sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Teatro? Onde? Alguém Ficou Sabendo?


O último mês do ano de 2010 teve uma intensa programação artística na cidade de Pelotas, com diversas apresentações de música, dança e teatro. Ops, teatro? Onde? A mídia divulgou?

No dia 04 de dezembro, esteve em Pelotas o espetáculo Auto da Paixão e da Alegria, com Grupo Timbre de Galo, de Passo Fundo/RS. Infelizmente, o grupo passou despercebido pela mídia local que perdeu a oportunidade de deslocar algum dos seus jornalistas para conhecer as histórias deste grupo que se originou do antigo Viramundos, patrocinado pela Universidade de Passo Fundo. Quando a universidade cortou os investimentos e o fomento em teatro, os artistas tiveram que dar outros rumos as suas carreiras. Para aqueles que os desconhecem, este grupo manteve um intenso trabalho dialogando com as linguagens de circo, teatro de rua, manipulação de bonecos e etc... viajando por todo o estado do Rio Grande do Sul, com um trabalho muito respeitado. Mas, além do respeito e reconhecimento pela crítica, o grupo mantinha um trabalho que era sucesso de público por onde passava.

No entanto, o público pelotense foi pego de surpresa quando viu a estrutura do grupo montada na Praça Cel. Pedro Osório, sem nem saber do que se tratava, nem quem eram aqueles artistas. Esta falha se deve à falta de comunicação dos contratantes, responsáveis pela produção local dos espetáculos e da imprensa local que está mais comprometida ao comportamento provinciano de só divulgar o que vem da TV ou das mídias prontas e massificadas do centro do país.

Além deste espetáculo, no dia 19 de dezembro, o Grupo Stravaganza, de Porto Alegre/RS veio a Pelotas apresentar o espetáculo Sacra Folia, na Praça Cel. Pedro Osório. Alguém ficou sabendo? Mais um trabalho de boa qualidade que passou despercebido pela população pelotense. O Grupo Stravaganza tem um dos trabalhos mais respeitados no Rio Grande do Sul, com diversos prêmios em seu currículo e com uma produção constante. Sucesso de crítica e de público por onde tem passado, infelizmente, os pelotenses ficaram sem saber que estes artistas viriam a sua cidade.

Assisti aos dois espetáculos, em outras oportunidades, fora de Pelotas. São duas montagens que dialogam muito com a linguagem do teatro de rua e com o circo. Os atores de ambas as montagens conseguem imprimir um ritmo rápido e de acordo com a proposta, segurando-o até o final do espetáculo. Em ambos os casos há uma forte identificação popular, se divertindo e se emocionando com as histórias apresentados. Em todo o lugar, quando o público tem a possibilidade de desfrutar de um espetáculo, sempre sai satisfeito.

Neste sentido, critico a falta de divulgação local. Não consigo compreender os objetivos dos projetos culturais dos contratantes que trazem estes espetáculos a Pelotas, já que, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, as entidades que se destinam a propiciar certas atividades aos seus associados e à população em geral, divulgam e muito todas as suas atividades para atingir cada vez mais a um número maior de indivíduos. Porém, me parece que em Pelotas, os conceitos estão invertidos. Penso que reina a política do não-divulgar, pois já está tudo pago mesmo. Mas, além disso, percebo o total desinteresse da mídia local em divulgar propostas artísticas que não contenham celebridades de capas de revistas em seus elencos. Talvez, porque as pessoas que compõem a mídia local utilizem apenas estas revistas como sua fonte de informação e “cultura”. Quem perde com isso? Toda a população pelotense que deixa de ter acesso às informações e a estas obras artísticas. Como contornar este problema? Com políticas culturais eficientes e com equipe competente gerindo a cultura local, com os trabalhadores da cultura menos alienados e reivindicando os seus direitos.

Espero que este quadro se modifique em 2011.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
vagnervarg@yahoo.com.br, www.ccetp.blogspot.com

A Estética do Frio Refletida no Sobrado

Em 2010, Pelotas pôde receber, no dia 20 de novembro, o espetáculo “O Sobrado”, do Grupo Cerco, de Porto Alegre/RS, dirigido por Inês Marocco, apresentado no espaço do Grupo Tholl, na região do Porto de Pelotas. A peça foi muito bem adaptada a partir da obra “O Continente”, do escritor gaúcho Érico Veríssimo.

A história se passa durante a Revolução Federalista, ocorrida no Rio Grande do Sul, em meados de 1895. Durante o desenrolar dos fatos, são retratados os conflitos que surgem entre estes indivíduos numa situação de limite. Para quem conhece a obra de Érico Veríssimo, percebeu que a adaptação da linguagem literária para a teatral se deu de forma fiel e precisa. No entanto, acredito que aqueles que desconheçam a obra literária, sentiram-se instigados a procurá-la, tamanha foi a competência do grupo em criar o ambiente em que aqueles indivíduos estavam inseridos e a condição dramática da sua situação sócio-política.

Um dos grandes acertos do grupo foi a concepção de figurinos que retratou com fidelidade a realidade gaúcha daquela época, estando muito de acordo com a proposta de concepção geral do espetáculo. Refiro isso, pois muitas vezes algumas pessoas pensam que figurinos devam ser sinônimos de fantasias, alegorias de carnaval, ou capas de revistas. Muito pelo contrário, figurinos devem ser funcionais e adequados à proposta do espetáculo. Sua beleza está na adequação à concepção estética da obra. Neste caso, o Grupo Cerco acertou com simplicidade e coerência.

Com certeza, o ponto alto da montagem é a direção competente de Inês Marocco. Percebo que esta diretora tem uma mão muito precisa para trabalhar os desenhos cênicos, administrando muito bem os coros. Além disso, os atores estavam coesos e bem nivelados, mostrando que a diretora soube equalizar as atuações para não gerar discrepâncias. As cenas estavam muito bem construídas, com um encadeamento muito bem adaptado, sem perder a linha de raciocínio da obra de origem. Nesta perspectiva, o ritmo do espetáculo me chamou muito atenção, pois não se trata de um espetáculo com o ritmo frenético que outras linguagens contemporâneas costumam bombardear os espectadores.

No caso do Sobrado, o espetáculo tinha um ritmo próprio e, justamente este ritmo, ajudava a construir o ambiente trágico e pesado do contexto histórico em que aqueles indivíduos viviam. A partir deste ritmo, pudemos visualizar um belo exemplo do que seria a estética do frio, tão bem retratada por Vitor Ramil em sua obra. Esta opção de concepção cênica foi arriscada, pois poderia levar o espetáculo a um ritmo arrastado, moroso e chato. Mas, não foi o que presenciamos, pois a diretora acertou em cheio, ao optar por este ritmo mais lento para contar os fatos.

No que se refere aos atores, percebia-se que havia um grande entrosamento e química entre o elenco. Isto é sempre um ponto positivo em qualquer montagem para que o grupo consiga ter total domínio do espetáculo, podendo estar em plena sintonia para contornar rapidamente quaisquer problemas que possam vir a acontecer. Entretanto, penso que faltou um pouco de peso às atuações, uma vez que os personagens estavam numa situação extrema, com uma degradação limite, chegando ao ponto do desespero. O fácil seria transformar isso numa atuação canastrona televisa, ou controlar tanto que a estética do frio poderia passar pela inexpressividade. Porém, tanto a diretora, quanto o elenco, não optaram pelo óbvio, nem pelo fácil. Mas, mesmo assim, os atores não conseguiram atingir a profundidade e o peso que pessoas naquela situação carregam. Seria este fato pela pouca idade do elenco? Talvez, não sei dizer. Acredito que uma obra como esta, talvez necessitasse de um estudo prolongado, um trabalho de construção de personagens mais aprofundado e intenso...

A trilha sonora executada ao vivo trouxe um salto na qualidade do espetáculo. Muito bem executada, com os atores se revezando nos instrumentos. As músicas estavam muito adequadas à proposta e às situações que transcorriam em cena, agregando um toque de intimidade que jogava o espectador pra dentro da cena. Além disso, a iluminação foi muito competente, sabendo adaptar-se às características e recursos disponíveis no local. Refiro isso não apenas nas dimerizações das emissões de luz, mas também, relacionado à palheta cromática utilizada. As cores estavam muito de acordo com a ambientação e os climas propostos, compondo a cena consonantemente com os outros elementos.

Porém, nem tudo foram flores naquela noite. Apesar de haver uma fila imensa, dobrando a quadra com muitas pessoas querendo assistir ao espetáculo, quase lotando o espaço, antes do espetáculo começar, tivemos o desprazer de assistir a uma palhaçada – no pior sentido da expressão. Antecedendo o início da apresentação, uma pessoa que trabalha na prefeitura de Pelotas, sobe ao palco para entregar plaquinhas e troféus para os seus amigos e, inclusive, para si. Como se não bastasse essa baboseira, a pessoa ainda foi às lágrimas ao entregar placas em homenagem aos seus funcionários por terem trabalhado no evento que estavam organizando naquela semana. Ora vejam, as pessoas são pagas com dinheiro público para trabalharem e ainda gastam esse dinheiro para SE homenagearem pelo trabalho que deveriam ter obrigação de cumprir. No entanto, esta não foi a primeira vez, já que eu mesmo já presenciei, em outras duas oportunidades, esta mesma pessoa vir às lágrimas, em público, antes de um espetáculo, para oferecer homenagens a SI e a sua equipe.

Há uma grande inversão de valores nesta situação e, ao mesmo tempo, isto reflete a cara da política cultural para teatro neste município, uma vez que coloca em cargos pagos com dinheiro público pessoas despreparadas, sem formação e vivência artística para administrarem e fomentarem a cultura local. Mas, além disso, o que mais me chocou foi a falta de respeito com os artistas que estavam por se apresentar, pois caso estas pessoas não saibam, a equipe de um espetáculo teatral chega com muita antecedência no local, se prepara, necessita de concentração, aquecimento, aferição dos últimos detalhes. Tudo isso, para que possa estar em cena, na hora marcada. Quando uma pessoa resolve invadir o ambiente cênico para se aparecer, além de profanar o trabalho daqueles profissionais, atrapalha todo o preparo que o elenco teve para entrar em cena na hora certa. Obviamente, que o público presente não se mostrou muito contente com esta intervenção desagradável e não deu muita margem para que a entrega de prêmios se prolongasse, pois os espectadores ali presentes, havia se deslocado de suas residências para assistirem a uma peça de teatro, não para verem aquela situação absurda.

Apesar deste episódio embaraçoso para o município de Pelotas, o Grupo Cerco não se deixou abalar e apresentou o seu espetáculo com toda a garra e respeito que detém para com a arte. Quem pôde estar presente, saiu do teatro com o deleite de ter assistido a um espetáculo de excelente qualidade.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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Sem Tropeço nos Dedinhos


Apesar da noite fria e chuvosa do dia 09 de outubro de 2010, algumas pessoas foram até o espaço do Grupo Tholl para assistirem ao espetáculo “Tropeço”, da Cia Tato Criação Cênica, de Curitiba/PR. Sutileza, sensibilidade e talento transbordaram através das mãos dos dois atores/manipuladores Dico Ferreira e Katiane Negrão.

Este foi um espetáculo com todos os exemplos de que para se fazer algo belo, não precisamos de grandes ornamentos cênicos. Os atores, apenas com a utilização das suas mãos e poucos elementos de cena conseguiam criar uma atmosfera de lirismo que prendeu e emocionou ao público do início até o final da peça. Não podemos dizer que se tratava de um teatro de manipulação apenas para adultos, pois as crianças presentes também ficaram encantadas com o que viram. Neste sentido, saliento o talento deste grupo, já que prender atenção de adultos em um espetáculo de manipulação que utiliza apenas as mãos, não é nada fácil.

Além disso, os diálogos entre as personagens se davam em uma língua incompreensível, uma espécie de “blablação”, mas as situações, imagens e a relação entre as personagens eram tão intensas que eu duvido que alguém perdeu a compreensão em algum segundo durante o espetáculo. A história trata de situações vividas entre casais, no caso, o casal em questão eram duas senhoras, já idosas, que iam expondo situações do seu dia a dia de maneira que muitos espectadores iam se identificando com os acontecimentos a cada cena. A maestria com que os atores desempenhavam sua função, possibilitava que os seus dedos adquirissem expressões faciais, demonstrassem múltiplos sentimentos e se transformassem em personagem extremamente carismáticas. O trabalho destes atores foi uma aula para aqueles que se dedicam às artes cênicas.

A iluminação do espetáculo era extremamente funcional e adequada à proposta, sabendo utilizar muito bem os recursos que haviam no local e propiciando a criação do clima que o espetáculo exigia. Também não posso deixar de comentar sobre a funcionalidade dos objetos de cena, todos adaptados ao tamanho das personagens e aos acontecimentos da história. Nada estava ali como elemento decorativo, ou fora de proposta apenas para preencher um espaço, tudo compunha aquele ambiente e passava a verossimilhança que o público precisa para gerar identificação. Além destes aspectos, não posso deixar de citar a trilha sonora que era muito bem executada vocalmente pelos atores, ou em alguns momentos com incursões externas muito adequadas.

Porém, me entristeceu o fato de chegar no local e ver que haviam muitos assentos disponíveis, muitas cadeiras vazias e muito espaço que poderia ter sido preenchido por espectadores que, possivelmente, nunca tiveram contato com um espetáculo desta linguagem anteriormente. O espaço do Grupo Tholl é amplo, extremamente adaptável a qualquer tipo de proposta cênica, muito bem equipado e com amplo espaço para receber um grande número de espectadores. Entretanto, não entendo a lógica dos contratantes de espetáculos teatrais que se destinam a vir a Pelotas, pois percebo que, mesmo os espetáculos sendo gratuitos, não encontramos plateias lotadas. Seria por falta de público na cidade de Pelotas?

Duvido. Numa cidade com quase 400 mil habitantes, alguém acha que não existe público para encher a plateia de um teatro? Quem achar que não, eu convido a ir pelas ruas a esmo e sair convidando as pessoas para assistirem a um espetáculo de teatro, duvido que não conseguíssemos lotar uma plateia rapidamente. Além disso, este espetáculo era gratuito, mais um motivo para não compreendermos porque haviam menos de 30 pessoas na plateia. Este fato é ainda mais absurdo quando pensamos que, nesta cidade, existem dois cursos universitários da área de artes cênicas, com quase 200 alunos e um corpo docente especialista na área. Persisto em bater nesta tecla de que, estudantes de artes não aprendem apenas lendo nos livros, precisam ir in loco, assistir, presenciar, compartilhar sobre as mais diversas expressões artísticas também fazem parte do seu aprendizado e de seus professores também, uma vez que precisam deste contato com a produção artística para que não tornem os seus conceitos desatualizados da praxis artística de nosso país.

Mesmo assim, não podemos pensar que apenas os estudantes de artes devam prestigiar aos espetáculos que visitam nossa cidade. O artista não pode ter o pensamento equivocado de que sua arte deva ser produzida apenas para alguns poucos iniciados, ou para apenas ficar no plano das ideias. No caso, sobre o teatro, é mais do que óbvio que o evento teatral só acontece quando temos o artista e o espectador. Mas, não acredito que alguém leve tanto tempo montando um espetáculo para apresentar para poucas pessoas. O que os atores mais querem é que seu trabalho seja visto pelo maior número de pessoas possível, senão não faria sentido fazê-lo.

No que se refere às plateias vazias na cidade de Pelotas, acredito que muitos aspectos estejam relacionados à incompetência das políticas culturais locais, da alienação dos trabalhadores da cultura em mobilizar a sociedade para estes equívocos na gestão cultural, da falta de reivindicação dos seus direitos e suporte para o seu mercado de trabalho. Além deste aspecto, está o fato dos contratantes de espetáculos locais trazerem espetáculos tão belos, como o da Cia Tato Criação Cênica, de Curitiba/PR e não divulgarem este espetáculo nos meios de comunicação locais da mesma forma que fazem quando trazem peças de teatro com elenco televisivo.

Outro aspecto importante e muito determinante é a falta de interesse e compromisso da mídia local com a divulgação de espetáculos que não tenham atores das telenovelas. Talvez isto seja reflexo da própria alienação dos trabalhadores dos meios de comunicação local que utilizam a televisão como sua única fonte de obtenção de algum tipo de referencial estético. Entretanto, cabe aos artistas locais pressionarem à mídia para que ela disponibilize espaço para quem não tem seu trabalho entre as celebridades oriundas de outras linguagens.

Apesar da plateia estar vazia, os que se fizeram presentes puderam desfrutar de um grande momento e de um espetáculo muito delicado. Espero que, em 2011, venham outros espetáculos com a mesma qualidade artística deste grupo. Mas que, nas próximas vezes a população pelotense possa ao menos saber que estes espetáculos estão vindo à cidade para decidirem se querem desligar o aparelho de TV e desfrutar de um programa cultural, possivelmente, pela primeira vez.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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Os Verdes que Apodreceram Antes de Amadurecer


No dia 18 de agosto de 2010, veio a Pelotas o espetáculo “Os Meninos Verdes de Cora Coralina”, montagem do Grupo Voar de Teatro de Bonecos de Brasíla/DF. Confesso que, quando fiquei sabendo da proposta deste grupo em adaptar os poemas da artista de Goiás para o teatro de bonecos, pensei que teríamos um espetáculo de puro lirismo.

Infelizmente, não foi o que aconteceu. Fazer a adaptação da linguagem poética para a teatral por si só já exige uma grande habilidade. Além disso, qualquer montagem voltada ao público infantil deve ser feita com rigor e cuidado para não banalizar este público. Refiro isso, pois os primeiros equívocos que vimos se relacionaram à transposição dos textos poéticos adaptados para o mundo dos bonecos. Cora Coralina deve ter revirado o seu pó, onde quer que esteja, pois a beleza e sutileza dos seus textos não chegaram nem perto dos bonecos.

No que se refere à proposta do grupo, eles pecam ao não tomarem o devido cuidado com o acabamento dos bonecos, uma vez que, além de se destinarem ao público infantil, não conseguiam ter a expressão que um boneco deve passar. Em alguns momentos, os integrantes do grupo atuavam, como personagens, contracenando com os bonecos. Isto não é um problema, nem causa estranhamento nos espectadores, o que nos surpreendeu foi que o grupo não conseguiu encontrar um intermédio entre as duas linguagens para equilibrá-las em cena e as atuações, tanto dos bonecos, quanto dos atores perdiam a sua força.

Acredito que muitas das minhas críticas a este espetáculo também se devam ao fato de que ele foi apresentado no Teatro Guarany, uma casa de espetáculos muito grande, com um palco enorme para o tamanho dos bonecos. Possivelmente este espetáculo tenha sido criado para ser apresentado em espaços menores. Eu, por exemplo, assisti no fundo da plateia, atrás das crianças e perdi muitas coisas do espetáculo, pois não conseguia enxergar os detalhes dos bonecos. Para um palco como o do Teatro Guarany, os bonecos deveriam ter o triplo do tamanho para que toda a plateia pudesse vê-los em detalhes. Entretanto, esta deveria ser a proposta inicial de um grupo que se propusesse a montar um espetáculo de bonecos para grandes espaços. Porém, acredito que este problema se deva mais a uma falta de percepção do contratante local, com a produção do grupo.

Neste sentido, ainda gostaria de ressaltar que houve pouca divulgação do espetáculo na cidade, a plateia estava quase toda vazia. Isto é inadmissível numa cidade com o número de escolas que possui e a quantidade de estudantes de artes na universidade. Alguns poderiam tentar justificar que, em Pelotas, não existe público. Eu discordo, o que não existe é boa vontade dos contratantes em divulgarem e da mídia local em publicar matérias com espetáculos que não tenham atores de novelas. O Teatro Guarany tem uma capacidade enorme, muitas crianças de diversas escolas poderiam ter sido levadas para assistirem este espetáculo, independentemente das questões técnicas que avaliei anteriormente. Como pensar em políticas públicas para a cultura, numa cidade em que não se incentiva à formação de público para as artes em geral?

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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sábado, 27 de novembro de 2010

Realismo e simbolismo na discussão do preço de um ideal


Para encerrar o 4º Encontro de Teatro de Pelotas, a Secretaria Municipal de Cultura (Secult) trouxe a Pelotas o espetáculo “O Sobrado”, apresentado pelo Grupo Cerco, de Porto Alegre, na noite de 20 de novembro de 2010, no Espaço Tholl. Com texto adaptado a partir de “O Continente”, primeira parte da obra “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, a belíssima e efetiva montagem, dirigida por Inês Alacaraz Marocco, mescla interpretação realista com elementos cênicos simbolistas para marcar, com força e poesia, a tensão gerada em torno da discussão sobre o preço de um ideal.

O pano de fundo é a Revolução Federalista de 1895. Os maragatos, revolucionários defensores da autonomia do Rio Grande do Sul frente ao que consideravam “a tirania do presidente Júlio de Castilhos”, entram em combate com os pica-paus, os republicanos apoiadores do governo. Em meio à guerra civil, o sobrado em que reside a família do chefe político Licurgo Cambará (interpretado por Rodrigo Fiatt), republicano, fica cercado pelos revolucionários. O perigo iminente da morte e a escassez de munição e, sobretudo, de água e comida tornam a atmosfera do casarão pesada e sombria: cenário propenso para intensos conflitos.

À medida que os dias passam e a fome aumenta, se acentuam também os sentimentos. Expectativa e ansiedade - as tropas republicanas virão ou não ao resgate do sobrado? – dão espaço ao desespero, após duas mortes que poderiam ter sido evitadas se Licurgo Cambará - uma delas, a de sua própria filha, que nasce morta pela falta de assistência médica - não teimasse em resistir à invasão dos maragatos e tivesse pedido trégua. O conflito se intensifica quando Maria Valéria Terra (interpretada por Isandria Fermiano) questiona a postura orgulhosa do chefe de família e líder político, Licurgo Cambará, seu cunhado - e por quem ela nutre uma paixão reprimida. Quanto vale um ideal? Valerá mais que uma vida, que duas, três...?

“O sobrado” teve muitos acertos: figurino de acordo com a época, de Rô Cortinhas, cenário minimalista de Élcio Rossini, com apenas os elementos essenciais para fazer entender a história – uma cama com rodinhas tem o seu valor! -, trilha sonora ao vivo - violão, acordeão, xilofone, coro de vozes e percussão ganhavam vida com atores/instrumentistas que se revezavam entre palco e som -, e excelente interpretação dos (muitos deles bem jovens) atores. Também integram o elenco de O Sobrado: Celso Zanini, Elisa Heidrich, Filipe Rossato, Kalisy Cabeda, Luís Franke, Manoela Wunderlich, Marina Kerber, Mirah Laline e Philipe Philippsen.

Apesar de tudo isso, o ponto alto foi mesmo a direção. Inês Marocco soube dar à montagem um colorido especial com as cenas de memória e devaneios da velha Bibiana: efeitos belíssimos eram produzidos com o movimento dos corpos das trizes e suas saias godês, simbolizando ora o vento, ora a passagem do tempo, ou os cabelos esvoaçantes, que lembravam crinas de cavalos ao vento; o tramado de elásticos para mostrar a situação emaranhada e tensa na qual se encontrava o líder Licurgo; ou imensos lençóis brancos que se transformavam em macas ou eram utilizados para marcar momentos de tensão: na cena de maior confronto entre Licurgo e a cunhada Maria Valéria, os atores giravam em alta velocidade, no meio do palco, sendo sujeitados apenas pelo lençol, preso à cintura, segurado por atores/neutros; teatro de sombras para contar, com muito humor, a lenda de Pedro Malazarte, entre tantas outras sacadas criativas da diretora. Fenomenal.

A luz, por outro lado, deixou a desejar. Possivelmente por limitação técnica - especulo eu -, o caso é que a iluminação de Cláudia de Bem deixou vários atores mal. A velha Bibiana, balançando-se em sua cadeira enquanto agoniza a espera e a saudade, por exemplo, muito bem personificada pela atriz pelotense Rita Maurício, ficou muitas vezes no escuro. Uma pena. Outro detalhe que poderia ser repensado é a primeira entrada de Florêncio Terra, pai de Maria Valéria e Alice. A movimentação e voz criadas para personificar o idoso contrastam com o aspecto físico do jovem ator, Anildo Michelotto, sem maquilagem para envelhecê-lo.

Mas estes foram apenas alguns detalhes que em nada diminuíram a grandeza do espetáculo. Não é por acaso que a peça recebeu, em 2009, o Prêmio Açorianos de Teatro por melhor direção, melhor ator coadjuvante (Martina Fröhlich, por Alice Cambará) e melhor dramaturgia (Celso Zanini, Elisa Heidrich, Isandria Fermiano, Marina Kerber, Mirah Laline e Rodrigo Fiatt) e ainda o 4º Prêmio Braskem em Cena, de Melhor Espetáculo pelo Júri Oficial e Popular. Um belíssimo trabalho. Mais uma mostra de que, com comprometimento e empenho, se produz teatro de excelente qualidade e é possível contar história com lirismo e prazer para o espectador. O Grupo Cerco está de parabéns.

Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Acadêmica de Teatro (Licenciatura) – UFPel
Integrante do CCETP

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sensibilidade sem tropeços


Àqueles que foram ao espaço do Grupo Tholl no sábado 9 de outubro, a noite foi daquelas para ficar na memória. Mais um presente do SESC, com seu Palco Giratório, que tem levado a todo o Estado diversos espetáculos de qualidade. Um grupo de pouco mais de vinte pessoas – apenas... uma lástima! Receio que houve pouca divulgação –, a maioria relacionada às artes cênicas, teve o privilégio de assistir uma montagem de linguagem diferenciada - ao menos para mim, foi a primeira vez -, um trabalho surpreendente, encantador, verdadeiramente especial. O espetáculo apresentado pela companhia Tato Criação Cênica, de Curitiba/PR, mostrava momentos cotidianos das duas senhoras da “melhor idade”: seus laços de amizade, desavenças, o prazer na irritação mútua - própria daqueles que adquiriram certo grau de intimidade -, a reconciliação e também a aprofunda afeição que sentiam uma pela outra. Situações corriqueiras, conhecidas de todos nós. O que havia, então, de tão extraordinário? A começar pela proposta de encenação: as vovós ganhavam vida apenas com as mãos e antebraços dos atores!

Os punhos fechados, cobertos por figurinos delicados, minuciosamente confeccionados – camisolas, toquinhas, xales de tricô – se transformavam no corpo das idosas, enquanto a outra mão desempenhava sua verdadeira função (de “mão”) e, por incrível que possa parecer, já que o tamanho do membro real, em comparação ao resto do corpo fictício era completamente desproporcional, não chamava o foco da ação para si e, portanto, não rompia a magia da encenação. Magia. Esta é, com certeza, a palavra mais apropriada para tratar de um espetáculo que envolve e leva o espectador para outro mundo, o mundo fantasioso das vovós, encenado em pouco mais de um metro de espaço – praticamente toda a peça era feita sobre uma pequena mesa, que servia de cenário: a casa das velhinhas.

Os atores não pronunciavam nenhuma palavra audível, apenas onomatopeias e algum eventual “tim-tim” para um brinde. Os atores Katiane Negrão e Dico Ferreira estavam em perfeita sintonia. Vestindo roupas pretas e um chapéu que cobria parcialmente seus rostos, “desapareciam de cena”, deixando o “espaço livre” para as idosas protagonistas. Seus movimentos ágeis – eu tentei fazer, em casa, e é dificílimo! - e precisos, não faltava nem sobrava nada, nos faziam mergulhar na história que era contada e não deixar de acreditar, por um só momento, que tínhamos duas senhoras diante de nós. Mesmo se tratando de situações corriqueiras, tantas vezes vistas em filmes, novelas ou na vida real, a maneira diferenciada, tão bem executada e a perfeita mescla de momentos cômicos e dramáticos, davam ao espetáculo um caráter de novidade, envolviam e emocionavam a plateia.

O clima mágico é instaurado já no início, quando uma das avós entra em cena, ao som da belíssima voz de Katiane Negrão, e vai acendendo, aos poucos as velas que serão a iluminação de todo o espetáculo. Um ritual que nos insere no mundo mágico das vovós – e, logo, ganha duplo significado, ao ser revelado, no final da peça, que uma das avós havia morrido e o que presenciamos, tão vivamente, foram as memórias da outra avó, que sofre a ausência e vela a companheira. A semiologia era, de fato, uma característica forte no trabalho: tanto a luz de velas quanto os acessórios utilizados em cena (flores, baú, porta-retrato), adquiriam duplo significado, no final da peça, que culminava com o velório de uma das vovós: o baú “virava” o caixão, as flores do início eram as flores colocadas sobre o caixão, etc.

Na conversa, após a peça, os atores contaram que o espetáculo começou há seis anos, como um esquete de dez minutos, para passar chapéu em bares, “já que só precisávamos de uma mochila para levar tudo o que era necessário”, contou Katiane. Não havia figurino, apenas paninhos enrolavam as mãos. “Um dia roubaram a mochila e fomos obrigados a refazer tudo. Então fizemos melhor, mais detalhado”. Não dizem que “há males que vem para o bem”? O trabalho foi crescendo e sendo lapidado, aos poucos, durante as apresentações, até chegar a como está hoje, irretocável, na minha opinião.

Um trabalho excepcional, que conquista pela simplicidade, beleza e sensibilidade. Para nós, atores e/ou estudantes de Teatro, fica a grande lição: é possível fazer teatro de qualidade sem termos, necessariamente, que depender de nossos corpos inteiros, de nossas feições faciais e da verbalização de palavras.

Os pouco mais de vinte agraciados, daquela noite, saíram do espaço do Tholl chorosos, mas, acredito eu, mais leves e felizes. Foi uma bela noite.

Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Acadêmica de Teatro (Licenciatura) – UFPel
Integrante do CCETP

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dias nem tão felizes para Bob


Na segunda semana de setembro, um grupo com cerca de 30 acadêmicos – eu entre eles - dos cursos de Teatro e Dança Licenciatura da UFPel fretou um ônibus, sob coordenação da professora Marina Oliveira. Destino: Porto Alegre em Cena, na capital gaúcha. A viagem rendeu. Em dois dias, vimos três espetáculos. Na noite de sábado, dia 11, tivemos a rara oportunidade de assistir uma peça de um autor consagrado mundialmente, dirigida por um dos maiores ícones da direção teatral do século XX e da atualidade. O espetáculo apresentado para um Theatro São Pedro lotado foi um pot pourri de nacionalidades: texto Happy Days do irlandês Samuel Beckett, dirigido pelo norte-americano Bob Wilson, com uma produção italiana, interpretado em francês pelos italianos Adriana Asti e Yann de Graval, com legendas em português. Experiência única. Podia-se dizer que tinha tudo para ser um espetáculo memorável e, no entanto, foi aborrecido. Chato mesmo.

Primeiro ato: Uma mulher, Winnie, está “enterrada” até a cintura e fala sem parar, com bom-humor e um otimismo incansável, apoiando-se, como em uma muleta, em objetos do cotidiano que traz em uma sacola. A linguagem figurativa abre espaço para infinitas possibilidades de interpretação – e de encenação! Winnie é acompanhada pelo marido Willie, que pouco se manifesta – nesta montagem, ele praticamente não aparece.

Segundo ato: a imobilidade (impotência?) da protagonista, a mesma mulher, é exacerbada: Winnie está enterrada até o pescoço e se esforça para manter o entusiasmo pela vida. O enredo, em si, é intrigante. Poderia ter inquietado a plateia de maneira positiva. Mas não funcionou.

Foi a primeira vez que assisti uma peça com legendas – colocadas acima do palco - e, embora a minha posição, em um camarote central, facilitasse a leitura dos subtítulos, em alguns momentos a iluminação tênue a impossibilitava – vários colegas, sentados nas primeiras filas da plateia, queixaram-se de torcicolo e teve quem só tenha descoberto que havia legendas durante o intervalo.

O cenário proposto por Wilson é um imenso vulcão negro, belo, impactante - ainda que o impacto que causa no primeiro momento se esvaneça após um quarto de hora. O vulcão negro contrasta com a pele alva da atriz protagonista. No alto do vulcão, a Winnie de Adriana Asti ganha força. É de dar inveja a memória desta mulher de 77 anos, que foi casada com o diretor de cinema Bernardo Bertolucci. A personagem fala, praticamente sem parar, durante os 90 minutos da peça. É quase um monólogo. Mas, apesar da energia e excelente performance da triz, apesar da luz, vibrante em diversos momentos, e dos efeitos sonoros, estrondosos, Wilson não consegue impedir o avanço do sono a quem está do outro lado da ribalta.

“Mas era Beckett!”, argumentou, na saída do São Pedro, uma de nossas professoras – várias estavam lá. Não entendi bem se ela quis dizer que por ser Beckett já se sabia de antemão que seria enfadonho, ou se não se podia considerar enfadonho por se tratar de Beckett. Sinto muito. Na minha opinião, foi entediante, sim. Não importa se era Beckett ou se era Bob Wilson. Talvez algumas pessoas tenham, genuinamente, gostado da apresentação. Eu falo por mim. Não vou fingir que gostei do espetáculo somente porque levava a assinatura de famosos. Ainda que fosse teatro do absurdo, ainda que fosse de cunho existencialista, ainda que tratasse da “imolibilidade humana”, não acho que justifique um trabalho maçante. Sinceramente, eu tive a impressão de que a maioria das pessoas achou o espetáculo chato – assim que terminou a peça, as palmas começaram tímidas, inseguras, mas logo foram tomando força, até chegarem a um aplauso efusivo, com praticamente todos de pé - o que deveria, segundo a convenção teatral no Brasil, ser uma mostra de forte apreciação da peça - inclusive com direito a vários “uhus”. Tudo falso, na minha opinião. É como se, pelo fato de se tratar de um texto de Beckett com direção de Bob Wilson, fosse embaraçoso não gostar. Uns foram no embalo de outros e todos fingiram gostar. Eu poderia estar tremendamente enganada, mas todas as com as quais conversei a respeito, mais tarde, confirmaram as minhas suspeitas. Que bobagem...

Eu parto de duas premissas. Primeiro: o mito não pode ser maior que o artista. Não acho que ninguém tenha a obrigação de gostar de um trabalho só pela assinatura que leva nem, por outro lado, artista algum deve sentir-se na obrigação de atender as expectativas de seu público. No caso de Bob Wilson, fez-se a fama de diretor irreverente, ousado, transgressor, inovador, então se espera que seus trabalhos surpreendam sempre. Um peso terrível nos ombros do diretor norte-americano que, aliás, foi bastante fiel à proposta de encenação do autor – em maio deste ano assisti uma releitura do mesmo, “Dentrofora”, pelo grupo portoalegrense Incomodete, com os atores Nelson Diniz e Liane Venturella, dirigidos por Ramiro Fensterseifer.

A apresentação, de 45 minutos, que integrou a edição deste ano do Palco Giratório do SESC, foi, de longe, mais interessante que esta, proposta por Bob Wilson- Talvez o problema esteja no próprio texto de Beckett, que originalmente sugere a personagem imóvel em tempo integral, como recurso – talvez – para nos fazer refletir sobre a mesmice de nossas vidas. Não há dúvidas de que é um enorme desafio conseguir manter o interesse do espectador quando o foco está em uma única atriz que só se movimenta da cintura para cima – e logo, somente o pescoço e a cabeça -, sobretudo em um espaço das proporções do São Pedro, em que a performance do ator/atriz fica desvalorizada para aqueles que não estão sentados perto do palco. Bob, lamentavelmente, não foi bem sucedido nesta tentativa.

Por outro lado - esta é a segunda premissa -, não acredito em um teatro tedioso. Ainda que muitos profissionais defendam que é preciso causar inquietação na plateia, não se pode confundir inquietação com tédio. É possível encontrar outros meios de levar o espectador a pensar em seus limites e limitações, impostas ou voluntárias, sem fazê-lo passar por uma tortura teatral. Acredito em um teatro vivo, dinâmico, que toca, emociona e, sim, faz pensar. Mas sem colocar o espectador pra dormir. Sem fazê-lo desejar que o espetáculo acabe de uma vez.

Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Acadêmica de Teatro (Licenciatura) - UFPel
Integrante do CCETP

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Os “Meninos verdes” mereciam mais


Na tarde de 18 de agosto, o espetáculo “Os Meninos Verdes de Cora Coralina” foi encenado pelo grupo Voar Teatro de Bonecos, de Brasília, no Theatro Guarany. A peça, que passará por um total de 13 cidades gaúchas, integra a 3ª etapa do Circuito Sesc Palco Giratório – uma excelente iniciativa do Sesc, que tem levado diversos trabalhos de qualidade a todo o Estado e dado possibilidade a muitas pessoas de terem contato com as artes cênicas, ao mesmo tempo em que estão plantando sementinhas na formação de plateia – a colheita, esperamos, deve vir em alguns anos.


A montagem dirigida por Marco Augusto, que compõe o elenco ao lado de Laércio Nicolau, Lucia Correa e Alessandra Barros, a partir do texto original da goiana Cora Coralina teve, na minha opinião, bons e maus momentos. Não sou experta em teatro de bonecos, mas, antes de mais nada, sou espectadora e estudante de teatro e pude observar alguns acertos e outros equívocos.

Em primeiro lugar, destaco a habilidade dos bonequeiros e a escolha do texto de Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, uma das maiores contistas brasileiras, que publicou seu primeiro livro aos 76 anos de idade e morreu em 1985, aos 95. Algumas das principais características de sua literatura é a tônica poética e a simplicidade – segundo ela, e estou totalmente de acordo, o melhor caminho para se atingir a mais alta riqueza de espírito. Lirismo é, justamente, o que não falta na história dos “Meninos Verdes”: ao encontrar duas plantas diferentes em seu quintal, a Vovó Cora se nega a cortá-las e logo descobre que nelas moram estranhas criaturinhas verdes. A história trata da importância de se estar aberto ao novo e respeitar as diferenças.


Mas, se o texto era simples e belo, os bonecos simpáticos e os bonequeiros habilidosos, então o que não funcionou?


A começar pelo local. Imagino que o Theatro Guarany tenha sido escolhido pela capacidade em comportar até 1,5 mil pessoas - ainda que, lastimavelmente, menos da metade das cadeiras da plateia tenham sido ocupadas nesta ocasião. Digo “lastimavelmente” porque o espetáculo era aberto ao público e gratuito (com a solicitação espontânea de um litro de leite). Havia diversas turmas de escolas do Ensino Fundamental presentes – centenas de crianças acompanhadas por jovens professoras -, mas poderia haver muitas mais, pelo menos o dobro. Deduzo que o trabalho tenha sido pouco divulgado pela mídia local e junto às escolas.


Por outro lado, como os bonecos deviam medir entre 50cm e 90 cm, quem estava sentado da metade para trás da plateia, não tinha boa visibilidade. Este fator teve ainda um agravante: os spots de luz, posicionados de forma excessivamente vertical, iluminavam mais a cabeça e rosto dos bonequeiros, deixando a face dos bonecos, que deveriam ser “as estrelas” da montagem, muitas vezes na penumbra.


Este foi, a propósito, um dos aspectos mais negativos desta peça, na minha opinião: tratava-se de teatro de bonecos – e não sou contra a interação de bonecos e atores, quando de forma bem dosada -, mas em dado momento os bonecos perderam completamente seu espaço. Dois atores que interpretavam médicos descambaram o espetáculo para a comédia pastelão, pendendo para o estilo “Trapalhões” – explorando motivos de riso fácil e gosto discutível. Nada tenho contra o pastelão, pelo contrário, desde que esta seja a proposta, clara e definida, do trabalho. Não me parece que fosse este o caso. O modo como o espetáculo foi mudando, acabou com qualquer possibilidade de magia e encantamento que o teatro de bonecos pode proporcionar...


Desde o princípio as crianças mostravam-se abertas, afoitas por participar, mas a partir da ruptura total da “quarta parede” – momento em que os atores passaram a interagir diretamente com os espectadores - as crianças ficaram alvoroçadas, inquietas, quase todas se levantaram das cadeiras e quem não estava à frente já não via mais nada e tampouco entendia o que era falado. Os atores perderam, completamente, o controle da plateia. Muitas risadas, sim, mas do quê mesmo...?


Talvez o grupo considere sucesso este tipo de reação – as crianças agitadas, gritando, pulando, etc. Para mim, foi quando a proposta se perdeu por completo. A última cena - em que a avó Cora lamenta a ausência dos meninos verdes, sofre de saudades e eles retornam pra casa, enquanto ela dorme -, que poderia ter sido emocionante, de pura poesia, ficou quase imperceptível, apagada, perto do alvoroço anterior. Uma pena.


Ainda no meio do espetáculo, ouvi uma menina de uns nove anos perguntar à outra se ela estava gostando da peça e ela própria (a que perguntou) responder: - Eu, não.
Não acredito que tenha sido apenas coincidência, nem um caso à parte. As crianças não são estúpidas, não se pode subestimar sua inteligência. Fazê-las rir não é o mesmo que conquistá-las, que tocar seus corações.


“Os Meninos Verdes de Cora Coralina” mereciam mais. As crianças mereciam mais. Estou certa de que o grupo poderia Voar mais alto. Mas valeu.


Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Acadêmica de Teatro (Licenciatura) - UFPel
Integrante do CCETP

sábado, 21 de agosto de 2010

Primeiro a Diversão


No dia 1º de maio fui, assim como outras centenas de pessoas, ao Theatro Guarany assistir o stand up commedy “Primeiro as Damas”. Não tinha muitas informações a respeito, a não ser que o personagem “Jorge da borracharia”, que integrava o espetáculo, estava bombando no youtube. Confesso que fui sem grandes expectativas. Para mim está mais que comprovado que ser famoso na TV ou na net não é garantia de qualidade. Fui sem esperar muito. Saí de lá com o estômago doendo e o rosto banhado em lágrimas... De tanto rir!

Riso fácil, sim, estereótipos, palavrões, piadas simples (algumas “bem batidas”) sem grandes mensagens ou lições de moral – quem disse que o teatro precisa necessária e invariavelmente ter? Se há uma coisa que me incomoda são os rótulos e as ideias preconcebidas – e preconceituosas – do que “é ou não teatro”. No meu ponto de vista, existem infindáveis maneiras de se fazer teatro – ainda bem! Caso contrário seria aborrecidíssimo... Enfim, cada um a sua maneira, os jovens atores Cris Pereira e Lucas Krug, com excelente noção de timming de comédia, cativaram o público e conseguiram manter sua atenção em tempo integral - tarefa nada fácil de conseguir, nem mesmo para comediantes “consagrados”, que costumam lotar nossos teatros e apresentar praticamente o mesmo repertório, com alguma variação.

Dirigido por Eduardo Holmes, que também produziu o espetáculo, “Primeiro as Damas” é um stand up um pouco diferente. Mais do que contar piadas, os atores compuseram personagens para os seis monólogos, de pouco mais de dez minutos cada, apresentados de forma intercalada – as apresentações começaram em Novo Hamburgo, terra natal dos atores, há mais de dois anos, com um esquete que foi crescendo, até formar um espetáculo de cerca de uma hora e meia de duração.


Lucas Krug ficou absolutamente irreconhecível em cada um dos três personagens interpretados: o adolescente “Nerd Frederico”, o idoso ranzinza e desbocado “Seu Cucar” e o “Gaudério Fagundes” (sátira de alguém bastante conhecido nosso). Além do figurino e maquilagem que conseguiam ocultar a beleza natural do ator, Lucas Krug compôs os personagens nos mínimos detalhes: criou voz, postura, trejeitos, cacoetes. E os manteve do início ao fim de cada performance.

Cris Pereira, por outro lado, não se empenhou em uma transformação completa, mas nem por isso foi menos eficaz. Começou dando vida ao vaidosíssimo locutor de rádio “Rodsom dos Anjos”. Com uma peruca loura ridícula e dentes postiços, envolveu e divertiu a plateia desde o primeiro monólogo. Mas foi com o interneticamente famoso “Jorge da borracharia” – cujo estabelecimento, aliás, ficava “logo ali no Dunas” – que levou os espectadores às gargalhadas. Algo que tornou a acontecer com seu terceiro personagem, “Claudiovaldo Nogueira, diretor artístico e produtor executivo de artistas de rua e flanelinhas”, ainda que praticamente se diferenciasse do outro apenas pela touca que levava na cabeça – “Jorge” usava um boné. O recurso de adaptar as histórias e mencionar lugares e pessoas locais, embora não seja uma novidade, atingiu o objetivo de romper barreiras e dar à plateia a sensação de proximidade, por identificação, o que acaba por arrancar ainda mais risadas.

Em cartaz há mais de dois anos, percebe-se que os atores estão seguros, à vontade, e que o trabalho foi lapidado, está maduro e cumpre perfeitamente com a proposta: diversão em primeiro lugar. E por que não? Quem foi ao Guarany esperando dar boas risadas, não saiu frustrado. Lavei a alma de tanto rir, valeu cada centavo do ingresso. Sem querer ser bairrista, o espetáculo comprova, mais uma vez, que temos muitos talentos no nosso Estado e que nem tudo o que vem “de fora” (leia-se: “grandes centros, tais como São Paulo e Rio de Janeiro) é necessariamente melhor.


“Primeiro as Damas” será reapresentado no Theatro Guarany no dia 26 de agosto.

Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Integrante do CCETP

domingo, 8 de agosto de 2010

Sam Mendes valoriza atores em peça de Shakespeare


Oi, gente
Estou super em dívida com o CCETP, por ter passado tanto tempo sem escrever comentários sobre espetáculos, mas a verdade é uma só: estava muito envolvida com a faculdade, que exigia dedicação quase absoluta. Agora, no entanto, que estamos em férias e consegui ter o computador de casa funcionando após algumas semanas, não tenho mais desculpas.
Embora nosso clube tenha oficialmente quase vinte integrantes, na prática isso não tem se concretizado, somente quatro pessoas escreveram até agora, a maioria dos artigos de autoria do Vagner Vargas – que, para nossa felicidade, escreve muito bem , com propriedade e elegância, sem deixar de cumprir o foco principal da proposta: dizer a verdade.
De modo que deixo aqui uma provocação aos integrantes do CCETP: queremos ter o privilégio de contar com a participação de vocês e, ao mesmo tempo, dar aos nossos leitores o direito de conhecer outras opiniões sobre os espetáculos, que é a intenção primeira deste clube.
Na sequência, comentarei espetáculos assistidos em Pelotas (Primeiro as Damas), em Porto Alegre (no Palco Giratório) e em Londres, não necessariamente nesta ordem.
Um abraço àqueles que acompanham nossos artigos.

Como gostei

Sam Mendes valoriza atores em peça de Shakespeare

Mundialmente, ele é mais conhecido pelo Oscar de melhor diretor em 1999 pelo filme “Beleza Americana” e por assinar a direção de outros filmes, tal como “Estrada para a Perdição” (Road o Perdition). O que pouca gente sabe, no entanto, é que há muito tempo Sam Mendes divide o tempo entre o cinema e sua outra paixão: o teatro. Fundador e diretor artístico do Donmar Warehouse por mais de uma década, desde o ano passado ele lidera a companhia The Bridge Project, que apresentou duas peças de Shakespeare, “A tempestade” e “Como gostais”, em uma turnê mundial que incluiu Singapura, Madri, Auckland (Nova Zelândia), Atenas e Londres.

Eu tive a oportunidade – e a sorte! - de assistir “Como gostais” (As you like it), no The Old Vic, em Londres, no dia 20 de julho. Eu digo “sorte” porque tinha visto um programa da peça e queria muito assisti-la, mas imaginei que seria praticamente impossível conseguir um ingresso – os ingleses costumam planejar e agendar tudo com considerável antecipação. Ao chegar à capital da Inglaterra, fui diretamente ao teatro e para minha surpresa não só consegui ingresso como era a última cadeira bem localizada - bem no meio e na sétima fila. Melhor ainda, como era assento único, me venderam pela metade do preço.

Mesmo que eu não tivesse gostado da peça, o teatro em si já era um espetáculo, por si só.
Fundado em 1818 – embora tenha trocado de nome diversas vezes -, o Old Vic é um dos mais antigos teatros londrinos. Localizado no metrô Waterloo, é conhecido como o “teatro dos atores” e por ele passaram muitos dos maiores nomes do século passado, tais como Laurence Olivier, Vivien Leigh, Richard Burton – tem fotos dele em montagens de “Hamlet” e” A Tempestade” (1953-1954) espalhadas pela escadaria que leva ao segundo piso -, Peter O'Toole, Judi Dench e, mais recentemente , o também oscarizado Kevin Spacey.

Com tantos nomes importantes rondando o local e o espetáculo, eu fui sem grandes expectativas, sem saber muito o que esperar de Sam Mendes como diretor teatral e, talvez até por isso, saí do Old Vic muito satisfeita.

Foram três horas e dez minutos de espetáculo, contando com vinte minutos de intervalo – com venda de bebidas e petiscos no hall de entrada; as pessoas todas bem arrumadas, como para uma grande ocasião, os ingleses ainda consideram o teatro como um “acontecimento” –, que passaram sem nenhum esforço. “Como gostais” prendeu minha atenção do início ao fim. Ainda que fosse encenada com alguns termos do inglês arcaico – afinal era Shakespeare! – e me escapasse parte dos diálogos, a comédia (romântica!) de enredo simples, sem grandes lições de moral, que termina com casamento múltiplo – ao estilo das novelas brasileiras – foi puro deleite.

Sam Mendes soube valer-se - e respeitar! - do talento dos atores para valorizar o texto e o próprio espetáculo. O cenário simples – apenas no segundo ato foi usada a totalidade do palco, no qual uma quantidade expressiva de troncos de árvores, longos e finos, caracterizavam a floresta, sem contudo poluir o visual – abriu espaço para a performance. A alegria contagiante de Juliet Rylance no papel de Rosalinda lembrou-me a vibrante Calamity Jane, vivida por Doris Day no filme “Ardida como pimenta”, na década de 1950, no qual ela também se disfarçava de homem. Stephen Dillane, Ron Cephas Jones and Thomas Sadoski – carismático e engraçadíssimo como o clown Touchstone – não ficavam atrás. Apenas o “mocinho” da história, Orlando, não acompanhava os demais e ficou bem apagado com a interpretação inexpressiva de Christian Camargo. Talvez estivesse em um dia ruim, quem sabe?

Apesar disso, o elenco, afinado de modo geral, dava o ritmo certo ao espetáculo. Com uma marcação precisa, movimentos limpos, entonação apurada, o conjunto ressaltava o caráter leve e divertido da peça escrita por Shakespeare em 1599 – e evidenciava a quantidade expressiva de ensaios, necessária para chegar a tal grau de simplicidade.

Também vale destacar alguns momentos líricos, de muita beleza, com música ao vivo e o uso acertado de lâmpadas chinesas, na cena final, para dar o clima romântico ao casamento, sem carregar o cenário.

O Shakespeare de Sam Mendes muito me agradou. “Como gostei”.



PS: "O mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres, apenas atores. Eles saem de cena e entram em cena, e cada homem, a seu tempo, representa muitos papéis". Como gostais, Shakespeare.

Joice Lima

terça-feira, 27 de julho de 2010

Smashing Hugs

Na gélida noite do dia 17 de julho de 2010, o Grupo Purê de Batatas – Dança, Teatro e afins, de Porto Alegre, trouxe a Pelotas um espetáculo diferente das propostas comumente representadas nesta cidade. Além do espetáculo, o trio Dani Boff, Heloisa Gravina e Michel Capeletti ainda ministraram um workshop intitulado: “Histórias do Corpo: Treinamento para um Abraço”.

Na verdade, a proposta que o Grupo trouxe a Pelotas tratava-se de uma performance, na qual o público era instigado a pensar sobre o afeto. Através de uma simples ação, o público chega, duas pessoas estão abraçadas e ali permanecem. Ao longo do tempo, seus corpos vão se ajustando, desvelando novas formas de permanecerem em contato e ainda abraçadas. Paralelamente, algumas imagens, de outras intervenções do Grupo em espaços abertos, eram projetadas em diferentes locais da Sala Preta – uma pequena sala de aula da Faculdade de Teatro da Universidade Federal de Pelotas com estrutura que remete a um pequeno teatro – já que as salas de espetáculo desaparecem a cada dia nesta cidade. Desta forma, os espectadores eram convidados a repensar as possibilidades cênicas daquele espaço. Enquanto isso, as duas performers permaneciam abraçadas.

O engraçado desta intervenção foi perceber como o simples ato de observar duas pessoas abraçadas pudesse desassossegar tanto ao público. Reparo nisso, não apenas pelo fato de muitas pessoas não sentirem-se tocadas pelas propostas de arte contemporânea, ou de boa parte dos espectadores pelotenses ainda deslocarem-se de suas residências com destino a um evento teatral almejando que ele esteja nos moldes daqueles do século XIX, mas foi possível perceber como uma simples ação pode promover tantas reações no público. Talvez o fato de duas mulheres estarem abraçadas incomodou alguns presentes que não conseguiam ter seus olhos mais abertos à fruição de uma proposta artística. No entanto, com o passar do tempo, as visões (pre)conceituosas se esvaiam e surgia um vazio, uma vez que estes espectadores deveriam repensar seus conceitos para, pelo menos, conseguirem perceber o que se passava a sua volta.

Neste sentido, a experiência de sentar-se confortavelmente em uma cadeira para ficar observando duas pessoas abraçadas, possivelmente, levou todos a refletirem sobre este gesto no mundo atual. O fato daquela noite estar chuvosa, com temperatura próxima aos 0oC, já convidava todos a desejarem um abraço com o objetivo primário de melhoria da sensação térmica. Porém, a discussão aqui não é tão simplista, uma vez que, num mundo contemporâneo, cada vez mais individualista e virtual, o afeto, o toque e o abraço tornaram-se manifestações raras. Desta forma, ficar sentado observando duas pessoas abraçadas, com o passar dos minutos, nos faz avançar e repensar várias coisas em nossas, vidas, até mesmo porque, ao mudarem de posição, o abraço nos remetia a uma impressão nova, passível de reflexão sobre acontecimentos do cotidiano. O toque interpessoal quase não existe nos dias atuais em que webcams, mouses e teclados perfazem muitos tipos de contatos pessoais. Será que com o passar dos tempos teremos que ir a uma galeria de arte para sabermos o que é um abraço? Uma das propostas do Grupo é tratar o abraço como um pequeno ato terrorista e, realmente, ele cumpre esta missão, já que visualizar duas pessoas abraçadas pode servir de provocação para um enfrentamento do terror que é o desconhecimento do ato de ter dois corpos unidos, com seus braços entrelaçados.

Bom, antes de terminar, não posso deixar de tecer alguns elogios ao desempenho da iluminadora do Purê de Batatas por, com tão poucos recursos, ter conseguido criar todos os climas e atmosferas de iluminação que estavam em consonância com a proposta de performance. Com muita criatividade, força de vontade e a sensibilidade de um olhar feminino, ela conseguiu compor uma dramaturgia de iluminação orgânica com o trabalho das atrizes-dançarinas.

Portanto, finalizo este comentário ressaltando a necessidade de outras propostas artísticas nesta cidade que dialoguem com outras formas de expressão, reverberando na intertextualidade derivada da intersecção das mais diversas linguagens artísticas. Além disso, congratulo o Grupo porto alegrense por nos propiciar a experiência de refletir sobre o fato de que, ao esmagar abraços, esmagam-se padrões de conceitos e abrem-se as janelas para reflexões sobre o afeto em uma sociedade contemporânea tão apartada de sentimentos.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
www.ccetp.blogspot.com
vagnervarg@yahoo.com.br

Mostrando Para o Futuro


Com o intuito de mostrarem os processos desenvolvidos nas salas de aula da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), as Faculdades de Teatro, Dança e Música uniram-se, de 12 à 17 de Julho de 2010, para apresentarem os trabalhos desenvolvidos pelos seus alunos. Numa das semanas mais frias do ano, registrando temperaturas negativas em diversas partes do estado, os estudantes destes cursos esforçaram-se ao máximo para levarem o calor do aprendizado de suas artes para um público fiel e resistente às condições climáticas.

Apesar da UFPEL não dispor de salas de apresentação climatizadas, confortáveis para seus estudantes e público em geral, o local utilizado para a I Mostra Cena & Som foi a Sala Preta – uma das salas de aula da Faculdade de Teatro-Dança – já que, neste local, ocorrem muitas das aulas teóricas e práticas destes cursos. Assim, o público presente também pôde conferir as condições estruturais de que os estudantes universitários dispõem para o seu aprendizado. Recentemente, a Universidade adquiriu o prédio da antiga AABB, alocando aulas destes cursos naquele local. Entretanto, o fato da AABB não dispor de condições mínimas de higiene e estrutura para a realização de apresentações artísticas, inviabilizou a execução da Mostra nas suas dependências. Além disso, devido a algumas questões burocráticas e judiciais, a Universidade encontrava-se com problemas relacionados à iluminação do local e à utilização da sauna do antigo clube por parte de alguns ex-sócios, o que acarretava, também, em problemas com o fornecimento de água para o prédio. Devido a isso e outras questões, acredito que a Mostra tenha sido realizada na Sala Preta, uma sala pequena, na qual foram retiradas as cadeiras para que o público presente pudesse acomodar-se em colchonetes no chão e assistir às apresentações dos estudantes em dias que o frio do inverno gaúcho se fez mais do que presente.
Logo de início, a idéia da Mostra aterrorizou alguns alunos, pois já há algumas semanas não dispunham de local para a realização das suas aulas práticas, nem para ensaios, visto que o prédio da antiga AABB ainda continuava às escuras. Porém, com muito esforço de todos estudantes, funcionários e muitos professores que chegaram a levar suas turmas para ensaios em suas residências, os trabalhos conseguiram chegar em condições de mostrar os processos desempenhados nas salas de aula da universidade. Além disso, apesar do frio, muitos estudantes encararam ensaios nos finais de semana, madrugadas e nos mais diferenciados horários para recuperarem o tempo perdido com a impossibilidade de utilização do prédio da AABB. Mais uma vez se pôde observar o esforço dos artistas para levarem o fruto do seu trabalho para o público. No entanto, cabe aqui fazermos uma reflexão. Sempre costumamos ouvir notícias sobre as dificuldades e os esforços que os artistas fazem para executarem o seu trabalho, mas até quando teremos que contar apenas com a falta de estrutura e a força de vontade? Já não está mais do que na hora dos artistas e estudantes dos cursos de artes em geral exigirem condições estruturais mínimas para o desempenho dos seus trabalhos?

Sim, questiono isso, pois arte também se constitui como setor empregatício, atividade profissional e força de trabalho, como quaisquer outras atividades profissionais. Neste sentido, observo que a cidade de Pelotas ainda respira o saudosismo de uma época em que era uma referência em pólo cultural no estado, porém a realidade atual nos mostra que o Governo Municipal, assim como outros setores não dispõem de projetos concretos para viabilizar a execução do trabalho dos artistas na cidade. Além desta situação, também não encontro respostas concretas para o fato de, constantemente, ler na imprensa local que a UFPEL adquire tantos prédios, recebe tantos investimentos e os alunos destes cursos permanecem carecendo de salas de aula e estrutura técnica para realizarem sua formação acadêmica em condições dignas de qualidade de ensino. Todavia, não basta somente levantarmos reflexões e indignações teóricas mantidas dentro das salas de aula, seria necessário que outras pessoas direta ou indiretamente afetadas por esta questão também demonstrem publicamente seus posicionamentos. Mas, para que isto ocorra é necessário ter coragem para expor o seu ponto de vista. Será que os envolvidos têm? A postura de muitos é ficar comodamente observando distanciadamente, enquanto alguns se expõem. No entanto, quando existem ganhos, todos são beneficiados. Alfineto aqui todos aqueles corajosos para que tenham mais coragem ainda em apontar os covardes que se escondem nos comentários esquivos, politicamente corretos, sem posicionamentos, ou seja, aqueles que “preferem não se envolver”, “acreditar que tudo é um processo”, que “um dia as coisas melhoram” e etc..., para que todos saibam quem luta por melhores condições de trabalho e ensino e aqueles que apenas vão se beneficiando dos esforços dos outros.

Uma grata surpresa a todos os presentes foi a participação dos alunos da Faculdade de Música, pois, apesar de Música, Teatro e Dança estarem intimamente ligados, o intercâmbio entre os alunos destes cursos costumam ser escassos. Entretanto, as apresentações musicais brindaram a todos com momentos de profundo lirismo, trazendo os mais variados repertórios de músicas eruditas e populares muito bem executadas. Além disso, acredito que o fato de ser um evento ligado às Faculdades de Teatro e Dança propiciou uma maior tranqüilidade aos estudantes de música, visto que demonstravam estarem muito satisfeitos em mostrarem os seus trabalhos para uma platéia que não tem as formalidades, nem a rigidez de outros locais onde os estudantes de música costumam apresentar seus concertos e recitais. Neste sentido, destaco o ponto positivo de suas apresentações, ao tentarem promover movimentações cênicas e a criação de um ambiente diferenciado onde suas músicas eram executadas. Uma das performances que me chamou muito atenção foi quando os flautistas iniciaram sua apresentação totalmente no escuro, fazendo com que os espectadores pudessem apenas ouvir e sentir a música se manifestar naquele local. O grande resultado deste intercâmbio, acredito eu, que tenham sido as discussões geradas a cada noite. Inclusive, em uma delas, uma professora do curso de Dança, ao falar das Artes Cênicas, corrigiu a todos que a música, assim, como o teatro e a dança, compõem este grande eixo. Somente este discurso foi necessário para suscitar a reflexão em muitos profissionais da música sobre a sua inclusão nas artes cênicas, já que a separação entre estas três áreas é uma realidade constituída apenas no ocidente. Mas, acredito que este evento serviu para estreitar os laços entre as produções destes cursos e espero que os resultados futuros tenham cada vez mais o intercâmbio e a intersecção entre estas áreas.
No entanto, nem tudo são flores. Infelizmente, terei que comentar sobre o comportamento dos estudantes dos outros cursos durante as performances de música. Obviamente, que nem todos os ouvidos estão acostumados a escutar Bach, Schubert e harmonias mais elaboradas. Vivemos em uma sociedade de mídias massificadas, onde arranjos pobres, de melodias simplistas e letras alienantes dominam os meios de comunicação através de seus pagodes, funks, ritmos nordestinos da moda, regionalismos preconceituosos, sertanejos e outras músicas com mais barulho do que melodias. Porém, cabe à população em geral buscar subsídios para que possam permitir aos seus ouvidos conhecer outras possibilidades musicais constituídas de maneira mais elaborada. Neste sentido, informo que o momento em que os músicos buscam realizar as últimas afinações de seus instrumentos, devem ser de silêncio, para que o burburinho e as conversas da platéia não atrapalhem o seu trabalho. Além disso, percebo o quão difícil é para os ouvidos e cérebros alienados ter a possibilidade de ampliar seus horizontes, mas, mesmo assim, se ainda não é o momento de ser tocado por estas novas possibilidades, devemos ter o respeito mínimo pelo trabalho dos demais. Este fato merece destaque, sobretudo, em cursos de artes, uma vez que os artistas e estudantes de artes devem estar sempre em busca de ampliarem seus horizontes, trabalharem suas sensibilidades e compreenderem as outras formas de manifestação artística. Por outro lado, também saliento que os estudantes de música devem buscar subsídios artísticos em outras áreas de expressão, para que o fruto do seu trabalho possa ser constituído enquanto arte – a música – e não meramente uma variante da matemática melódica. O contato com os artistas de da dança e do teatro podem possibilitar-lhes novas percepções, desde que se permitam esta experiência, visto que música não é somente mecânica e matemática. Para que se torne arte, necessita de algo a mais e, para tanto, é necessário que alguns conceitos pré-estabelecidos se abram às percepções de outras manifestações artísticas, com o intuito de trazer a sensibilidade como catalisador de seu trabalho. Para uma boa execução, a mecânica e a matemática bastam. Mas, para que se crie arte através da música, precisamos trabalhar mais a nossa sensibilidade.
No que se refere aos processos apresentados pela Faculdade de Teatro, foi possível observar uma grande variedade de trabalhos, com um envolvimento de muitos alunos. Entretanto, este contingente estava muito aquém do montante de estudantes destes cursos, o que transpareceu aos desavisados que, muitos dos jovens que ali não se fizeram presentes, nem como platéia, não significam o fato de que o aprendizado também se dá quando somos platéia e não somente quando os refletores estão voltados ao foco das nossas vaidades, ou ignorâncias. Todavia, precisamos ter em mente que o espaço de tempo de apenas uma semana pretendia mostrar, de maneira resumida, todas as possibilidades de produção que são desenvolvidas ao longo do curso. Para aqueles presentes que desejavam saber quais são os processos estudados durante uma Graduação em Teatro, foi uma oportunidade ímpar, uma vez que, ao logo daqueles dias, praticamente todas as disciplinas mostraram alguns de seus trabalhos. Além disso, este evento propiciou à comunidade em geral a possibilidade de visualizarem todo o trabalho que o fazer teatral envolve em suas mais diversas áreas de atuação, sejam elas na sua inserção dentro da educação, prática cênica, técnicas de trabalho de ator, dramatúrgicas, estéticas e etc... Este tipo de oportunidade é muito importante para desfazer o mito da espetacularização tão instaurado em alguns centros educacionais, nos quais o objetivo primordial do teatro seria apenas o de realizar montagens espetaculares em certas datas comemorativas. Não quero dizer com isso que a espetacularização não tenha o seu valor, pois, para aqueles que desejarem seguir a carreira profissional relacionada à arte da representação, direção ou da técnica envolvida nas montagens teatrais, os espetáculos serão o seu meio de subsistência. No entanto, precisamos ter em mente que teatro não necessita de um prédio teatral para que o seu evento ocorra, nem que a montagem de um espetáculo seja a maior de suas reflexões. Ao pensarmos no teatro inserido em ambientes educacionais, o processo desenvolvido através das diversas práticas teatrais assume um caráter mais importante. Deste modo, acredito que esta Mostra serviu para que muitas pessoas pudessem ter uma visão mais ampla das diversas áreas de atuação em que o profissional do teatro pode estar inserido, de todos os processos que ele desenvolve durante o seu trabalho e quem nem sempre são visíveis em montagens de espetáculos de teatro.
Alguns dos muitos momentos agradáveis durante aquela semana foram as apresentações dos trabalhos dos alunos da Faculdade de Dança. Com propostas muito em sintonia com as discussões contemporâneas de dança, estes estudantes mostraram que seus estudos compreendem a dança e o movimento dentro de um contexto atual, não mais atrelado às significações normatizadas da dança antiga. A cada exercício apresentado, percebíamos um trabalho de estudo corporal com um claro objetivo de aprofundar o conhecimento do seu objeto de trabalho – o corpo – para que, na sua relação com o espaço e com os demais e vice-versa, através de outra ótica de movimento, a mensagem, o sentimento e arte pudessem fruir, no intuito de instigar a reflexão no espectador e possibilitar o desenvolvimento artístico destes estudantes. Neste prisma, as diferenças técnicas prévias entre alguns estudantes se esvaem, dissipam-se, pois a generosidade do trabalho em grupo, exemplificava algo maior: o mergulho que cada um deles estava fazendo em si. Deste modo, o que víamos em cena era um show de espontaneidade, verdade cênica, disponibilidade, entrega, vontade de aprender, experimentar e experienciar, sem soberba. Além disso, ainda destaco a coragem e forma inteligente que alguns estudantes utilizaram para protestar contra as condições estruturais que a universidade não oferece ao seu curso. Mesmo durante um apresentação, alguns estudantes mostraram o seu senso crítico em relação a sua formação acadêmica. Espero que este fato sirva de exemplo para que estudantes de outros cursos abandonem o cômodo ostracismo da alienação em que se encontram.
Todavia, um fato peculiar me chamou muito a atenção durante toda a semana: alguns alunos dos outros cursos, ao invés de buscarem uma sintonia com a apresentação dos trabalhos de dança, perdiam o seu tempo em tecer comentários típicos de pessoas que ignoram o fazer artístico além daquilo que visualizam através dos slides projetados nas paredes de suas salas de aula. Talvez esta falta de educação de alguns alunos possa se dar devido ao fato de recém estarem entrando em contato com autores como Jerzy Grotowski, Vsevolod Meyerhold, Eugenio Barba, Antonin Arteau, dentre outros, e, devido a este contato tão recente, talvez suas leituras ainda estejam descontextualizadas e muito aquém de uma significação mais aprofundada das bases teórico-práticas sugeridas por estes pesquisadores. Assim, equivocadamente, muitos acreditam que o qualificar-se como artista preconiza a permanência de oito horas por dia trancados dentro de uma sala pulando e gritando freneticamente – o que, numa visão superficial, apenas os faz queimarem calorias e ficarem roucos. Percebam aqui que quem comenta este fato já bebeu e embasa até o hoje o cerne de suas pesquisas técnicas nestes e em outros autores. Ademais, quem tece estes comentários é um profundo defensor de uma rotina extensa de trabalhos técnicos para atores. Entretanto, a diferença reside no fato de possuir uma abertura maior à compreensão de outras possibilidades artísticas, mas, principalmente, ao respeito pelo trabalho dos outros profissionais da arte. Porém, acredito que esta última lição alguns estudantes ainda não aprenderam e, muito pelo contrário, já exercitam a soberba equivocada de quem detém uma verdade sobre um certo tipo de conhecimento. Quiçá a maturidade os faça perceberem seus equívocos conceituais e o tamanho de suas perdas ao não se permitirem ser tocados por outras formas de expressão artística, em detrimento de deboches infantis. Destacando que a soberba é uma peculiaridade da ignorância e associada à incompetência.
Tendo em vista a diversidade de expressões artísticas contemporâneas, senti muita falta de trabalhos dos alunos da Faculdade de Artes Visuais e Cinema inseridos no contexto desta mostra. Não somente trabalhos relacionados à performance, mas às outras poéticas de expressão estéticas pertinentes às artes visuais e ao cinema poderiam fornecer excelentes subsídios fomentadores de discussões entre estudantes, professores e público em geral. Os motivos pelos quais não permitiram este intercâmbio com as artes visuais, agora, não são relevantes, mas devem permanecer em voga, para que os maiores beneficiados com este tipo de evento – os estudantes – possam desfrutar de elementos que forneçam uma visão mais ampla para sua formação educacional.
Portanto, ao me aproximar do término deste texto, em primeiro lugar, gostaria de pedir desculpas a todos por ter me estendido no assunto. Mas, não podia fazê-lo de maneira superficial ao comentar uma semana inteira de múltiplas atividades a cada noite. No entanto, preciso fazer um desabafo expondo o meu descontentamento com o posicionamento de algumas pessoas sobre a formação artística universitária. Não, não sou da turma do “Uhul”, “tudo é muito bonito”, “acho tudo muito legal”, “o que vale é a festa”, “o importante é só o processo”, “tudo é aprendizado”, “com o tempo se constrói”. Não, não tenho uma visão positiva – leiam isso como um comentário pejorativo da minha parte. Tudo bem, concordo que este meu texto seja demasiado ácido, duro, seco e rígido, pois estas são características da minha personalidade. Entretanto, me exponho publicamente, através destes escritos, de maneira tão rude, devido ao fato de ter muito respeito pela arte e por ser conhecedor de todas as dificuldades e desafios que os verdadeiros artistas enfrentam para fazerem, do fruto de seu trabalho, arte. Neste sentido, ter uma visão meramente “positivinha” seria menosprezar o “ser artista”, seria simplificar a arte ao nível de uma tarefa passível de qualquer um executá-la. Porém, não entendam que cito isso para designar os artistas como pessoas escolhidas por um dom ou um ser celestial, ou como pessoas acima do plano de existência. Refiro isto, pois muitas vezes as simplificações e as visões “positivinhas” nos impregnam de uma imagem pejorativa ante à sociedade. Imagem na qual qualquer um pode ser artista, qualquer coisa é arte. No entanto, se assim o for, para que necessitamos de tanto preparo e estudo?
Deste modo, convoco aqui a todos os corajosos, todos aqueles que realmente dão valor à arte para que unam os seus brados com o objetivo de apontarem os equívocos, erros e desrespeitos que muitos incompetentes e alienados se utilizam para se manterem ocupando espaços onde pessoas mais capacitadas poderiam estar propiciando melhores contribuições à sociedade. Porém, não se deixem abater, pois o comportamento típico dos covardes, fracos e incapazes é se unir no silêncio, nos hiatos, nas sombras para criar o imaginário de uma força meramente virtual, mas que pode tentar intimidar àqueles que ainda têm voz. Gritem!

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Uma Noite com Rosa


Na edição recente do Projeto Cena Literária, dia 29 de junho de 2010, o Grupo Teatro Escola de Pelotas (TEP) apresentou uma adaptação dos contos Esses Lopes e Sinhá Secada de autoria do escritor mineiro Guimarães Rosa. Com direção/atuação de Bartira Franco e Fabrício Ghomes, remanescentes do TEP original, o fim de tarde daquela terça-feira esteve na medida certa de que a obra deste escritor merece em montagens teatrais.

Não posso deixar de começar este texto elogiando à concepção visual das esquetes. Havia nitidamente uma proposta bem embasada e bem executada, com o intuito de fornecer uma identidade visual ao contexto em que as histórias eram contadas. Tanto Bartira, quanto Fabrício tem um alarga experiência em concepção de figurinos e cenários sempre muito adequados às histórias a que se destinam. Neste dia, não foi diferente. A paleta de cores escolhida mostrava variações consonantes desde à maquiagem até às opções cromáticas de iluminação. Além disso, os tecidos utilizados foram muito bem tratados com o objetivo de mostrar a aridez do ambiente vivido pelas personagens. Nada estava ali de forma gratuita. Todos os elementos eram funcionais para que os atores pudessem criar a noção de ambiente onde as histórias estavam ocorrendo. Esta proposta de visagismo serve de exemplo para mostrar aos demais que existe um grande abismo entre figurinos, fantasias e vestimentas do dia-a-dia. Apesar de Bartira ter sido a carnavalesca responsável pela escola de samba vitoriosa no último carnaval, a sua formação é teatral e ela consegue muito bem transitar por todas as linguagens, sempre de maneira muito apropriada ao contexto em que está inserida. Obviamente que, para quem conhece o trabalho do TEP, sabe que este trabalho não é solitário, pois há uma grande sintonia, não apenas em cena, mas também na concepção e execução das identidades visuais dos seus espetáculos com o amplo apoio do Fabrício Ghomes que, além de ator, também é bacharel em artes visuais.

A adaptação dos textos para a linguagem dramática foi feita por Valter Sobreiro Júnior, muito bem executada e com a maestria com que o Valter costuma sempre tratar aos seus textos. Infelizmente, não costumamos ter o prazer em assistir a muitas montagens teatrais de textos do Valter Sobreiro. Comento isso, pois este escritor possui uma obra literária para o teatro de grande qualidade. Lamentavelmente, ela costuma ficar nas prateleiras das estantes. Para quem pôde conhecer a produção teatral de Pelotas nas décadas de 80 e 90, lembra que as montagens dos espetáculos de teatro do TEP, com textos assinados por Valter Sobreiro, já imprimiam uma qualidade literária que valia à pena de serem assistidos. Com a decadência das políticas culturais no início desta década, as produções teatrais do TEP começaram a enfrentar grandes dificuldades, assim como todos os grupos de teatro de Pelotas. Muitos artistas da cidade foram embora, em busca de oportunidades melhores, ou mudaram suas áreas de atuação, visto que o mercado de trabalho cultural havia se fechado na cidade. Poucos sobreviveram e resistiram a todas as adversidades que surgiram ao longo desta última década. Muitas foram as dificuldades, quando tudo parecia impossível, morto e acabado, alguns seguiram levantando às bandeiras do teatro, esticando o tapete para fazê-lo de palco e utilizando a sua própria luz para iluminar à cena, já que todo o resto não havia, dentre estes, não posso deixar de destacar dois nomes: Bartira Franco e Fabrício Ghomes.

Nesta montagem, a opção de atuação dos atores foi realista, apesar de Bartira se revezar entre vários personagens, com faixas etárias diferentes. O que ficou evidente, neste dia, foi que ambos possuem uma sintonia cênica muito grande, fruto de anos de trabalho em conjunto, o que fez com que as cenas fluíssem na medida certa. As histórias dos dois contos exigiam uma construção de personagens com uma carga de subtextos muito grande. Porém, isto não foi problema para esta dupla de atores, já que transitaram por ambas histórias carregando a delicadeza e a sensibilidade que as personagens exigiam. Uma coisa que me chamou muito a atenção, pois eu estava sentado na primeira fileira, foi a maneira inteligente com que a Bartira procurava ficar no foco certo de luz, pois os recursos técnicos do local são escassos, apesar do Teatro Sete de Abril ter uma aparelhagem de sonoplastia e iluminação muito boas, penso eu que a organização deste evento tem cautela em retirar apenas alguns equipamentos do local de origem para auxiliar nas apresentações que ocorrem no bistrô da Secretaria de Cultura, visto que o Teatro está fechado. Mas, voltando aos atores, Fabrício carregou a emoção dos seus personagens, sem extravasá-la, de início ao fim, contendo-a para que ela fosse perceptível no momento em que a cena exigia. O jogo cênico entre os atores era de uma sintonia evidente, tanto que, quando Bartira saía de cena para as trocas de personagem, Fabrício seguia conduzindo a história na mesma intensidade, até a próxima entrada da sua colega de cena, que já engrenava com a mesma energia.

Como não poderia deixar de ser, no final do evento, os atores propuseram um debate sobre a obra de Guimarães Rosa com a platéia. Evidentemente que esta iniciativa partiu da Bartira Franco, pois ela é a idealizadora do projeto original do Cena Literária, o qual se utilizava de uma montagem teatral para fomentar debates do público com especialistas no tema apresentado, ou no autor que estava tendo a sua obra montada. Porém, a atual organização do evento retirou esta peculiaridade inicial e propõe apenas montagens de pequenas esquetes teatrais descontextualizadas para o público que não conhece a obra apresentada naquele momento. Em decorrência disso, apesar do incentivo dos atores, ao final da apresentação, poucos foram os comentários e questionamentos da platéia sobre o tema. Acredito que esta situação possa ter ocorrido devido ao fato do público ter perdido o hábito de se preparar para este evento já sabendo que haveria um debate no final da apresentação. Infelizmente, o público ficou tímido no debate. Mas, por outro lado, foi muito caloroso ao erguer seus aplausos aos atores no final da apresentação.

MSc.Vagner Vargas
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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Aqueles Dois eram Quatro Mineiros

Após a apresentação de um espetáculo carioca de qualidade duvidosa, Pelotas teve o prazer de receber a sensível Cia Luna Luneira de Belo Horizonte/MG. No dia 14 de junho de 2010, o grupo de teatro mineiro apresentou o espetáculo Aqueles Dois, uma adaptação do conto homônimo do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu.

Este é o tipo de obra que nos dá prazer em sentar e falar sobre. Não apenas por ser baseado na adaptação de um texto muito bem escrito pelo escritor gaúcho, mas pela extrema competência com que o grupo de atores conseguiu transpor à linguagem literária para a teatral. O conto original trata da rotina de uma repartição, utilizada como metáfora para falar das relações em sociedade. Neste local, dois homens se conhecem e desenvolvem uma amizade que passa a não ser bem vista pelos demais. A partir disso, os atores construíram uma estrutura dramática que deu tanta vida às situações e aos diálogos apresentados, que seria impossível não atribuir-lhes a devida verossimilhança que as cenas mereciam. A maneira justa e sincera como os textos e os diálogos fluíam entremeando-se, criavam uma atmosfera que ia jogando o espectador pra dentro da cena. Desde o início, apesar da proposta de montagem não ser realista, a verdade com que os atores atuavam dava vida a situações que adquiriam um caráter de realidade, gerando uma fácil identificação com o público presente.

A proposta de direção do espetáculo foi extremamente inteligente, conseguindo imprimir ritmo, delicadeza, força, sutileza e emoção nas medidas certas, quando a cena exigia. Além disso, a idéia de encenação próxima ao público fez com que os ambientes narrados na história, extrapolassem os limites do palco. Muito adequada também foi a proposta de se utilizarem várias gavetas ao redor do espaço cênico, sendo utilizadas como cenário em diversos momentos. Mas, não me refiro a este aspecto de uma maneira simplista, pois a simbologia atribuída a estas gavetas era perceptivelmente intencional para fazer o espectador pensar sobre tudo aquilo que acumulamos nas “gavetas” ao longo de nossas vidas, assim como o ato da escrita ou do pensamento sobre muitos assuntos que ficam guardados e escondidos dos próprios autores. No contexto desta peça, os dois personagens são pessoas solitárias que conservam muitas coisas imperceptíveis aos olhos dos demais. Assim, pouco a pouco, os atores iam desvelando essas “gavetas” e expondo o universo singular de cada personagem. Para tanto, os quatro atores se revezavam entre os personagens do conto, de maneira sutil e sensível, prendendo a atenção do público durante toda a história.

Outro aspecto que chamou a atenção foi a proposta de iluminação extremamente orgânica com o espetáculo, criando uma atmosfera envolvente muito apropriada às situações enfrentadas pelos personagens. Neste espetáculo havia um ótimo exemplo de utilização correta da iluminação, nada foi gratuito e todas as escolhas cromáticas foram pensadas de acordo com o texto e a proposta de encenação. Em determinado momento foi usado o recurso de Black out - que tanto critico, quando mal utilizado- porém, aqui reside um exemplo coerente deste recurso, pois, quando houve o escurecimento da cena, este não foi um mero momento utilizado para trocas de cenários, ou de elementos de cena, foi proposto com o intuito de gerar uma atmosfera que refletia o que os personagens estavam enfrentando. Além disso, a iluminação conferia uma textura que ia muito ao encontro do que provavelmente o autor Caio Fernando Abreu poderia ter imaginado para a cena. No conto, o autor refere uma série de músicas que ajudam a construir o ambiente daquelas pessoas. Neste sentido, os atores utilizam os referenciais musicais originais do texto e acrescentam alguns possíveis pontos de identificação pessoal que se encaixam perfeitamente na proposta.

Bom, agora renderei meus comentários aos atores-criadores desta bela obra de arte. Primeiramente, começarei nomeando-os, pois acredito que, quando um trabalho é bem executado, merece o devido reconhecimento. Por este motivo, destaco minhas congratulações a Cláudio Dias, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves, Rômulo Braga e Zé Walter Albinati, assim como a todos os membros de sua equipe pelo competente trabalho que trouxeram a Pelotas. Neste sentido, saliento a organicidade e sintonia do jogo cênico entre os atores. As atuações estavam na medida certa, não havia nada de mais, nem de menos, havia, apenas, a precisão. Precisa também foi a condução das emoções, em alguns momentos divertindo o público, em outros os fazendo refletir, se identificar e, por fim, trazendo-os para dentro da emoção. Estes atores deram um bom exemplo do diferencial que a formação, embasamento e o trabalho árduo fazem para a criação de uma obra de arte capaz de tocar ao espectador. As diferenças físicas e interpretativas de cada ator em nada prejudicaram a percepção do público, quando haviam as mudanças de personagens, já que a sintonia entre o elenco criava uma idéia capaz de assimilação e identificação fáceis para o público. Este tipo de situação poderia ter sido muito simplista, caso os atores tivessem feito isso através de interpretações tipificadas, o que não foi caso, neste espetáculo. Devido a isso, ressalta-se ainda mais o trabalho destes atores que conseguiram fazer com que o público abstraísse quaisquer diferenças e se identificasse com o universo interno daquelas pessoas, naquele tipo de situação. Realmente, foi o tipo de apresentação que trouxe um algo mais ao espectador. Feliz daqueles que puderam ter o prazer de assisti-los.

Entretanto, termino este texto lamentando a ausência de divulgação e destaque na mídia local para um espetáculo de alta qualidade artística como este. Cito isto, pois, recentemente, os profissionais da imprensa local deram uma divulgação maciça durante semanas para uma peça de teatro que traria “artistas” televisivos à cidade. Não sei se a alienação das pessoas que escrevem para a mídia impressa e televisiva pelotenses as impedem de ampliar os seus conhecimentos sobre trabalhos com valor artístico respeitável, mas a população da cidade de Pelotas não pode mais ficar sem a notícia e o conhecimento de que artistas competentes trarão o seu trabalho a nossa cidade.
MSc.Vagner Vargas
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terça-feira, 15 de junho de 2010

Turn Off the Play, Theater Was Over!

Talvez este seja um dos textos mais difíceis, ou mais fáceis que já enfrentei. A explicação para este fato está contida na crítica que tecerei ao espetáculo Play – Sobre Sexo, Mentiras e Videotape, apresentado no Teatro Guarany, na gélida noite de 13 de Junho de 2010. Esta peça é uma adaptação do Filme Sexo, Mentiras e Videotape de Steven Soderbergh (1999), feita pelo ator Rodrigo Nogueira.

Para não entrar de sola na adaptação teatral, gostaria de postar algumas palavras sobre o Teatro Guarany, de propriedade da família Fetter, o único em funcionamento na cidade, já que o Prefeito Adolfo Fetter Júnior autorizou o fechamento do Teatro Sete de Abril para reformas ainda não iniciadas. Além disso, o Teatro do Círculo Operário Pelotense (COP) também está com suas portas fechadas, visto que não dispõe de condições técnicas mínimas para que uma produção teatral seja apresentada em suas dependências. Devido a isso, as peças de teatro que são delineadas para apresentações em palco italiano contam com apenas um local disponível para este fim em Pelotas: o Teatro Guarany. Apesar de cobrar um aluguel altíssimo por uma noite de apresentações, o Teatro Guarany não dispõe de equipamentos de sonoplastia e iluminação próprios, fazendo com que os grupos de teatro, ou a produção local, contrate serviços de outras empresas, para que a casa de espetáculos possua condições de receber um evento teatral nestes moldes. Além deste fato, não posso deixar de comentar que os assentos do teatro não serem nem um pouco confortáveis, são barulhentos e muito próximos uns dos outros, fazendo com que o público fique apertado em uma plateia lotada de cadeiras. Obviamente, por se tratar de um prédio histórico, o Teatro Guarany não foi construído tendo em mente um projeto de calefação ou climatização interna. Entretanto, este quesito deveria ser abordado, caso ocorram reformas naquele prédio, pois, neste dia a temperatura estava abaixo de 10°C e a sensação térmica dentro do teatro se comparava quase a uma geladeira. Mesmo assim, boa parte do público presente aguentou até o final da apresentação.

A capacidade de lotação do Teatro Guarany supera os mil espectadores. Porém, foi possível observar que havia uma plateia cheia, mas não lotada e camarotes vazios. Esta constatação me fez refletir sobre o valor do ingresso cobrado pelo contratante local e o tipo de teatro que as empresas contratantes escolhem para ser apresentado em Pelotas. Mesmo com uma proposta de facilidade de aquisição de ingressos para os comerciários locais, observei uma plateia não condizente com a quantidade de trabalhadores do comércio local que poderiam estar presentes neste evento. Talvez, por se tratar de uma peça com atores de novela, o que já traria por si só um pré-julgamento do público à cerca da aproximação de linguagens entre a televisiva e a teatral, tenha influído na decisão dos pelotenses em pagar um ingresso caro para assisti-los ou permanecer confortavelmente em suas residências, ligar a TV e acompanhar algo semelhante, de forma gratuita. Ou, ainda melhor, assistir algo que pudesse ter nem que fosse um pouco de qualidade artística. Como ator, sempre preferi uma plateia cheia de espectadores, a um teatro imenso e vazio. Refiro isto, pois, um espetáculo deste tipo, quando vem a Pelotas, já sai com seu contrato fechado do centro do país, não dependendo do lucro das bilheterias locais. Por este motivo, acredito que, se não havia necessidade de lucro do borderô pelos artistas, a empresa contratante, deveria ter disponibilizado mais cortesias aos estudantes de teatro, dança e das artes em geral desta cidade, visto que este é o seu foco de aprimoramento profissional. Mesmo que houvesse ocorrido um sucesso de público, a distribuição de cortesias não iria afetar aos lucros do borderô, nem muito menos superlotar o teatro.

Como o Teatro Guarany não dispõe de equipamentos de luz próprio, foi utilizado um sistema de montagem de luz que prejudicou o espetáculo em questão, pois haviam estruturas de torres de iluminação, comumente utilizadas em shows musicais e que não funcionaram para esta montagem teatral. A iluminação do espetáculo pecou em vários quesitos. Acredito até que o espetáculo deva ter um plano de luz adequado a sua proposta e talvez bem estruturado. Mas, me atenho a comentar o que foi apresentado. O técnico de luz do espetáculo não soube afinar a luz, nem se adaptar aos materiais de que dispunha, optou apenas por iluminar as cenas. Porém, iluminou mal, já que a luz estava extremamente vazada, chapada, sem nuances, refletindo na estrutura metálica das torres. Em certo momento, abriram dois focos de cor lilás ao fundo, sem a menor relação com a cena que estava ocorrendo. Pareceu-me que o iluminador, resolveu testar uma possibilidade cromática fora de contexto. Além disso, o espetáculo contava com uma excessiva utilização do recurso de Black out, quebrando o ritmo das cenas – que já era fraco – e totalmente fora de propósito. Esta opção de direção foi muito equivocada, pois, a cada momento de escurecimento o espetáculo perdia mais o seu ritmo e não se justificava o uso desta ferramenta, visto que, em algumas cenas os atores faziam trocas de cenários às claras, enquanto algum fato se desenrolava.

Outro fator irritante à plateia foi o ruído das caixas de som, localizadas à frente do palco que atrapalhavam a escuta das falavas dos atores. Apesar dos atores terem optado pela não utilização de microfones durante suas falas em palco, haviam microfones que captavam as falas nas coxias, ficando ligados durante todo o espetáculo, com um forte ruído. Realmente, o Teatro Guarany possui uma péssima acústica para apresentações teatrais que não se utilizam de microfones. Neste sentido, destaco como ponto favorável a coragem destes atores em representarem esta peça, apenas fazendo uso do seu aparelho vocal, o que por si só preconiza um esforço a mais, tendo em vista a inadequação acústica do local.

No que se refere ao trabalho dos atores, foi possível observar uma total ausência de time, tanto nas falas, quanto na condução do ritmo da peça. Falas monocórdias, inexpressivas, que mais pareciam uma imitação mal feita dos sitcoms norte-americanos. Obviamente que este tipo de montagem atende aos referenciais de sua equipe e ao molde do elenco a que se propõe. Neste sentido, por ser uma montagem comercial voltada para atrair ao público pelo nome de jovens estrelas das telenovelas, eu já fui ao teatro sem grandes expectativas, mas, sempre guardo em meu íntimo o desejo de ser surpreendido. Não foi o caso.

Havia uma total ausência de força cênica, uma direção com uma criatividade muito aquém do que o público que frequenta teatros espera. O referencial televisivo estava muito presente em todo o espetáculo e não apenas pelo fato do texto ser uma adaptação baseada em um filme, nem pelo fato dos atores terem carreiras televisivas, mas na condução de uma dramaturgia que talvez funcionasse em outras linguagens. Porém, no teatro não funcionou. Entretanto, para os estudantes de teatro e para os artistas em geral esta foi uma ótima oportunidade de também verem como se faz teatro equivocado. Acredito que o grande destaque de má atuação seja o ator Sérgio Marone, visto que não conseguiu imprimir nenhuma emoção e nenhum ritmo a nenhuma sílaba que disse, por mais que seus colegas de elenco se esforçassem em manter o ritmo do espetáculo, ele quebrava o ritmo e atrapalhava ao andamento do espetáculo.

Em contrapartida, nem tudo foi ruim neste espetáculo. Houve um momento, em que o trabalho de diálogos simultâneos de duas cenas deu um aspecto interessante à montagem. Além disso, destaco o esforço da atriz Cintia Falabella em tentar imprimir ritmo à peça e à maneira como atuou, enquanto era filmada, tendo sua imagem projetada na rotunda. Acredito que os problemas do espetáculo não se devam somente ao elenco, visto que caberia ao diretor saber tirar o que de melhor cada ator possuía e imprimir um ritmo melhor ao espetáculo. O final da peça era fraco, bobo, quase fez o público levantar e sair sem aplaudir. Entretanto, observei que nenhum expectador levantou para aplaudir, demonstrando que aqueles aplausos eram apenas em educação pelo trabalho executado pelos artistas e não pela qualidade do que foi apresentado.

Algumas coisas me fizeram refletir, após assistir a esta peça de teatro, pois a mídia local deu um imenso destaque à vinda dos artistas de novela à cidade, em especial, ao jornal impresso de maior circulação na cidade – que também pertence a mesma família proprietária do Teatro. Em face disso, penso naquelas pessoas que saíram de suas residências em um dia tão frio, na esperança de serem tocados com uma obra artística, ou até mesmo aqueles que foram pela primeira vez a um teatro. Será que, após terem assistido a um espetáculo desses, estas pessoas retornarão às plateias dos teatros? Além disso, existe algum tipo de percepção ou reflexão das pessoas que fazem a mídia local sobre o valor e o destaque que dão a produtos massificados de uma cultura descartável?

Desta forma, termino este texto esperando que espetáculos com qualidade artística capaz de tocar aos espectadores possam ter o mesmo tipo de destaque na mídia local que os frutos televisivos têm quando aqui desembarcam. Tudo bem que a emoção do público ou a gargalhada sincera não renderão tantos comentários nos tradicionais salões pelotenses, como as fotos que sairão nas colunas sociais ao lado das estrelas “globais”, mas os espaços midiáticos deveriam ser mais democráticos, inteligentes e menos alienados.

MSc.Vagner Vargas
DRTAtor – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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