quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Procuram-se Espectadores para Teatro

          O Centro de Treinamento do Grupo Tholl, além das funções pertinentes a sua trupe, passou a agregar o fluxo de produção teatral que chega até Pelotas. Como o Theatro Sete de Abril está fechado, o Theatro Avenida ruindo, o Teatro do COP funcionando como espaço de aprendizado para os alunos das faculdades de teatro e dança da UFPEL e o Teatro Guarany recebendo grandes produções, o espaço do Grupo Tholl se tornou a opção para receber espetáculos teatrais que não tenham nomes televisivos figurando em seus elencos.

          Obviamente, já passaram por esse espaço artistas que trabalham em cinema e TV. Entretanto, a “casa de espetáculos” localizada nas imediações da zona do porto passou a receber peças de teatro produzidas no interior do Rio Grande do Sul e produções que não dispõem de patrocinadores que viabilizem suas apresentações em teatros maiores e mais centralizados. Apesar disso, na noite de 27 de setembro de 2011, apenas 15 pessoas foram até o Centro de Treinamento do Grupo Tholl para assistirem ao espetáculo “Sucesso a Qualquer Preço”, do Grupo Ação de Experimentação Cênica, oriundo da cidade de Santa Maria/RS.

          Com direção de Antônio Orellana, concepção de luz de Gabriela Amado, operação de luz de Maurílio Bertazzo, operação de som de Mariana Lohmann, figurinos de Adriana Dal Forno e produção de Lia Procati, a peça inspirada na obra de David Mamet, traz como seu mote a concorrência no mercado de trabalho. Ao chegarmos à plateia, nos deparamos com um cenário não realista, mas, apesar disso, percebia-se que o diretor queria partir desse fato para caracterizar aquele ambiente da maneira mais realista possível. A iluminação e a forma como alguns elementos de cena foram utilizados me lembraram o espetáculo “Aqueles Dois”, da Cia Luna Luneira que esteve em Pelotas ano passado. Porém, o grupo de Santa Maria não soube utilizar a iluminação e o cenário com a mesma maestria do grupo mineiro.

          A concepção de encenação está limpa, tendendo ao realismo e buscando dar ritmo à cena, conforme a energia de entradas e/ou saídas dos personagens. Além disso, o recurso de distanciamento utilizado foi bem pertinente ao promover uma aproximação dos atores com os espectadores no início do espetáculo, já preparando-os para as situações que viriam a ocorrer ao longo da história.

          O elenco formado por Antônio Orellana, Djefri Ramon, Gabriel Araújo, Gelton Quadros, Marcos Caye e Tatiana Vinadé é bastante jovem e com muita vontade de estar em cena. Devido ao fato desse espetáculo ser fruto de uma disciplina de graduação, na modalidade de bacharelado em Artes Cênicas, da Universidade Federal de Santa Maria, ainda percebemos que alguns aspectos não maduros na montagem se devem à pouca experiência do grupo, ou, possivelmente, às questões que estavam sendo trabalhadas na disciplina onde essa peça foi criada. Todavia, já é possível observar nesse grupo a busca por uma identidade estética para o seu trabalho, em especial, no que se refere à concepção de encenação e à direção do espetáculo.

          Quanto às atuações, acredito que ainda falte um pouco de tranqüilidade e maturidade para que os atores consigam desfrutar dos minutos de prazer que o artista tem quando está em cena. Mesmo assim, se observa que há a busca por um trabalho e pela formação desses atores. Acredito que a experiência de jovens atores se proporem a montar textos, sem a preocupação com o mercado de espetáculos comerciais, seja sempre válida. Entretanto, no caso desse espetáculo, há um quociente comercial muito grande, uma vez que, ao tratar de relações e disputas entre vendedores, essas situações podem ser extrapoladas para quaisquer outras profissões, o que facilitaria muito a venda desse espetáculo para diversas empresas, com o intuito de discutir as relações trabalhistas.

          Além disso, a adaptação poderia ter focado na crise hipotecária que recentemente afetou os Estados Unidos, com o intuito de transpor os fatos para uma situação contemporânea recente, já que a história se passa nesse país. Não obstante, essa é apenas uma opinião particular, já que a opção por não datar a montagem em nada afeta o seu impacto e a sua validade. O espetáculo funciona comercialmente. Contudo, acredito que ainda precise passar por um tempo de maturação para emergir com a força cênica pertinente às temáticas relacionadas às relações humanas.

          Por outro lado, apesar de Pelotas ter mais de 300 mil habitantes, cursos de graduação e pós-graduação nas áreas ligadas às artes, haviam apenas 15 pessoas na plateia desse espetáculo! Na mesma semana em que ocorrem os festejos pela inauguração da cortina do Teatro Guarany, com casa lotada, uma peça de teatro tem sua plateia quase vazia. Pelotas tem a fama e tradição de ser uma cidade com apreço cultural. Porém, será que essa realidade não ficou apenas no século XIX? Ou o público pelotense só frequenta os teatros localizados no centro da cidade? Além disso, será que os pelotenses só vão ao teatro para verem os artistas da novela, sem nem ao menos significarem o conteúdo do espetáculo que será apresentado?

          Esses questionamentos me parecem pertinentes não somente entre artistas, mas à mídia, aos educadores e à população pelotense em geral. Nesse sentido, termino esse texto lamentando os poucos espectadores que haviam na plateia dessa peça de teatro e esperando que as políticas culturais voltadas ao teatro estejam entre as prioridades de todos os governos que passem por essa cidade.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
vagnervarg@yahoo.com.br http://www.ccetp.blogspot.com/

sábado, 10 de setembro de 2011

Da Academia à Vida Artística – Um Longo Caminho de Libertação ao Teatro!

          Mais uma vez, o Centro de Treinamento do Grupo Tholl serviu de local pra a apresentação de um espetáculo de teatro em Pelotas. No dia 19 de junho de 2011, foi apresentado o espetáculo “As Linhas de Elise”, uma adaptação do texto “Por Elise”, de Grace Passô, também responsável pela concepção cênica. Além disso, a equipe contava com a direção, adaptação e trilha sonora de Mariana Lohmann, projeção de Marcos Caye, iluminação de Vinícius Blacon, contra-regragem de Nelson Helo e Gustavo Scherer, este último também responsável pela maquiagem dos atores.

          A peça conta a história de Elise, uma dona de casa que revive as memórias dos seus vizinhos, utilizando como fio condutor dos fatos, a metáfora do ritmo de uma estação de trem, onde vidas se cruzam para seguirem novos caminhos, tecendo uma narrativa nem um pouco realista. As histórias envolvem temáticas relacionadas às relações humanas e a super proteção pelo medo de se envolver com o mundo, construindo uma dramaturgia fora do convencional.

          Esse espetáculo foi concebido por egressos da faculdade de teatro da Universidade de Santa Maria/RS, oriundo do trabalho de conclusão de curso de Mariana Lohmann. Indubitavelmente, percebe-se que houve uma proposta de concepção para encenação bem elaborada e pensada nos seus mínimos aspectos. A direção optou por utilizar o espaço cênico com múltiplas possibilidades para as entradas e saídas dos personagens, direcionamento de cenas que ocorriam dinamicamente pelo meio da plateia e recursos de projeção. Possivelmente, essa opção foi criada com o intuito de ser mais um elemento que corroborasse à ênfase da proposta de dramaturgia não realista que foi empregada. Devido aos custos e às dificuldades técnicas, o teatro gaúcho pouco utiliza o recurso de projeções, quando as propostas cênicas permitem esse tipo de tecnologia em cena. Por esse motivo, quando o público vê o diálogo com outras mídias na cena teatral, costuma sair encantado. Entretanto, os recursos tecnológicos nem sempre são bem empregados nos espetáculos nacionais. Muitas vezes, apenas são utilizados para dizer que ali estão. O que não foi o caso em “As Linhas de Elise”, pois a direção utilizou essa ferramenta de maneira ponderada e eficaz.

          O título desse texto não foi posto por mero acaso, pois, após assistir a essa peça, fiquei refletindo sobre o excesso de técnica que às vezes carregamos para o momento da comunhão com o público. Me refiro a esse aspecto, uma vez que o elenco composto por Antônio Orellana, Amanda Hoffmann, Douglas Jung, Elis Genro, Ícaro Costa, Nelson Girard e Marcos Caye se mostrava bastante jovem, vigoroso e com uma gama imensa de técnicas recém aprendidas na academia. Um dos grandes desafios de um artista quando passa pela academia é saber dosar entre a técnica e a arte. Os recursos técnicos de atuação, sejam eles quais forem e/ou ligados a poética que forem, devem ser apenas ferramentas que ampliaram nosso repertório estético e criativo, para permitirem outras possibilidades quando partimos para a arte.

          Obviamente, esse tipo de percepção somente a maturidade nos confere. Entretanto, ao observar aqueles jovens atores e reconhecer as bases de seu trabalho, percebia o quão técnicos eles estavam sendo, o quanto haviam estudado e se dedicado para transfigurarem em seus corpos aquelas habilidades. Talvez esse tenha sido o motivo pelo qual não consegui me envolver emocionalmente com o espetáculo, pois as correntes acadêmicas ainda estavam muito arraigadas nos corpos daquele elenco. A academia e os cursos livres de formação de atores lhe fornecem mecanismos teóricos e técnicos para que, no futuro, o profissional que tenha vocação para o teatro, venha a utilizá-los de maneira que lhes permita outra abordagem criativa. Porém, o grande desafio para os artistas inexperientes é conseguir fazer com que a técnica fique imperceptível ao público, uma vez que teorias e conceitos do trabalho prático dos atores se direcionam apenas aos trabalhadores desse setor.

          Por sua vez, os espectadores saem de suas casas e vão ao teatro para verem uma história ser contada, entrarem naquela atmosfera imaginária e se envolverem com as situações vividas pelos personagens, não para saberem quais teorias nortearam o processo criativo dos atores, nem tampouco qual a técnica utilizada por eles. Aqueles que desejam obter essas informações, costumam procurar o elenco após as apresentações e dialogar sobre esses assuntos. Entretanto, de um modo geral, o público quer ver teatro e não demonstrações técnicas.

          Em contrapartida, não quero que esse comentário soe como crítica negativa ao trabalho dos atores. Muito pelo contrário, pois todos mostravam um bom nivelamento das atuações, estando muito entregues às cenas e com um material bruto ainda por ser lapidado. Nesse sentido, tenho certeza de que a maturidade irá aprimorar ainda mais as qualidades daqueles jovens artistas e ainda teremos o prazer de assistir a outros espetáculos em que estejam atuando.

          Portanto, gostaria de finalizar esse texto dizendo que a ida ao teatro é sempre válida e que o público pelotense precisa voltar a frequentar os eventos culturais dessa cidade. Durante muitas décadas, os pelotenses eram reconhecidos como pessoas que consumiam muita cultura. No entanto, o que vemos atualmente é que as artes deixaram de fazer parte do cardápio da população pelotense. Sendo assim, termino esse texto ainda esperando ver o público dessa cidade mais motivado a frequentar os espetáculos teatrais que por aqui passarem.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
vagnervarg@yahoo.com.br www.ccetp.blogspot.com

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Alteridade Confrontada na Comédia dos Erros de Shakespeare

          O público formava uma grande fila que se estendia até à rua. Muitas pessoas aguardavam antes do horário para assistirem ao espetáculo “A Comédia dos Erros”, clássico de Wiliam Shakespeare, apresentado pela Cia Stravaganza, de Porto Alegre/RS, no dia 28 de Agosto de 2011, no Centro de Treinamento do Grupo Tholl.

          Com primorosa direção da experiente Adriane Mottola, o espetáculo propunha uma disposição do espaço cênico diferenciada do tradicional palco italiano. Logo que os espectadores entravam, eram confrontados com um mercado público, com signos que remetiam aos comércios populares do oriente médio. Os personagens da história recebiam o público, oferecendo-lhes alguns produtos que estavam à venda durante a peça.

          O cenário é disposto de maneira horizontal, espalhado entre os assentos da plateia, conferindo um aspecto de rua, já inserindo os espectadores dentro da atmosfera dessa feira pública onde as histórias se desenrolam, muitas identidades surgem, desaparecem e se transformam ao longo de, aproximadamente, 100 minutos. Aliás, identidade é justamente o mote inicial do discurso que principia o espetáculo.

          As luzes se apagam e surge uma Drag Queen, a famosa celebridade de showbiz do entretenimento noturno gaúcho Laurita Leão, criada pelo excelente ator Lauro Ramalho. Laurita começa o espetáculo falando sobre identidades de pessoas, coisas, lugares e refletindo sobre a noção epistemológica e conceitual que essa temática aborda. A personagem nos fala sobre a reconciliação com a imagem que criamos de nós mesmos, no entanto essa identificação permanece inquietante e continuamente desconhecida e em criação, enquanto o tempo passa. Durante todo esse discurso, a Drag Queen vai se “desmontando” aos olhos dos espectadores, deixando desaparecer a imagem de superficialidade burlesca, enquanto surge a personalidade do ator Lauro Ramalho que se reconstroi na caracterização de um velho comerciante, seu novo personagem, ou sua nova identidade naquela história.

          O desprendimento que esse ator teve, para revelar sua fragilidade por de trás do escudo que a primeira figura lhe imprime, enquanto se expõe como ator, para logo após ilustrar a construção de seu novo personagem, demonstra um exercício de humildade, coragem e entrega verdadeira que apenas os grandes artistas conseguem comungar com o seu público. Esse é apenas o assunto inicial que a adaptação da Cia porto-alegrense usou para situar o público na temática relacionada ao texto escrito originalmente no século XVII. Apesar de ser um texto tão antigo, seus questionamentos ultrapassaram todos esses séculos e essa proposta teatral adaptada para um outro contexto conseguiu aproximar ainda mais os ali presentes, da história que lhes estava sendo contada.

          Não posso deixar de tecer elogios às concepções de figurinos, cenário, elementos de cena, iluminação e sonoplastia, pois todos esses aspectos nos saltavam os olhos para a percepção do requinte de uma proposta de encenação muito bem elaborada. Não apenas os detalhes dos figurinos, mas também a própria paleta de cores utilizada permitia imprimir uma identidade visual não apenas a cada personagem, mas ao espetáculo como um todo. Nenhum elemento que surgiu em cena estava ali sem um propósito contextualizado na encenação. Não foram necessários elementos alegóricos, nem grandes ornamentações que exibem apenas uma ornamentação cênica vazia. Muito pelo contrário, o trabalho da equipe técnica desse espetáculo é preciso, adequado, pertinente e funcional.

          O texto conta uma história de uma troca de bebês que acabam se cruzando no futuro, tendo suas identidades confundidas ao longo de uma série de situações que vão construindo o enredo divertido da história Shakespeariana. Embora o texto seja excelente, nesse caso, a sua transposição para a linguagem teatral só obteve o devido êxito, pois o elenco composto por Carlos Alexandre, Gustavo Curti, Sofia Salvatori, Fernando Kike Barbosa, Lauro Ramalho, Janaína Pelizzon, Adelino Costa, Rodrigo Melo, Anita Coronel, Rafael Guerra e Vanise Carneiro estava extremamente afinado. Os atores souberam dialogar com a plateia, mantendo o ritmo e o envolvimento com os espectadores durante toda a peça.

          A meu ver, tivemos o deleite de assistir a dois espetáculos. O primeiro contendo o discurso filosófico e antropológico conduzido pelo grande ator Lauro Ramalho. O segundo continha todas as peripécias da história criada pelo dramaturgo inglês e desempenhada de maneira competente pelo elenco da Cia Rústica. Nos últimos anos, tenho observado que sempre que um texto de Shakespeare vem a Pelotas, o teatro não apenas lota, como o público gosta muito do que lhe é apresentado.

          Considero que Shakespeare sempre é uma boa pedida. Porém, os textos desse autor costumam ser muito temidos, pois não é qualquer elenco, nem diretor que consegue segurar a profundidade de seus diálogos, críticas e abordagens temáticas. Nesse sentido, finalizo re-enfatizando a grande ideia desse grupo ao aliar o mote da “Comédia dos Erros”, ao discurso sobre identidade enquanto observamos a transformação de um artista em cena, nos levando a refletir sobre as muitas identidades que vamos construindo e assumindo ao longo de nossas vidas.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
vagnervarg@yahoo.com.br www.ccetp.blogspot.com

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Palavras nu corpo da plateia perdida em palavras nu corpo

                              Por Carlos Cogoy


Tire a roupa. Cada peça um código. Tire a lógica. Cada código uma barreira. Tire e queda.
Jocasta arrasta ou está presa? Sua cauda em tecido, tanto prende quanto projeta a infinitude.
Édipo reclama sua sina. Estupefato, clássico, dialoga com o imponderável. Édipo fala, apenas...
Grão, fartura do pouco, recorte do todo. Um dedo de Sófocles. Cerimônia contida.
Abruptamente a cena engasga. Elas invadem a concha grega. Trapos, cores, voz mambembe.
Na plateia, Édipo e Jocasta. A solenidade vira praça. Histriônica, atrevida, a arte popular debocha, ri, mas pergunta...
Como alguém formado em teatro, pretende sobreviver na tragédia capitalista?
Boneca gira, circula, flerta. Aos espectadores, em pé, ela mima, agrada, sorri e diz que gosta.
Mulher popular, tetas caídas. O carrinho das tralhas está num canto. Retoma o sarcasmo...
Satiriza sobre o teatro-compromisso, arte social. É preciso o teatro nas comunidades. Será mesmo?
Eros contempla, nada diz. Sem palavras. Sem roupa. Adornado por alfaces. Levanta e some... Tânatos ligou?
Primeiro ato, ou cena, ou falha, ou fragmento. Primeiro véu da primeira turma de teatro da UFPel. Polifônico número um.
Num daqueles galpões da Tamandaré, reaproveitado pela universidade pública, metros de ‘encerado’ demarcando territórios, moldando ambientes, insinuando labirinto. Trama no espaço, códigos revisitados, Shakespeare no espelho.
Sala de espera, cadeiras, público chega. Quem se re-conhece, acena, sorri, aguarda. O som é bom.
Flávio Dornelles, microfone suspenso. Como personagem, recepciona a plateia daquela noite. Leva-nos até o primeiro encontro. Ali, sagacidade do prof. Adriano Moraes, vimos o dito. Gregos, arte popular, academia... Prosseguir é preciso. Prosseguir é questionar...
Cautelosos, curiosos, passos no escuro. Abre-se o véu, concha de vidro, útero transparente, bolha estética.
Nudez acrobática. Arauto que se contorce, retorce, voa, revida olhares. Ao corpo nu resta despir a criação. Se já não há o que ver, basta ouvir... O corpo da linguagem, num tratado que revira códigos. Teatro-castigo expele o acrobata das palavras. Espectadores em pé...
Menina, mulher, Frida Clown. A brincadeira pueril, a voz dos gestos, Lucia Berndt declama, cala, corre, mira espelho que reflete espectadores à espera de um código...
Desce escada, equilibra-se sobre tonel. Na boca, torrente poética que apela ao desconforto. Maurício Rodrigues, traje em frangalhos, sobe estrados, desce, pendura-se.
Lady MacBeth aparece num extremo do galpão. Reverencia o altar da sua dor. Lamentos à luz de velas. Joice Lima exaspera, polifônica.
Espectadores entreolham-se, desviam olhares, tateiam o próximo passo... Peregrinos num labirinto de mil vozes. Abandonados ao seu peso, o corpo desconfortável não acompanha ideias nem ideais.
Sob o foco da lâmpada, ela está sentada. Formal, acende cigarro. Valéria Fabres mira os mais próximos. Destila o segredo da “professora” lasciva. Fulmina com detalhes. Nas palavras, corpo que não se conforma, pede, deseja. Confidencia prazer, revela o que não se diz.
Encontro, fragmento, cena, calvário, estão pontuados por trilha ao vivo. Sonoridades, percussão, efeitos. Nalguns momentos, a batida sobrepõe vozes. Nalguns momentos, o
som é o cenário... Como “cenógrafos” sonoros, Daniel Medeiros, Cleber Vaz e Eugênio Bassi.
Partida de futebol, tumulto, protesto, atentado, à frente o invisível é turbulento. Os espectadores, Inácio Schardosim e Patrícia Vaz, pulam, manifestam-se, inquietam-se. Porém, estão à margem. Movimentam-se no interior de uma estrutura de metal, que tanto remete à plateia quanto a impossibilidade de protagonizar. Somos torcedores, reagimos ao que chega pelo olhar. Espectadores não interferem, respondem para o nada. Fantoches das sombras. E os espectadores que desviam dos estrados, espiam entre as frestas dos obstáculos?
Ninguém avisou, o espetáculo acabou. Lentamente, desconfiando, público arreda o “encerado” e vislumbra atores, equipe técnica. À saída, aguardam pela despedida. Sobre tablado, perfilados, posicionam-se diante dos espectadores daquela noite. Por lá, Beatriz Araújo, Sheila Hameister, Luiz Dalla Rosa, Augusto, Deisi...
Adriano menciona propósitos. Questionamentos, ressalta. No local que já sediou o Tholl, arte muito além da pirotecnia, pulos e malabares.
Construção física de um curso que, até pouco tempo parecia distante. Desconstrução lírica de uma estética exausta. Muitos sons, imagens polifônicas. E o número 2, quais sons? Tantas palavras para quais mensagens? E depois das mensagens? E palavras são piruetas? E a tragédia capitalista virou comédia? E o oprimido virou chavão estético? Espectadores... de quem?
Sem tempo, sem palco, sem assentos. Sem vergonha de reinventar, possibilidades reviradas no galpão de cada espectador.
Ana Alice Muller como Jocasta. Célio Soares Jr. como Édipo. Neusa Kuhn como artista de rua. Vanessa Martins, a boneca-criança.
Equipe também com Gê Fonseca e Larissa Martins (cenários, figurinos e adereços), Elias Pintanel e Mauricio Mezzomo (atores convidados), Éderson Pestana (contra-
regra), Luis Carlos Ramos Heinrich, Éderson (logística e administração do espaço), Cleomar, Diego, Alisson, Luis Fernando, Adão, Roger, Luis “Toco” Ismar, Cauê, Fernando, Niltom “Sorriso” (serviços gerais), Giovani, Tiago (pintores), Selmar (eletricista), Vanessa (limpeza), Elenara, Suellem, Silva, Michel, José Carlos e Alex (portaria/segurança).