terça-feira, 27 de julho de 2010

Smashing Hugs

Na gélida noite do dia 17 de julho de 2010, o Grupo Purê de Batatas – Dança, Teatro e afins, de Porto Alegre, trouxe a Pelotas um espetáculo diferente das propostas comumente representadas nesta cidade. Além do espetáculo, o trio Dani Boff, Heloisa Gravina e Michel Capeletti ainda ministraram um workshop intitulado: “Histórias do Corpo: Treinamento para um Abraço”.

Na verdade, a proposta que o Grupo trouxe a Pelotas tratava-se de uma performance, na qual o público era instigado a pensar sobre o afeto. Através de uma simples ação, o público chega, duas pessoas estão abraçadas e ali permanecem. Ao longo do tempo, seus corpos vão se ajustando, desvelando novas formas de permanecerem em contato e ainda abraçadas. Paralelamente, algumas imagens, de outras intervenções do Grupo em espaços abertos, eram projetadas em diferentes locais da Sala Preta – uma pequena sala de aula da Faculdade de Teatro da Universidade Federal de Pelotas com estrutura que remete a um pequeno teatro – já que as salas de espetáculo desaparecem a cada dia nesta cidade. Desta forma, os espectadores eram convidados a repensar as possibilidades cênicas daquele espaço. Enquanto isso, as duas performers permaneciam abraçadas.

O engraçado desta intervenção foi perceber como o simples ato de observar duas pessoas abraçadas pudesse desassossegar tanto ao público. Reparo nisso, não apenas pelo fato de muitas pessoas não sentirem-se tocadas pelas propostas de arte contemporânea, ou de boa parte dos espectadores pelotenses ainda deslocarem-se de suas residências com destino a um evento teatral almejando que ele esteja nos moldes daqueles do século XIX, mas foi possível perceber como uma simples ação pode promover tantas reações no público. Talvez o fato de duas mulheres estarem abraçadas incomodou alguns presentes que não conseguiam ter seus olhos mais abertos à fruição de uma proposta artística. No entanto, com o passar do tempo, as visões (pre)conceituosas se esvaiam e surgia um vazio, uma vez que estes espectadores deveriam repensar seus conceitos para, pelo menos, conseguirem perceber o que se passava a sua volta.

Neste sentido, a experiência de sentar-se confortavelmente em uma cadeira para ficar observando duas pessoas abraçadas, possivelmente, levou todos a refletirem sobre este gesto no mundo atual. O fato daquela noite estar chuvosa, com temperatura próxima aos 0oC, já convidava todos a desejarem um abraço com o objetivo primário de melhoria da sensação térmica. Porém, a discussão aqui não é tão simplista, uma vez que, num mundo contemporâneo, cada vez mais individualista e virtual, o afeto, o toque e o abraço tornaram-se manifestações raras. Desta forma, ficar sentado observando duas pessoas abraçadas, com o passar dos minutos, nos faz avançar e repensar várias coisas em nossas, vidas, até mesmo porque, ao mudarem de posição, o abraço nos remetia a uma impressão nova, passível de reflexão sobre acontecimentos do cotidiano. O toque interpessoal quase não existe nos dias atuais em que webcams, mouses e teclados perfazem muitos tipos de contatos pessoais. Será que com o passar dos tempos teremos que ir a uma galeria de arte para sabermos o que é um abraço? Uma das propostas do Grupo é tratar o abraço como um pequeno ato terrorista e, realmente, ele cumpre esta missão, já que visualizar duas pessoas abraçadas pode servir de provocação para um enfrentamento do terror que é o desconhecimento do ato de ter dois corpos unidos, com seus braços entrelaçados.

Bom, antes de terminar, não posso deixar de tecer alguns elogios ao desempenho da iluminadora do Purê de Batatas por, com tão poucos recursos, ter conseguido criar todos os climas e atmosferas de iluminação que estavam em consonância com a proposta de performance. Com muita criatividade, força de vontade e a sensibilidade de um olhar feminino, ela conseguiu compor uma dramaturgia de iluminação orgânica com o trabalho das atrizes-dançarinas.

Portanto, finalizo este comentário ressaltando a necessidade de outras propostas artísticas nesta cidade que dialoguem com outras formas de expressão, reverberando na intertextualidade derivada da intersecção das mais diversas linguagens artísticas. Além disso, congratulo o Grupo porto alegrense por nos propiciar a experiência de refletir sobre o fato de que, ao esmagar abraços, esmagam-se padrões de conceitos e abrem-se as janelas para reflexões sobre o afeto em uma sociedade contemporânea tão apartada de sentimentos.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
www.ccetp.blogspot.com
vagnervarg@yahoo.com.br

Mostrando Para o Futuro


Com o intuito de mostrarem os processos desenvolvidos nas salas de aula da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), as Faculdades de Teatro, Dança e Música uniram-se, de 12 à 17 de Julho de 2010, para apresentarem os trabalhos desenvolvidos pelos seus alunos. Numa das semanas mais frias do ano, registrando temperaturas negativas em diversas partes do estado, os estudantes destes cursos esforçaram-se ao máximo para levarem o calor do aprendizado de suas artes para um público fiel e resistente às condições climáticas.

Apesar da UFPEL não dispor de salas de apresentação climatizadas, confortáveis para seus estudantes e público em geral, o local utilizado para a I Mostra Cena & Som foi a Sala Preta – uma das salas de aula da Faculdade de Teatro-Dança – já que, neste local, ocorrem muitas das aulas teóricas e práticas destes cursos. Assim, o público presente também pôde conferir as condições estruturais de que os estudantes universitários dispõem para o seu aprendizado. Recentemente, a Universidade adquiriu o prédio da antiga AABB, alocando aulas destes cursos naquele local. Entretanto, o fato da AABB não dispor de condições mínimas de higiene e estrutura para a realização de apresentações artísticas, inviabilizou a execução da Mostra nas suas dependências. Além disso, devido a algumas questões burocráticas e judiciais, a Universidade encontrava-se com problemas relacionados à iluminação do local e à utilização da sauna do antigo clube por parte de alguns ex-sócios, o que acarretava, também, em problemas com o fornecimento de água para o prédio. Devido a isso e outras questões, acredito que a Mostra tenha sido realizada na Sala Preta, uma sala pequena, na qual foram retiradas as cadeiras para que o público presente pudesse acomodar-se em colchonetes no chão e assistir às apresentações dos estudantes em dias que o frio do inverno gaúcho se fez mais do que presente.
Logo de início, a idéia da Mostra aterrorizou alguns alunos, pois já há algumas semanas não dispunham de local para a realização das suas aulas práticas, nem para ensaios, visto que o prédio da antiga AABB ainda continuava às escuras. Porém, com muito esforço de todos estudantes, funcionários e muitos professores que chegaram a levar suas turmas para ensaios em suas residências, os trabalhos conseguiram chegar em condições de mostrar os processos desempenhados nas salas de aula da universidade. Além disso, apesar do frio, muitos estudantes encararam ensaios nos finais de semana, madrugadas e nos mais diferenciados horários para recuperarem o tempo perdido com a impossibilidade de utilização do prédio da AABB. Mais uma vez se pôde observar o esforço dos artistas para levarem o fruto do seu trabalho para o público. No entanto, cabe aqui fazermos uma reflexão. Sempre costumamos ouvir notícias sobre as dificuldades e os esforços que os artistas fazem para executarem o seu trabalho, mas até quando teremos que contar apenas com a falta de estrutura e a força de vontade? Já não está mais do que na hora dos artistas e estudantes dos cursos de artes em geral exigirem condições estruturais mínimas para o desempenho dos seus trabalhos?

Sim, questiono isso, pois arte também se constitui como setor empregatício, atividade profissional e força de trabalho, como quaisquer outras atividades profissionais. Neste sentido, observo que a cidade de Pelotas ainda respira o saudosismo de uma época em que era uma referência em pólo cultural no estado, porém a realidade atual nos mostra que o Governo Municipal, assim como outros setores não dispõem de projetos concretos para viabilizar a execução do trabalho dos artistas na cidade. Além desta situação, também não encontro respostas concretas para o fato de, constantemente, ler na imprensa local que a UFPEL adquire tantos prédios, recebe tantos investimentos e os alunos destes cursos permanecem carecendo de salas de aula e estrutura técnica para realizarem sua formação acadêmica em condições dignas de qualidade de ensino. Todavia, não basta somente levantarmos reflexões e indignações teóricas mantidas dentro das salas de aula, seria necessário que outras pessoas direta ou indiretamente afetadas por esta questão também demonstrem publicamente seus posicionamentos. Mas, para que isto ocorra é necessário ter coragem para expor o seu ponto de vista. Será que os envolvidos têm? A postura de muitos é ficar comodamente observando distanciadamente, enquanto alguns se expõem. No entanto, quando existem ganhos, todos são beneficiados. Alfineto aqui todos aqueles corajosos para que tenham mais coragem ainda em apontar os covardes que se escondem nos comentários esquivos, politicamente corretos, sem posicionamentos, ou seja, aqueles que “preferem não se envolver”, “acreditar que tudo é um processo”, que “um dia as coisas melhoram” e etc..., para que todos saibam quem luta por melhores condições de trabalho e ensino e aqueles que apenas vão se beneficiando dos esforços dos outros.

Uma grata surpresa a todos os presentes foi a participação dos alunos da Faculdade de Música, pois, apesar de Música, Teatro e Dança estarem intimamente ligados, o intercâmbio entre os alunos destes cursos costumam ser escassos. Entretanto, as apresentações musicais brindaram a todos com momentos de profundo lirismo, trazendo os mais variados repertórios de músicas eruditas e populares muito bem executadas. Além disso, acredito que o fato de ser um evento ligado às Faculdades de Teatro e Dança propiciou uma maior tranqüilidade aos estudantes de música, visto que demonstravam estarem muito satisfeitos em mostrarem os seus trabalhos para uma platéia que não tem as formalidades, nem a rigidez de outros locais onde os estudantes de música costumam apresentar seus concertos e recitais. Neste sentido, destaco o ponto positivo de suas apresentações, ao tentarem promover movimentações cênicas e a criação de um ambiente diferenciado onde suas músicas eram executadas. Uma das performances que me chamou muito atenção foi quando os flautistas iniciaram sua apresentação totalmente no escuro, fazendo com que os espectadores pudessem apenas ouvir e sentir a música se manifestar naquele local. O grande resultado deste intercâmbio, acredito eu, que tenham sido as discussões geradas a cada noite. Inclusive, em uma delas, uma professora do curso de Dança, ao falar das Artes Cênicas, corrigiu a todos que a música, assim, como o teatro e a dança, compõem este grande eixo. Somente este discurso foi necessário para suscitar a reflexão em muitos profissionais da música sobre a sua inclusão nas artes cênicas, já que a separação entre estas três áreas é uma realidade constituída apenas no ocidente. Mas, acredito que este evento serviu para estreitar os laços entre as produções destes cursos e espero que os resultados futuros tenham cada vez mais o intercâmbio e a intersecção entre estas áreas.
No entanto, nem tudo são flores. Infelizmente, terei que comentar sobre o comportamento dos estudantes dos outros cursos durante as performances de música. Obviamente, que nem todos os ouvidos estão acostumados a escutar Bach, Schubert e harmonias mais elaboradas. Vivemos em uma sociedade de mídias massificadas, onde arranjos pobres, de melodias simplistas e letras alienantes dominam os meios de comunicação através de seus pagodes, funks, ritmos nordestinos da moda, regionalismos preconceituosos, sertanejos e outras músicas com mais barulho do que melodias. Porém, cabe à população em geral buscar subsídios para que possam permitir aos seus ouvidos conhecer outras possibilidades musicais constituídas de maneira mais elaborada. Neste sentido, informo que o momento em que os músicos buscam realizar as últimas afinações de seus instrumentos, devem ser de silêncio, para que o burburinho e as conversas da platéia não atrapalhem o seu trabalho. Além disso, percebo o quão difícil é para os ouvidos e cérebros alienados ter a possibilidade de ampliar seus horizontes, mas, mesmo assim, se ainda não é o momento de ser tocado por estas novas possibilidades, devemos ter o respeito mínimo pelo trabalho dos demais. Este fato merece destaque, sobretudo, em cursos de artes, uma vez que os artistas e estudantes de artes devem estar sempre em busca de ampliarem seus horizontes, trabalharem suas sensibilidades e compreenderem as outras formas de manifestação artística. Por outro lado, também saliento que os estudantes de música devem buscar subsídios artísticos em outras áreas de expressão, para que o fruto do seu trabalho possa ser constituído enquanto arte – a música – e não meramente uma variante da matemática melódica. O contato com os artistas de da dança e do teatro podem possibilitar-lhes novas percepções, desde que se permitam esta experiência, visto que música não é somente mecânica e matemática. Para que se torne arte, necessita de algo a mais e, para tanto, é necessário que alguns conceitos pré-estabelecidos se abram às percepções de outras manifestações artísticas, com o intuito de trazer a sensibilidade como catalisador de seu trabalho. Para uma boa execução, a mecânica e a matemática bastam. Mas, para que se crie arte através da música, precisamos trabalhar mais a nossa sensibilidade.
No que se refere aos processos apresentados pela Faculdade de Teatro, foi possível observar uma grande variedade de trabalhos, com um envolvimento de muitos alunos. Entretanto, este contingente estava muito aquém do montante de estudantes destes cursos, o que transpareceu aos desavisados que, muitos dos jovens que ali não se fizeram presentes, nem como platéia, não significam o fato de que o aprendizado também se dá quando somos platéia e não somente quando os refletores estão voltados ao foco das nossas vaidades, ou ignorâncias. Todavia, precisamos ter em mente que o espaço de tempo de apenas uma semana pretendia mostrar, de maneira resumida, todas as possibilidades de produção que são desenvolvidas ao longo do curso. Para aqueles presentes que desejavam saber quais são os processos estudados durante uma Graduação em Teatro, foi uma oportunidade ímpar, uma vez que, ao logo daqueles dias, praticamente todas as disciplinas mostraram alguns de seus trabalhos. Além disso, este evento propiciou à comunidade em geral a possibilidade de visualizarem todo o trabalho que o fazer teatral envolve em suas mais diversas áreas de atuação, sejam elas na sua inserção dentro da educação, prática cênica, técnicas de trabalho de ator, dramatúrgicas, estéticas e etc... Este tipo de oportunidade é muito importante para desfazer o mito da espetacularização tão instaurado em alguns centros educacionais, nos quais o objetivo primordial do teatro seria apenas o de realizar montagens espetaculares em certas datas comemorativas. Não quero dizer com isso que a espetacularização não tenha o seu valor, pois, para aqueles que desejarem seguir a carreira profissional relacionada à arte da representação, direção ou da técnica envolvida nas montagens teatrais, os espetáculos serão o seu meio de subsistência. No entanto, precisamos ter em mente que teatro não necessita de um prédio teatral para que o seu evento ocorra, nem que a montagem de um espetáculo seja a maior de suas reflexões. Ao pensarmos no teatro inserido em ambientes educacionais, o processo desenvolvido através das diversas práticas teatrais assume um caráter mais importante. Deste modo, acredito que esta Mostra serviu para que muitas pessoas pudessem ter uma visão mais ampla das diversas áreas de atuação em que o profissional do teatro pode estar inserido, de todos os processos que ele desenvolve durante o seu trabalho e quem nem sempre são visíveis em montagens de espetáculos de teatro.
Alguns dos muitos momentos agradáveis durante aquela semana foram as apresentações dos trabalhos dos alunos da Faculdade de Dança. Com propostas muito em sintonia com as discussões contemporâneas de dança, estes estudantes mostraram que seus estudos compreendem a dança e o movimento dentro de um contexto atual, não mais atrelado às significações normatizadas da dança antiga. A cada exercício apresentado, percebíamos um trabalho de estudo corporal com um claro objetivo de aprofundar o conhecimento do seu objeto de trabalho – o corpo – para que, na sua relação com o espaço e com os demais e vice-versa, através de outra ótica de movimento, a mensagem, o sentimento e arte pudessem fruir, no intuito de instigar a reflexão no espectador e possibilitar o desenvolvimento artístico destes estudantes. Neste prisma, as diferenças técnicas prévias entre alguns estudantes se esvaem, dissipam-se, pois a generosidade do trabalho em grupo, exemplificava algo maior: o mergulho que cada um deles estava fazendo em si. Deste modo, o que víamos em cena era um show de espontaneidade, verdade cênica, disponibilidade, entrega, vontade de aprender, experimentar e experienciar, sem soberba. Além disso, ainda destaco a coragem e forma inteligente que alguns estudantes utilizaram para protestar contra as condições estruturais que a universidade não oferece ao seu curso. Mesmo durante um apresentação, alguns estudantes mostraram o seu senso crítico em relação a sua formação acadêmica. Espero que este fato sirva de exemplo para que estudantes de outros cursos abandonem o cômodo ostracismo da alienação em que se encontram.
Todavia, um fato peculiar me chamou muito a atenção durante toda a semana: alguns alunos dos outros cursos, ao invés de buscarem uma sintonia com a apresentação dos trabalhos de dança, perdiam o seu tempo em tecer comentários típicos de pessoas que ignoram o fazer artístico além daquilo que visualizam através dos slides projetados nas paredes de suas salas de aula. Talvez esta falta de educação de alguns alunos possa se dar devido ao fato de recém estarem entrando em contato com autores como Jerzy Grotowski, Vsevolod Meyerhold, Eugenio Barba, Antonin Arteau, dentre outros, e, devido a este contato tão recente, talvez suas leituras ainda estejam descontextualizadas e muito aquém de uma significação mais aprofundada das bases teórico-práticas sugeridas por estes pesquisadores. Assim, equivocadamente, muitos acreditam que o qualificar-se como artista preconiza a permanência de oito horas por dia trancados dentro de uma sala pulando e gritando freneticamente – o que, numa visão superficial, apenas os faz queimarem calorias e ficarem roucos. Percebam aqui que quem comenta este fato já bebeu e embasa até o hoje o cerne de suas pesquisas técnicas nestes e em outros autores. Ademais, quem tece estes comentários é um profundo defensor de uma rotina extensa de trabalhos técnicos para atores. Entretanto, a diferença reside no fato de possuir uma abertura maior à compreensão de outras possibilidades artísticas, mas, principalmente, ao respeito pelo trabalho dos outros profissionais da arte. Porém, acredito que esta última lição alguns estudantes ainda não aprenderam e, muito pelo contrário, já exercitam a soberba equivocada de quem detém uma verdade sobre um certo tipo de conhecimento. Quiçá a maturidade os faça perceberem seus equívocos conceituais e o tamanho de suas perdas ao não se permitirem ser tocados por outras formas de expressão artística, em detrimento de deboches infantis. Destacando que a soberba é uma peculiaridade da ignorância e associada à incompetência.
Tendo em vista a diversidade de expressões artísticas contemporâneas, senti muita falta de trabalhos dos alunos da Faculdade de Artes Visuais e Cinema inseridos no contexto desta mostra. Não somente trabalhos relacionados à performance, mas às outras poéticas de expressão estéticas pertinentes às artes visuais e ao cinema poderiam fornecer excelentes subsídios fomentadores de discussões entre estudantes, professores e público em geral. Os motivos pelos quais não permitiram este intercâmbio com as artes visuais, agora, não são relevantes, mas devem permanecer em voga, para que os maiores beneficiados com este tipo de evento – os estudantes – possam desfrutar de elementos que forneçam uma visão mais ampla para sua formação educacional.
Portanto, ao me aproximar do término deste texto, em primeiro lugar, gostaria de pedir desculpas a todos por ter me estendido no assunto. Mas, não podia fazê-lo de maneira superficial ao comentar uma semana inteira de múltiplas atividades a cada noite. No entanto, preciso fazer um desabafo expondo o meu descontentamento com o posicionamento de algumas pessoas sobre a formação artística universitária. Não, não sou da turma do “Uhul”, “tudo é muito bonito”, “acho tudo muito legal”, “o que vale é a festa”, “o importante é só o processo”, “tudo é aprendizado”, “com o tempo se constrói”. Não, não tenho uma visão positiva – leiam isso como um comentário pejorativo da minha parte. Tudo bem, concordo que este meu texto seja demasiado ácido, duro, seco e rígido, pois estas são características da minha personalidade. Entretanto, me exponho publicamente, através destes escritos, de maneira tão rude, devido ao fato de ter muito respeito pela arte e por ser conhecedor de todas as dificuldades e desafios que os verdadeiros artistas enfrentam para fazerem, do fruto de seu trabalho, arte. Neste sentido, ter uma visão meramente “positivinha” seria menosprezar o “ser artista”, seria simplificar a arte ao nível de uma tarefa passível de qualquer um executá-la. Porém, não entendam que cito isso para designar os artistas como pessoas escolhidas por um dom ou um ser celestial, ou como pessoas acima do plano de existência. Refiro isto, pois muitas vezes as simplificações e as visões “positivinhas” nos impregnam de uma imagem pejorativa ante à sociedade. Imagem na qual qualquer um pode ser artista, qualquer coisa é arte. No entanto, se assim o for, para que necessitamos de tanto preparo e estudo?
Deste modo, convoco aqui a todos os corajosos, todos aqueles que realmente dão valor à arte para que unam os seus brados com o objetivo de apontarem os equívocos, erros e desrespeitos que muitos incompetentes e alienados se utilizam para se manterem ocupando espaços onde pessoas mais capacitadas poderiam estar propiciando melhores contribuições à sociedade. Porém, não se deixem abater, pois o comportamento típico dos covardes, fracos e incapazes é se unir no silêncio, nos hiatos, nas sombras para criar o imaginário de uma força meramente virtual, mas que pode tentar intimidar àqueles que ainda têm voz. Gritem!

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Uma Noite com Rosa


Na edição recente do Projeto Cena Literária, dia 29 de junho de 2010, o Grupo Teatro Escola de Pelotas (TEP) apresentou uma adaptação dos contos Esses Lopes e Sinhá Secada de autoria do escritor mineiro Guimarães Rosa. Com direção/atuação de Bartira Franco e Fabrício Ghomes, remanescentes do TEP original, o fim de tarde daquela terça-feira esteve na medida certa de que a obra deste escritor merece em montagens teatrais.

Não posso deixar de começar este texto elogiando à concepção visual das esquetes. Havia nitidamente uma proposta bem embasada e bem executada, com o intuito de fornecer uma identidade visual ao contexto em que as histórias eram contadas. Tanto Bartira, quanto Fabrício tem um alarga experiência em concepção de figurinos e cenários sempre muito adequados às histórias a que se destinam. Neste dia, não foi diferente. A paleta de cores escolhida mostrava variações consonantes desde à maquiagem até às opções cromáticas de iluminação. Além disso, os tecidos utilizados foram muito bem tratados com o objetivo de mostrar a aridez do ambiente vivido pelas personagens. Nada estava ali de forma gratuita. Todos os elementos eram funcionais para que os atores pudessem criar a noção de ambiente onde as histórias estavam ocorrendo. Esta proposta de visagismo serve de exemplo para mostrar aos demais que existe um grande abismo entre figurinos, fantasias e vestimentas do dia-a-dia. Apesar de Bartira ter sido a carnavalesca responsável pela escola de samba vitoriosa no último carnaval, a sua formação é teatral e ela consegue muito bem transitar por todas as linguagens, sempre de maneira muito apropriada ao contexto em que está inserida. Obviamente que, para quem conhece o trabalho do TEP, sabe que este trabalho não é solitário, pois há uma grande sintonia, não apenas em cena, mas também na concepção e execução das identidades visuais dos seus espetáculos com o amplo apoio do Fabrício Ghomes que, além de ator, também é bacharel em artes visuais.

A adaptação dos textos para a linguagem dramática foi feita por Valter Sobreiro Júnior, muito bem executada e com a maestria com que o Valter costuma sempre tratar aos seus textos. Infelizmente, não costumamos ter o prazer em assistir a muitas montagens teatrais de textos do Valter Sobreiro. Comento isso, pois este escritor possui uma obra literária para o teatro de grande qualidade. Lamentavelmente, ela costuma ficar nas prateleiras das estantes. Para quem pôde conhecer a produção teatral de Pelotas nas décadas de 80 e 90, lembra que as montagens dos espetáculos de teatro do TEP, com textos assinados por Valter Sobreiro, já imprimiam uma qualidade literária que valia à pena de serem assistidos. Com a decadência das políticas culturais no início desta década, as produções teatrais do TEP começaram a enfrentar grandes dificuldades, assim como todos os grupos de teatro de Pelotas. Muitos artistas da cidade foram embora, em busca de oportunidades melhores, ou mudaram suas áreas de atuação, visto que o mercado de trabalho cultural havia se fechado na cidade. Poucos sobreviveram e resistiram a todas as adversidades que surgiram ao longo desta última década. Muitas foram as dificuldades, quando tudo parecia impossível, morto e acabado, alguns seguiram levantando às bandeiras do teatro, esticando o tapete para fazê-lo de palco e utilizando a sua própria luz para iluminar à cena, já que todo o resto não havia, dentre estes, não posso deixar de destacar dois nomes: Bartira Franco e Fabrício Ghomes.

Nesta montagem, a opção de atuação dos atores foi realista, apesar de Bartira se revezar entre vários personagens, com faixas etárias diferentes. O que ficou evidente, neste dia, foi que ambos possuem uma sintonia cênica muito grande, fruto de anos de trabalho em conjunto, o que fez com que as cenas fluíssem na medida certa. As histórias dos dois contos exigiam uma construção de personagens com uma carga de subtextos muito grande. Porém, isto não foi problema para esta dupla de atores, já que transitaram por ambas histórias carregando a delicadeza e a sensibilidade que as personagens exigiam. Uma coisa que me chamou muito a atenção, pois eu estava sentado na primeira fileira, foi a maneira inteligente com que a Bartira procurava ficar no foco certo de luz, pois os recursos técnicos do local são escassos, apesar do Teatro Sete de Abril ter uma aparelhagem de sonoplastia e iluminação muito boas, penso eu que a organização deste evento tem cautela em retirar apenas alguns equipamentos do local de origem para auxiliar nas apresentações que ocorrem no bistrô da Secretaria de Cultura, visto que o Teatro está fechado. Mas, voltando aos atores, Fabrício carregou a emoção dos seus personagens, sem extravasá-la, de início ao fim, contendo-a para que ela fosse perceptível no momento em que a cena exigia. O jogo cênico entre os atores era de uma sintonia evidente, tanto que, quando Bartira saía de cena para as trocas de personagem, Fabrício seguia conduzindo a história na mesma intensidade, até a próxima entrada da sua colega de cena, que já engrenava com a mesma energia.

Como não poderia deixar de ser, no final do evento, os atores propuseram um debate sobre a obra de Guimarães Rosa com a platéia. Evidentemente que esta iniciativa partiu da Bartira Franco, pois ela é a idealizadora do projeto original do Cena Literária, o qual se utilizava de uma montagem teatral para fomentar debates do público com especialistas no tema apresentado, ou no autor que estava tendo a sua obra montada. Porém, a atual organização do evento retirou esta peculiaridade inicial e propõe apenas montagens de pequenas esquetes teatrais descontextualizadas para o público que não conhece a obra apresentada naquele momento. Em decorrência disso, apesar do incentivo dos atores, ao final da apresentação, poucos foram os comentários e questionamentos da platéia sobre o tema. Acredito que esta situação possa ter ocorrido devido ao fato do público ter perdido o hábito de se preparar para este evento já sabendo que haveria um debate no final da apresentação. Infelizmente, o público ficou tímido no debate. Mas, por outro lado, foi muito caloroso ao erguer seus aplausos aos atores no final da apresentação.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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