quinta-feira, 17 de junho de 2010

Aqueles Dois eram Quatro Mineiros

Após a apresentação de um espetáculo carioca de qualidade duvidosa, Pelotas teve o prazer de receber a sensível Cia Luna Luneira de Belo Horizonte/MG. No dia 14 de junho de 2010, o grupo de teatro mineiro apresentou o espetáculo Aqueles Dois, uma adaptação do conto homônimo do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu.

Este é o tipo de obra que nos dá prazer em sentar e falar sobre. Não apenas por ser baseado na adaptação de um texto muito bem escrito pelo escritor gaúcho, mas pela extrema competência com que o grupo de atores conseguiu transpor à linguagem literária para a teatral. O conto original trata da rotina de uma repartição, utilizada como metáfora para falar das relações em sociedade. Neste local, dois homens se conhecem e desenvolvem uma amizade que passa a não ser bem vista pelos demais. A partir disso, os atores construíram uma estrutura dramática que deu tanta vida às situações e aos diálogos apresentados, que seria impossível não atribuir-lhes a devida verossimilhança que as cenas mereciam. A maneira justa e sincera como os textos e os diálogos fluíam entremeando-se, criavam uma atmosfera que ia jogando o espectador pra dentro da cena. Desde o início, apesar da proposta de montagem não ser realista, a verdade com que os atores atuavam dava vida a situações que adquiriam um caráter de realidade, gerando uma fácil identificação com o público presente.

A proposta de direção do espetáculo foi extremamente inteligente, conseguindo imprimir ritmo, delicadeza, força, sutileza e emoção nas medidas certas, quando a cena exigia. Além disso, a idéia de encenação próxima ao público fez com que os ambientes narrados na história, extrapolassem os limites do palco. Muito adequada também foi a proposta de se utilizarem várias gavetas ao redor do espaço cênico, sendo utilizadas como cenário em diversos momentos. Mas, não me refiro a este aspecto de uma maneira simplista, pois a simbologia atribuída a estas gavetas era perceptivelmente intencional para fazer o espectador pensar sobre tudo aquilo que acumulamos nas “gavetas” ao longo de nossas vidas, assim como o ato da escrita ou do pensamento sobre muitos assuntos que ficam guardados e escondidos dos próprios autores. No contexto desta peça, os dois personagens são pessoas solitárias que conservam muitas coisas imperceptíveis aos olhos dos demais. Assim, pouco a pouco, os atores iam desvelando essas “gavetas” e expondo o universo singular de cada personagem. Para tanto, os quatro atores se revezavam entre os personagens do conto, de maneira sutil e sensível, prendendo a atenção do público durante toda a história.

Outro aspecto que chamou a atenção foi a proposta de iluminação extremamente orgânica com o espetáculo, criando uma atmosfera envolvente muito apropriada às situações enfrentadas pelos personagens. Neste espetáculo havia um ótimo exemplo de utilização correta da iluminação, nada foi gratuito e todas as escolhas cromáticas foram pensadas de acordo com o texto e a proposta de encenação. Em determinado momento foi usado o recurso de Black out - que tanto critico, quando mal utilizado- porém, aqui reside um exemplo coerente deste recurso, pois, quando houve o escurecimento da cena, este não foi um mero momento utilizado para trocas de cenários, ou de elementos de cena, foi proposto com o intuito de gerar uma atmosfera que refletia o que os personagens estavam enfrentando. Além disso, a iluminação conferia uma textura que ia muito ao encontro do que provavelmente o autor Caio Fernando Abreu poderia ter imaginado para a cena. No conto, o autor refere uma série de músicas que ajudam a construir o ambiente daquelas pessoas. Neste sentido, os atores utilizam os referenciais musicais originais do texto e acrescentam alguns possíveis pontos de identificação pessoal que se encaixam perfeitamente na proposta.

Bom, agora renderei meus comentários aos atores-criadores desta bela obra de arte. Primeiramente, começarei nomeando-os, pois acredito que, quando um trabalho é bem executado, merece o devido reconhecimento. Por este motivo, destaco minhas congratulações a Cláudio Dias, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves, Rômulo Braga e Zé Walter Albinati, assim como a todos os membros de sua equipe pelo competente trabalho que trouxeram a Pelotas. Neste sentido, saliento a organicidade e sintonia do jogo cênico entre os atores. As atuações estavam na medida certa, não havia nada de mais, nem de menos, havia, apenas, a precisão. Precisa também foi a condução das emoções, em alguns momentos divertindo o público, em outros os fazendo refletir, se identificar e, por fim, trazendo-os para dentro da emoção. Estes atores deram um bom exemplo do diferencial que a formação, embasamento e o trabalho árduo fazem para a criação de uma obra de arte capaz de tocar ao espectador. As diferenças físicas e interpretativas de cada ator em nada prejudicaram a percepção do público, quando haviam as mudanças de personagens, já que a sintonia entre o elenco criava uma idéia capaz de assimilação e identificação fáceis para o público. Este tipo de situação poderia ter sido muito simplista, caso os atores tivessem feito isso através de interpretações tipificadas, o que não foi caso, neste espetáculo. Devido a isso, ressalta-se ainda mais o trabalho destes atores que conseguiram fazer com que o público abstraísse quaisquer diferenças e se identificasse com o universo interno daquelas pessoas, naquele tipo de situação. Realmente, foi o tipo de apresentação que trouxe um algo mais ao espectador. Feliz daqueles que puderam ter o prazer de assisti-los.

Entretanto, termino este texto lamentando a ausência de divulgação e destaque na mídia local para um espetáculo de alta qualidade artística como este. Cito isto, pois, recentemente, os profissionais da imprensa local deram uma divulgação maciça durante semanas para uma peça de teatro que traria “artistas” televisivos à cidade. Não sei se a alienação das pessoas que escrevem para a mídia impressa e televisiva pelotenses as impedem de ampliar os seus conhecimentos sobre trabalhos com valor artístico respeitável, mas a população da cidade de Pelotas não pode mais ficar sem a notícia e o conhecimento de que artistas competentes trarão o seu trabalho a nossa cidade.
MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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terça-feira, 15 de junho de 2010

Turn Off the Play, Theater Was Over!

Talvez este seja um dos textos mais difíceis, ou mais fáceis que já enfrentei. A explicação para este fato está contida na crítica que tecerei ao espetáculo Play – Sobre Sexo, Mentiras e Videotape, apresentado no Teatro Guarany, na gélida noite de 13 de Junho de 2010. Esta peça é uma adaptação do Filme Sexo, Mentiras e Videotape de Steven Soderbergh (1999), feita pelo ator Rodrigo Nogueira.

Para não entrar de sola na adaptação teatral, gostaria de postar algumas palavras sobre o Teatro Guarany, de propriedade da família Fetter, o único em funcionamento na cidade, já que o Prefeito Adolfo Fetter Júnior autorizou o fechamento do Teatro Sete de Abril para reformas ainda não iniciadas. Além disso, o Teatro do Círculo Operário Pelotense (COP) também está com suas portas fechadas, visto que não dispõe de condições técnicas mínimas para que uma produção teatral seja apresentada em suas dependências. Devido a isso, as peças de teatro que são delineadas para apresentações em palco italiano contam com apenas um local disponível para este fim em Pelotas: o Teatro Guarany. Apesar de cobrar um aluguel altíssimo por uma noite de apresentações, o Teatro Guarany não dispõe de equipamentos de sonoplastia e iluminação próprios, fazendo com que os grupos de teatro, ou a produção local, contrate serviços de outras empresas, para que a casa de espetáculos possua condições de receber um evento teatral nestes moldes. Além deste fato, não posso deixar de comentar que os assentos do teatro não serem nem um pouco confortáveis, são barulhentos e muito próximos uns dos outros, fazendo com que o público fique apertado em uma plateia lotada de cadeiras. Obviamente, por se tratar de um prédio histórico, o Teatro Guarany não foi construído tendo em mente um projeto de calefação ou climatização interna. Entretanto, este quesito deveria ser abordado, caso ocorram reformas naquele prédio, pois, neste dia a temperatura estava abaixo de 10°C e a sensação térmica dentro do teatro se comparava quase a uma geladeira. Mesmo assim, boa parte do público presente aguentou até o final da apresentação.

A capacidade de lotação do Teatro Guarany supera os mil espectadores. Porém, foi possível observar que havia uma plateia cheia, mas não lotada e camarotes vazios. Esta constatação me fez refletir sobre o valor do ingresso cobrado pelo contratante local e o tipo de teatro que as empresas contratantes escolhem para ser apresentado em Pelotas. Mesmo com uma proposta de facilidade de aquisição de ingressos para os comerciários locais, observei uma plateia não condizente com a quantidade de trabalhadores do comércio local que poderiam estar presentes neste evento. Talvez, por se tratar de uma peça com atores de novela, o que já traria por si só um pré-julgamento do público à cerca da aproximação de linguagens entre a televisiva e a teatral, tenha influído na decisão dos pelotenses em pagar um ingresso caro para assisti-los ou permanecer confortavelmente em suas residências, ligar a TV e acompanhar algo semelhante, de forma gratuita. Ou, ainda melhor, assistir algo que pudesse ter nem que fosse um pouco de qualidade artística. Como ator, sempre preferi uma plateia cheia de espectadores, a um teatro imenso e vazio. Refiro isto, pois, um espetáculo deste tipo, quando vem a Pelotas, já sai com seu contrato fechado do centro do país, não dependendo do lucro das bilheterias locais. Por este motivo, acredito que, se não havia necessidade de lucro do borderô pelos artistas, a empresa contratante, deveria ter disponibilizado mais cortesias aos estudantes de teatro, dança e das artes em geral desta cidade, visto que este é o seu foco de aprimoramento profissional. Mesmo que houvesse ocorrido um sucesso de público, a distribuição de cortesias não iria afetar aos lucros do borderô, nem muito menos superlotar o teatro.

Como o Teatro Guarany não dispõe de equipamentos de luz próprio, foi utilizado um sistema de montagem de luz que prejudicou o espetáculo em questão, pois haviam estruturas de torres de iluminação, comumente utilizadas em shows musicais e que não funcionaram para esta montagem teatral. A iluminação do espetáculo pecou em vários quesitos. Acredito até que o espetáculo deva ter um plano de luz adequado a sua proposta e talvez bem estruturado. Mas, me atenho a comentar o que foi apresentado. O técnico de luz do espetáculo não soube afinar a luz, nem se adaptar aos materiais de que dispunha, optou apenas por iluminar as cenas. Porém, iluminou mal, já que a luz estava extremamente vazada, chapada, sem nuances, refletindo na estrutura metálica das torres. Em certo momento, abriram dois focos de cor lilás ao fundo, sem a menor relação com a cena que estava ocorrendo. Pareceu-me que o iluminador, resolveu testar uma possibilidade cromática fora de contexto. Além disso, o espetáculo contava com uma excessiva utilização do recurso de Black out, quebrando o ritmo das cenas – que já era fraco – e totalmente fora de propósito. Esta opção de direção foi muito equivocada, pois, a cada momento de escurecimento o espetáculo perdia mais o seu ritmo e não se justificava o uso desta ferramenta, visto que, em algumas cenas os atores faziam trocas de cenários às claras, enquanto algum fato se desenrolava.

Outro fator irritante à plateia foi o ruído das caixas de som, localizadas à frente do palco que atrapalhavam a escuta das falavas dos atores. Apesar dos atores terem optado pela não utilização de microfones durante suas falas em palco, haviam microfones que captavam as falas nas coxias, ficando ligados durante todo o espetáculo, com um forte ruído. Realmente, o Teatro Guarany possui uma péssima acústica para apresentações teatrais que não se utilizam de microfones. Neste sentido, destaco como ponto favorável a coragem destes atores em representarem esta peça, apenas fazendo uso do seu aparelho vocal, o que por si só preconiza um esforço a mais, tendo em vista a inadequação acústica do local.

No que se refere ao trabalho dos atores, foi possível observar uma total ausência de time, tanto nas falas, quanto na condução do ritmo da peça. Falas monocórdias, inexpressivas, que mais pareciam uma imitação mal feita dos sitcoms norte-americanos. Obviamente que este tipo de montagem atende aos referenciais de sua equipe e ao molde do elenco a que se propõe. Neste sentido, por ser uma montagem comercial voltada para atrair ao público pelo nome de jovens estrelas das telenovelas, eu já fui ao teatro sem grandes expectativas, mas, sempre guardo em meu íntimo o desejo de ser surpreendido. Não foi o caso.

Havia uma total ausência de força cênica, uma direção com uma criatividade muito aquém do que o público que frequenta teatros espera. O referencial televisivo estava muito presente em todo o espetáculo e não apenas pelo fato do texto ser uma adaptação baseada em um filme, nem pelo fato dos atores terem carreiras televisivas, mas na condução de uma dramaturgia que talvez funcionasse em outras linguagens. Porém, no teatro não funcionou. Entretanto, para os estudantes de teatro e para os artistas em geral esta foi uma ótima oportunidade de também verem como se faz teatro equivocado. Acredito que o grande destaque de má atuação seja o ator Sérgio Marone, visto que não conseguiu imprimir nenhuma emoção e nenhum ritmo a nenhuma sílaba que disse, por mais que seus colegas de elenco se esforçassem em manter o ritmo do espetáculo, ele quebrava o ritmo e atrapalhava ao andamento do espetáculo.

Em contrapartida, nem tudo foi ruim neste espetáculo. Houve um momento, em que o trabalho de diálogos simultâneos de duas cenas deu um aspecto interessante à montagem. Além disso, destaco o esforço da atriz Cintia Falabella em tentar imprimir ritmo à peça e à maneira como atuou, enquanto era filmada, tendo sua imagem projetada na rotunda. Acredito que os problemas do espetáculo não se devam somente ao elenco, visto que caberia ao diretor saber tirar o que de melhor cada ator possuía e imprimir um ritmo melhor ao espetáculo. O final da peça era fraco, bobo, quase fez o público levantar e sair sem aplaudir. Entretanto, observei que nenhum expectador levantou para aplaudir, demonstrando que aqueles aplausos eram apenas em educação pelo trabalho executado pelos artistas e não pela qualidade do que foi apresentado.

Algumas coisas me fizeram refletir, após assistir a esta peça de teatro, pois a mídia local deu um imenso destaque à vinda dos artistas de novela à cidade, em especial, ao jornal impresso de maior circulação na cidade – que também pertence a mesma família proprietária do Teatro. Em face disso, penso naquelas pessoas que saíram de suas residências em um dia tão frio, na esperança de serem tocados com uma obra artística, ou até mesmo aqueles que foram pela primeira vez a um teatro. Será que, após terem assistido a um espetáculo desses, estas pessoas retornarão às plateias dos teatros? Além disso, existe algum tipo de percepção ou reflexão das pessoas que fazem a mídia local sobre o valor e o destaque que dão a produtos massificados de uma cultura descartável?

Desta forma, termino este texto esperando que espetáculos com qualidade artística capaz de tocar aos espectadores possam ter o mesmo tipo de destaque na mídia local que os frutos televisivos têm quando aqui desembarcam. Tudo bem que a emoção do público ou a gargalhada sincera não renderão tantos comentários nos tradicionais salões pelotenses, como as fotos que sairão nas colunas sociais ao lado das estrelas “globais”, mas os espaços midiáticos deveriam ser mais democráticos, inteligentes e menos alienados.

MSc.Vagner Vargas
DRTAtor – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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quarta-feira, 9 de junho de 2010

12 Graus e um Ensaio Geral

Com uma temperatura de 12 graus, a Cia Cem Caras de Teatro, do IF-SUL, iniciou o seu Ensaio Geral, na noite do dia 03 de junho de 2010. Já no acesso à entrada do teatro da instituição, víamos uma cena rara no cenário teatral da cidade: havia uma fila enorme de pessoas para comprarem ingressos, enquanto muitos outros se aglomeravam em frente à porta de entrada. Isto tudo para assistirem a um evento teatral, sem “artistas de novela” e fora do perímetro central da cidade.

Para comentar este tipo de evento precisamos ter em mente o contexto no qual ele está inserido. Tratava-se de um Ensaio Geral, onde haveria a colagem de várias propostas de esquetes que, possivelmente sejam montadas pelo grupo. Porém, não estávamos lidando com o processo de trabalho de um grupo de atores profissionais. O que se via ali era o fruto de um trabalho de teatro no contexto de um educandário, como proposta de atividade extraclasse aos alunos da instituição, coordenado pelo diretor Flávio Dornelles. O objetivo deste tipo de trabalho seria o de fornecer possibilidades reflexivas aos educandos para que eles conheçam o processo teatral, reverberando em qualidades para a sua vida em sociedade. Entretanto, a Cia Cem Caras tem sido um grande celeiro de novos talentos na cena teatral pelotense já há algumas décadas. Muitos de seus egressos tomam conhecimento dos primeiros princípios teatrais e acabam descobrindo sua vocação para as artes através deste trabalho.

Neste sentido, o que se observou naquela noite foi uma intenção do diretor em mostrar ao público e alunos que várias atividades artísticas podem atuar sinergicamente. À direita do palco ficava uma banda, formada pelos alunos da instituição, participantes do grupo, que executavam as músicas ao vivo. Destaco aqui o trabalho muito competente e adequado destes músicos para com a proposta de encenação. Realmente, quando um espetáculo de teatro apresenta música executada ao vivo, há um ganho em qualidade imenso. Infelizmente, na maioria das vezes, parece haver um abismo entre o diálogo de músicos e atores, fazendo com que estes últimos, se tiverem habilidades musicais, sejam responsáveis por mais esta tarefa no espetáculo. Acredito que a possibilidade de junção do trabalho de músicos e atores somente viria a acrescentar à qualidade dos espetáculos de teatro e dança pelotenses. Porém, para um músico, em alguns casos, há um lucro monetário maior em tocar músicas cover nos bares noturnos da cidade. Obviamente que a subsistência tem papel preponderante em um mundo capitalista, mas arte preconiza criação, cover é apenas reprodução. Alfineto os músicos locais para que as relações entre atores, dançarinos e músicos sejam mais estreitadas nesta cidade. Todos teriam excelentes ganhos com o tempo. Neste sentido, Dornelles mostrou ao público o prazer em ouvir boa música ao vivo, conjuntamente à execução de cenas teatrais.

No outro lado, à frente do palco os artistas Maicon Barbosa e Jandira Souza criavam uma obra a quatro mãos, pintando um quadro que depois foi sorteado para a plateia. Esta mistura de propostas que o diretor decidiu mostrar ao público é uma ótima oportunidade para o espectador perceber que diversas criações artísticas participam do todo em um processo de construção de um espetáculo de teatro. No início desta década, aqui em Pelotas, o ator Alexandre Coelho, sob direção de Índio Benevenuto, montou um espetáculo chamado “Liubliu Amo!”, no qual o ator interpretava poemas do escritor Vladimir Mayakovsky, enquanto um pianista e a violinista Lis Márcia acompanham a atuação com sua música. No mesmo espetáculo, o multiartista Gê Fonseca criava uma obra, conjuntamente com o trabalho dos outros artistas. Este tipo de proposta artística já foi experimentado em diversos lugares, mas sempre agrega qualidades positivas para o público que tem o prazer em deleitar-se com a possibilidade de observar vários artistas criando em sintonia nas suas mais diferentes formas de expressão artística.

No que se refere aos esquetes, não posso julgá-los com os mesmos critérios que eu faria para atores já formados, pois esta não é a proposta do trabalho. Por se tratar de um processo de ensino, acredito que foi uma boa oportunidade para os estudantes experienciarem um momento de encenações para um grande público. Numa instituição educacional, o objetivo do ensino de teatro não deve ser, no meu ponto de vista, a espetacularização. Acredito que o processo de experimentação do processo criativo teatral possui mais vantagens a um estudante, do que a preocupação exagerada com o processo de montagem de um espetáculo teatral, uma vez que dentro de uma escola o direcionamento está relacionado ao processo educativo, significativo dos educandos e não na preparação técnica para formação de novos atores para o mercado, já que não há um curso técnico para atores nesta instituição. Além disso, a proposta do diretor possibilitou que os alunos entrassem em contato com diferentes tipos de obras literárias, tais como literatura de cordel, obras dramáticas, teatro do absurdo e obras regionalistas, como as de João Simões Lopes Neto.

Os entre atos de um esquete para o outro eram composto por um mise em scène em que alguns elementos do grupo, vestidos de palhaço, executavam números para distrair a plateia. Algo que remetesse muito de longe os entre atos do teatro de revista brasileiro. A proposta do diretor em oferecer a experimentação da linguagem do palhaço aos seus alunos é muito oportuna. Entretanto, dentro de uma linguagem teatral, a técnica clown preconiza um trabalho intenso, exaustivo e muito dedicado dos atores que se aventuram por esta linguagem. No Brasil, saliento o excelente trabalho executado pelo grupo LUME, de Campinas/SP, para lidar com maestria e respeito à técnica de clowns. Neste sentido, não posso comentar o resultado do trabalho dos clowns deste ensaio geral como julgaria um trabalho de atores profissionais, mas acredito que a proposta de oferecer experimentações em diversas linguagens teatrais seja sempre válida. Além disso, o que percebi foi que os maiores ganhos daquela noite foram para os estudantes, pois se percebia nos olhos de cada um o prazer em estar vivendo aquela experiência, tendo contato com linguagens artísticas diversas, ampliando seus horizontes literários e, quem sabe, sendo o primeiro momento de descoberta da vocação para uma futura carreira artística.

Por outro lado, observo que o ganho deste ensaio geral também se deu no fomento à formação de plateia, já que talvez este tenha sido o primeiro momento em que muitos dos presentes tenham assistido a diversas manifestações artísticas ocorrendo simultaneamente. Ademais, não posso deixar de ressaltar o apoio que a coordenação da instituição dá às artes cênicas, estimulando e possibilitando que este educandário ofereça este tipo de atividade aos seus estudantes.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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domingo, 6 de junho de 2010

Esperando o Metrô no Bistrô

Na estreia da edição de 2010 do projeto Cena Literária, no dia 26 de maio, desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Pelotas, a Cia Pelotense de Repertório apresentou a esquete Esperando o Metrô, traduzido e adaptado por Joice Lima a partir do texto da espanhola Paloma Pedrero. No elenco estão Alexandro Ayres e Joice Lima, com direção coletiva do seu grupo. Desde que o Cena Literária foi idealizado pela atriz/diretora Bartira Franco, destina-se a fazer apresentações de esquetes baseadas em alguma obra literária, com um debate sobre o autor e a temática do texto, logo após a apresentação.

Apesar de ser um dia daqueles bem frios, comuns em Pelotas no final de maio, especialmente, às 18h30min, horário em que este projeto é apresentado, o local destinado às apresentações estava lotado. Obviamente que, com o fechamento do Teatro Sete de Abril, sem perspectivas de reabertura nos próximos meses, a prefeitura deslocou este projeto do foyer do Teatro, para o local onde funcionaria um Bistrô na Secretaria de Cultura (Secult) deste município. Acredito que a possibilidade de mostrar ao público que não existem delimitações espaciais destinadas às apresentações teatrais seja sempre válida, uma vez que propicia ao público a reflexão de que o evento teatral pode transcorrer em qualquer local e não apenas nos tradicionais palcos italianos. Entretanto, não basta somente deslocar as apresentações para este ou aquele local, há a necessidade de que se forneça estrutura para que os artistas possam desenvolver a sua arte com dignidade e ao público para que possa desfrutá-la plenamente.

Neste sentido, refiro que o Bistrô da Secult é um lugar aconchegante que permite uma aproximação entre artistas e público de maneira satisfatória. Porém, o local é pequeno e não conseguirá atingir às possibilidades de lotação de expectadores, como as observadas no Foyer do Teatro Sete de Abril. Saliento este fato, pois o local escolhido pela Secult restringirá o público das próximas edições do projeto, já que a lotação será rapidamente esgotada. Neste dia de estreia, percebia-se que a maior parte dos espectadores eram funcionários da própria Secult e da Prefeitura de Pelotas, o que a meu ver, foi um ganho válido, pois, sugeriu o interesse dos trabalhadores deste setor em prestigiar os movimentos artísticos promovidos pela entidade à qual estão ligados.

Inicialmente, os objetivos do projeto Cena Literária destinavam-se à discussão e à reflexão de obras literárias, seus autores, temáticas e etc..., utilizando-se para isso uma breve representação teatral. Entretanto, parece que esta peculiaridade se perdeu, uma vez que, neste dia, não houve o tradicional debate após a apresentação. Observo este fato como uma falha da organização do evento, pois deveriam ter se dirigido ao público, após a apresentação dos artistas, explicado à plateia que não haveriam mais os debates e as razões para que eles não houvessem. Destaco esse tema, pois a atual organização do Cena Literária talvez desconheça os objetivos do projeto inicial e da importância destes debates para a comunidade. Realmente, foi uma oportunidade perdida, já que a tradutora do texto era a própria atriz que estava representando a cena em questão, o que, por si só, poderia propiciar uma reflexão muito interessante com os presentes sobre a temática apresentada. Neste sentido, este projeto perde a sua característica peculiar de fomentador do diálogo entre literatura e teatro com o público presente, o que dá margem ao questionamento do apoio e incentivo dos órgãos gestores da cultura local sobre o fomento às artes cênicas nesta cidade, visto que este é o único projeto no momento e apenas possibilita a montagem de esquetes teatrais, sem investir em montagens artísticas ou espetáculos performáticos, independentemente da linguagem ou poética adotada pelos artistas. Ainda assim, ressalto a falta que os debates, diálogos e reflexões entre público, artistas e pesquisadores farão neste projeto e para toda a comunidade pelotense.

Além disso, observei que este projeto dispõe de um cenotécnico específico, o que é de grande valia para auxiliar os grupos de teatro na montagem da estrutura técnica no local e para preservar os equipamentos de som e luz, pertencentes ao poder público. Todavia, não basta apenas fornecer aparelhagem técnica e mão-de-obra, se não há uma sinergia entre trabalho técnico e artístico. O que saliento, neste caso, foi o fato do iluminador deslocar um refletor de luz durante a apresentação, em frente ao público, pois ele havia o posicionado erroneamente para aquela cena. Claro que este fato não atrapalhou em nada ao desempenho dos atores que seguraram a cena da mesma forma, sem perderem o ritmo, nem a concentração. Mas, este tipo de atitude de desleixo, no meu ponto de vista, é um desrespeito ao trabalho artístico, posto que a estrutura técnica deve estar pronta, montada e afinada muito antes do público chegar no local. Neste sentido, não se justifica que o técnico em iluminação tenha se deslocado à frente da platea para afinar um foco de luz. Este tipo de ato passa uma impressão de que a estrutura é mais um esboço do que, realmente, o arcabouço necessário a uma apresentação artística.

Aproveitando que falo de iluminação, em Esperando o Metrô, o grupo optou por utilizar uma iluminação geral, limpa, sem variações cromáticas, o que esteve muito adequado à proposta. Apenas em um momento foi utilizado o recurso de Black out, muito oportuno por sinal, pois esta situação de escurecimento foi muito explorada durante o século XX, como recurso cênico, principalmente, para mudanças de cenas. Particularmente, tenho minhas restrições quanto ao uso de Black outs desnecessários, pois muitas vezes são utilizados para esconder precariedades de encenação. Contudo, no caso do espetáculo da Cia Pelotense de Repertório, este recurso foi utilizado com cautela e no momento oportuno. A iluminação costuma ser um atributo pouco percebido pelos encenadores e pelo público. Talvez este aspecto esteja na falta do esclarecimento entre a figura de um cenotécnico e de um iluminador. Enquanto o primeiro destina-se apenas à montagem e manutenção do aparato técnico envolvido neste recurso cênico, o segundo é responsável pela criação artística de uma dramaturgia de luz, consonante com a montagem em questão. No entanto, observa-se uma escassez de iluminadores capazes de comporem uma dramaturgia de luz na cidade de Pelotas. Este fato faz com que atores e diretores realizem esta tarefa, entregando a responsabilidade final pela operação desta atividade nas mãos de técnicos, nem sempre preparados para compreender a organicidade de todos os elementos que compõem o evento teatral. Outra situação decorrente deste fato acontece quando não há compreensão por parte dos grupos de teatro sobre a importância da iluminação cênica e da diferença entre “clarear uma cena”, “escurecer o ambiente” e “fazer um show no estilo árvore de Natal”. Mas, não me aterei tanto a este tema neste texto, deixo para as minhas futuras críticas e para que os artistas locais prestem mais atenção neste aspecto.

Com relação aos atores, foi possível observar a opção por uma montagem realista, muito oportuna para a adaptação do texto. Neste esquete, foi contada história de uma mulher neurótica que fica presa numa estação de metrô com um homem rude. Após um estranhamento, a ansiedade da personagem feminina beirava a taquilalia em alguns momentos, despertando uma vontade no público em fazê-la calar-se e resolver a situação calmamente. Neste sentido, a atriz Joice Lima deu o tom necessário à personagem, gerando esta inquietação no público presente, ansiando para que a situação fosse resolvida no menor tempo possível. Em contrapartida, Alexandro Ayres forneceu a oposição necessária à atuação de sua colega, agindo de maneira mais sutil e calma. Assim, através deste contraponto, a situação acabou adquirindo um tom cômico, com nuances que deram ritmo à apresentação. Se o grupo tivesse optado por um ritmo frenético de personagens falando e movimentando-se velozmente, no intuito de ressaltarem atuações virtuosísticas, possivelmente, o resultado final seria negativo, ou, no máximo, melodramático, se assim o fosse a proposta. Acredito que o personagem interpretado por Alexandro poderia ter sido melhor explorado no texto e na encenação, pois havia nitidamente uma tensão sexual no subtexto entre os personagens. Entretanto, esta faceta não foi desenvolvida como poderia na contracenação. Isto em nada afetou a qualidade do esquete, nem das atuações, mas percebe-se que houve uma opção por demasiado cautelosa por parte da direção em explorar esta relação entre as personagens.

Outro aspecto que também gostaria de ressaltar, foi a arriscada linha tênue de atuação adotada por Joice para construir a sua personagem, alternando momentos de ansiedade arfática, com rigor elocutório textual. Este tipo de atuação costumava ser muito comum, durante as décadas de 80 e 90 nesta cidade, caracterizando um tipo de proposta de encenação muito comum naqueles tempos. Entretanto, raramente, este tipo de atuação atingia o ponto correto, restando ao público, apenas um espetáculo de arfadas repletas de canastrices, utilizadas como recurso estilístico, no intuito de mascarar a incapacidade de alguns encenadores em dirigir seus atores e de alguns participantes dos espetáculos em transparecerem a sua incapacidade artística. Porém, Joice Lima conseguiu transitar por esta fronteira, sem prejudicar o resultado do seu trabalho, inclusive atribuindo-lhe uma qualidade peculiar. Por outro lado, Alexandro Ayres também soube conduzir o seu personagem num outro extremo de atuação, percebendo os momentos exatos de aproximação entre as personagens, dando o tempo certo para a comicidade da cena, sem os exageros humorísticos presentes em outras linguagens artísticas.

Portanto, termino este texto dizendo que Esperando o Metrô foi uma agradável opção de lazer de fim de tarde para todos os presentes. Porém, não posso deixar de comentar o fato da senhora, sentada na primeira fileira da plateia, que, no momento do clímax do espetáculo, nos brindou com os toques do seu celular, atrapalhando público e atores. Até quando os pelotenses continuarão a pensar que atender telefones em teatros e cinemas é chique?

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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