto, meu foco aqui não se direciona à TV.
Todavia, não podemos falar sobre oportunidades de trabalho para atores negros,
sem citarmos as mídias de massa. Nesse sentido, ainda refiro os personagens
negros que atualmente aparecem no cinema nacional. As mesmas reflexões que
citei anteriormente se referem à sétima arte. Contudo, acredito que, no que
tange aos personagens, o cinema brasileiro ainda está um passo atrás, já que
grande parte dos filmes brasileiros colocam o negro apenas numa situação
marginalizada. Não quero dizer com isso que essa realidade não seja verossímil.
Porém, será que é a única?
Quando falamos em teatro, o ponto de análise se
altera, pois as imposições midiáticas não chegam a afetar a grande produção
teatral. Entretanto, no que se refere ao teatro comercial, em especial àquele
produzido no grande eixo Rio-São Paulo, as normatizações estéticas da televisão
costumam determinar as escolhas de elenco. Apesar disso, devido ao caráter democrático
que o teatro costuma apresentar, temos a possibilidade de ver um contingente
maior de atores negros em cena. Mesmo assim, a proporção de atores brancos
costuma ser maior.
Essa situação nos leva a refletir sobre quais
motivos tornam esse fato uma realidade. Obviamente, não podemos deixar de ter
em mente que há séculos a população negra sofre um processo de discriminação,
exclusão e marginalização étnica em nossa sociedade. Além disso, apenas há
algumas décadas estão ocorrendo avanços civis sobre esse assunto. Nesse sentido,
devemos sempre ponderar sobre as oportunidades num sentido global, uma vez que
envolvem aspectos que não se relacionam somente ao mercado de trabalho
artístico, mas também à educação, moradia, saneamento e etc... Muitas pessoas
podem contestar dizendo que esses fatores não estão diretamente relacionados ao
desempenho profissional no teatro. Todavia, devemos ponderar que, do nosso
confortável ponto de análise, as condições sociais podem ser as mesmas para
quaisquer etnias. No entanto, ao colocarmos o advento histórico nessa balança,
será que não teríamos um lado étnico mais sobrecarregado?
Desse modo, a luta pela sobrevivência e pelo espaço
igualitário na sociedade acaba levando os negros a buscarem alternativas mais
imediatas de subsistência. Além disso, as oportunidades artísticas costumam
estar localizadas em pontos sociais distantes da realidade dessas pessoas não
somente no aspecto geográfico, como também de identificação. Talvez os motivos
que expliquem o pouco contingente de atores negros nos palcos brasileiros, em
relação à proporção populacional, estejam ligados a esses fatores.
Sob esse ponto de vista, também gostaria de
salientar a escassez de uma produção dramatúrgica voltada ao teatro que
contemple temas relacionados à etnia negra que não sejam aqueles que falem
apenas de sua marginalização social, escravidão ou as mesmas abordagens dadas
pela TV e pelo cinema nacional. Da mesma forma que os gregos e outros tantos
povos souberam transformar suas mitologias em teatro, a mitologia brasileira,
de origem africana também deveria receber esse tratamento.
Obviamente, que os fatos históricos, a colonização
brasileira e os conceitos ainda arraigados em princípios de uma moralidade
religiosa dos tempos em que o Brasil ainda não era um estado laico segundo à
Lei, abarcaram todo um processo de opressão para manter a cultura negra longe
dos limites história oral. Nesse sentido, acredito que essas histórias ainda
precisam ser escritas e firmadas na dramaturgia teatral brasileira.
Porém, gostaria de salientar que esse discurso não
está demarcando o ramo de atuação dos negros para espetáculos que abordem suas
origens étnicas e religiosas. Muito pelo
contrário, acredito que esse pode ser um dos caminhos de identificação para
atrair uma fatia de público que costuma estar à margem das histórias que lhes
são apresentadas e a partir daí, quem sabe, oportunizar-lhes uma perspectiva de
identificação e auto-estima. Além disso, também acredito que os atores negros
devam lutar pelo seu espaço para fazerem personagens que não venham com a
descrição “negro” no texto original, pois se a característica étnica não é o
conflito principal daquele personagem em determinada história, não existem
limitações para que apenas as pessoas de origem caucasiana tenham o direito de
representá-los.
Contudo, não podemos deixar de ponderar sobre o
aspecto de que sempre é colocado sobre os ombros da população negra a
responsabilidade por lutarem pelos seus direitos e espaços na sociedade. Esse
ponto de vista é confortável e cômodo aos indivíduos de outras origens étnicas,
uma vez que, numa análise simplista, não precisariam alterar em nada suas
condutas sociais e profissionais para permitirem a igualdade de direitos e
oportunidades para todos os cidadãos. Desse modo, reitero o foco desse texto ao
mercado teatral para os atores negros no Brasil, uma vez que não devemos jogar
a responsabilidade da pouca proporção de atores negros nos palcos, apenas ao
fato deles não lutarem pelo seu espaço nesse mercado de trabalho. Essa seria
uma visão alienada e ingênua. Cabe sim aos espectadores negros exigirem sua
retratação nos palcos, aos atores negros terem o seu devido espaço, mas acima
de tudo, aos artistas que trabalham nesse mercado abrirem as oportunidades para
que os personagens sejam tratados apenas como seres humanos. Sendo assim, a
origem étnica do profissional que o interpretará será desconsiderada, já que o
personagem será tratado pela sua essência humana.
No entanto, não quero que as duas últimas frases do
parágrafo anterior sejam distorcidas, uma vez que essa foi a justificativa para
que durante muitos anos atores brancos maquiassem a sua pele com o intuito de
interpretarem personagens negros. Quando falo em personagens negros, me refiro
a histórias em que o contexto étnico dessa personagem se torna a essência de
seu mote conflitual. Realmente, o palco é o lugar mais democrático, onde todos
artistas podem ser quem a história precisar que eles sejam. Mas, isso não quer
dizer que esse argumento se torne uma justificativa para enfatizar o processo
de exclusão social de raiz étnica que temos em nosso país. Sendo assim, quando
o foco da existência daquele personagem não for o conflito social gerado em
função da sua etnia, não haveria justificativa para que os personagens fossem
pensados numa lógica caucasiana. Com isso, enfatizo que a escassez de atores
negros nos palcos também se deve à necessidade de mudança na perspectiva que os
próprios artistas do teatro têm em relação aos personagens das peças de teatro.
Portanto, gostaria de finalizar esse texto, em que
levantei algumas reflexões sobre o lugar do negro no teatro brasileiro
contemporâneo, reiterando a necessidade de que sua história e tradições sejam
tradas com o respeito e a importância que merecem, sem olhar vertical determinado
pela a cultura caucasiana nos palcos, TV e cinemas do Brasil. Além disso,
também saliento o fato de que os negros precisam fazer valer o seu valor como
geradores de consumo, audiência e presença na sociedade. Dessa forma, acredito
que a ponderação sobre os fatos aqui levantados possam ser apenas alguns poucos
pontos de vista que nos levem a refletir sobre número de atores negros que
vemos nos palcos brasileiros.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.