Por Carlos Cogoy
Tire a roupa. Cada peça um código. Tire a lógica. Cada código uma barreira. Tire e queda.
Jocasta arrasta ou está presa? Sua cauda em tecido, tanto prende quanto projeta a infinitude.
Édipo reclama sua sina. Estupefato, clássico, dialoga com o imponderável. Édipo fala, apenas...
Grão, fartura do pouco, recorte do todo. Um dedo de Sófocles. Cerimônia contida.
Abruptamente a cena engasga. Elas invadem a concha grega. Trapos, cores, voz mambembe.
Na plateia, Édipo e Jocasta. A solenidade vira praça. Histriônica, atrevida, a arte popular debocha, ri, mas pergunta...
Como alguém formado em teatro, pretende sobreviver na tragédia capitalista?
Boneca gira, circula, flerta. Aos espectadores, em pé, ela mima, agrada, sorri e diz que gosta.
Mulher popular, tetas caídas. O carrinho das tralhas está num canto. Retoma o sarcasmo...
Satiriza sobre o teatro-compromisso, arte social. É preciso o teatro nas comunidades. Será mesmo?
Eros contempla, nada diz. Sem palavras. Sem roupa. Adornado por alfaces. Levanta e some... Tânatos ligou?
Primeiro ato, ou cena, ou falha, ou fragmento. Primeiro véu da primeira turma de teatro da UFPel. Polifônico número um.
Num daqueles galpões da Tamandaré, reaproveitado pela universidade pública, metros de ‘encerado’ demarcando territórios, moldando ambientes, insinuando labirinto. Trama no espaço, códigos revisitados, Shakespeare no espelho.
Sala de espera, cadeiras, público chega. Quem se re-conhece, acena, sorri, aguarda. O som é bom.
Flávio Dornelles, microfone suspenso. Como personagem, recepciona a plateia daquela noite. Leva-nos até o primeiro encontro. Ali, sagacidade do prof. Adriano Moraes, vimos o dito. Gregos, arte popular, academia... Prosseguir é preciso. Prosseguir é questionar...
Cautelosos, curiosos, passos no escuro. Abre-se o véu, concha de vidro, útero transparente, bolha estética.
Nudez acrobática. Arauto que se contorce, retorce, voa, revida olhares. Ao corpo nu resta despir a criação. Se já não há o que ver, basta ouvir... O corpo da linguagem, num tratado que revira códigos. Teatro-castigo expele o acrobata das palavras. Espectadores em pé...
Menina, mulher, Frida Clown. A brincadeira pueril, a voz dos gestos, Lucia Berndt declama, cala, corre, mira espelho que reflete espectadores à espera de um código...
Desce escada, equilibra-se sobre tonel. Na boca, torrente poética que apela ao desconforto. Maurício Rodrigues, traje em frangalhos, sobe estrados, desce, pendura-se.
Lady MacBeth aparece num extremo do galpão. Reverencia o altar da sua dor. Lamentos à luz de velas. Joice Lima exaspera, polifônica.
Espectadores entreolham-se, desviam olhares, tateiam o próximo passo... Peregrinos num labirinto de mil vozes. Abandonados ao seu peso, o corpo desconfortável não acompanha ideias nem ideais.
Sob o foco da lâmpada, ela está sentada. Formal, acende cigarro. Valéria Fabres mira os mais próximos. Destila o segredo da “professora” lasciva. Fulmina com detalhes. Nas palavras, corpo que não se conforma, pede, deseja. Confidencia prazer, revela o que não se diz.
Encontro, fragmento, cena, calvário, estão pontuados por trilha ao vivo. Sonoridades, percussão, efeitos. Nalguns momentos, a batida sobrepõe vozes. Nalguns momentos, o
som é o cenário... Como “cenógrafos” sonoros, Daniel Medeiros, Cleber Vaz e Eugênio Bassi.
Partida de futebol, tumulto, protesto, atentado, à frente o invisível é turbulento. Os espectadores, Inácio Schardosim e Patrícia Vaz, pulam, manifestam-se, inquietam-se. Porém, estão à margem. Movimentam-se no interior de uma estrutura de metal, que tanto remete à plateia quanto a impossibilidade de protagonizar. Somos torcedores, reagimos ao que chega pelo olhar. Espectadores não interferem, respondem para o nada. Fantoches das sombras. E os espectadores que desviam dos estrados, espiam entre as frestas dos obstáculos?
Ninguém avisou, o espetáculo acabou. Lentamente, desconfiando, público arreda o “encerado” e vislumbra atores, equipe técnica. À saída, aguardam pela despedida. Sobre tablado, perfilados, posicionam-se diante dos espectadores daquela noite. Por lá, Beatriz Araújo, Sheila Hameister, Luiz Dalla Rosa, Augusto, Deisi...
Adriano menciona propósitos. Questionamentos, ressalta. No local que já sediou o Tholl, arte muito além da pirotecnia, pulos e malabares.
Construção física de um curso que, até pouco tempo parecia distante. Desconstrução lírica de uma estética exausta. Muitos sons, imagens polifônicas. E o número 2, quais sons? Tantas palavras para quais mensagens? E depois das mensagens? E palavras são piruetas? E a tragédia capitalista virou comédia? E o oprimido virou chavão estético? Espectadores... de quem?
Sem tempo, sem palco, sem assentos. Sem vergonha de reinventar, possibilidades reviradas no galpão de cada espectador.
Ana Alice Muller como Jocasta. Célio Soares Jr. como Édipo. Neusa Kuhn como artista de rua. Vanessa Martins, a boneca-criança.
Equipe também com Gê Fonseca e Larissa Martins (cenários, figurinos e adereços), Elias Pintanel e Mauricio Mezzomo (atores convidados), Éderson Pestana (contra-
regra), Luis Carlos Ramos Heinrich, Éderson (logística e administração do espaço), Cleomar, Diego, Alisson, Luis Fernando, Adão, Roger, Luis “Toco” Ismar, Cauê, Fernando, Niltom “Sorriso” (serviços gerais), Giovani, Tiago (pintores), Selmar (eletricista), Vanessa (limpeza), Elenara, Suellem, Silva, Michel, José Carlos e Alex (portaria/segurança).
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
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Como eu já disse ao Cogoy, por e-mail, achei "muito bacana. Mesmo. Claro que sou suspeita para o comentário, mas me deixaste sinceramente comovida.
ResponderExcluirAdoro sinceridade. Franqueza. A humildade da dúvida me toca. O questionamento inteligente, me anima.
Que bom!
Grande beijo e muito obrigada. O retorno, crítico e honesto, é muito importante para os artistas."