sexta-feira, 9 de julho de 2010

Uma Noite com Rosa


Na edição recente do Projeto Cena Literária, dia 29 de junho de 2010, o Grupo Teatro Escola de Pelotas (TEP) apresentou uma adaptação dos contos Esses Lopes e Sinhá Secada de autoria do escritor mineiro Guimarães Rosa. Com direção/atuação de Bartira Franco e Fabrício Ghomes, remanescentes do TEP original, o fim de tarde daquela terça-feira esteve na medida certa de que a obra deste escritor merece em montagens teatrais.

Não posso deixar de começar este texto elogiando à concepção visual das esquetes. Havia nitidamente uma proposta bem embasada e bem executada, com o intuito de fornecer uma identidade visual ao contexto em que as histórias eram contadas. Tanto Bartira, quanto Fabrício tem um alarga experiência em concepção de figurinos e cenários sempre muito adequados às histórias a que se destinam. Neste dia, não foi diferente. A paleta de cores escolhida mostrava variações consonantes desde à maquiagem até às opções cromáticas de iluminação. Além disso, os tecidos utilizados foram muito bem tratados com o objetivo de mostrar a aridez do ambiente vivido pelas personagens. Nada estava ali de forma gratuita. Todos os elementos eram funcionais para que os atores pudessem criar a noção de ambiente onde as histórias estavam ocorrendo. Esta proposta de visagismo serve de exemplo para mostrar aos demais que existe um grande abismo entre figurinos, fantasias e vestimentas do dia-a-dia. Apesar de Bartira ter sido a carnavalesca responsável pela escola de samba vitoriosa no último carnaval, a sua formação é teatral e ela consegue muito bem transitar por todas as linguagens, sempre de maneira muito apropriada ao contexto em que está inserida. Obviamente que, para quem conhece o trabalho do TEP, sabe que este trabalho não é solitário, pois há uma grande sintonia, não apenas em cena, mas também na concepção e execução das identidades visuais dos seus espetáculos com o amplo apoio do Fabrício Ghomes que, além de ator, também é bacharel em artes visuais.

A adaptação dos textos para a linguagem dramática foi feita por Valter Sobreiro Júnior, muito bem executada e com a maestria com que o Valter costuma sempre tratar aos seus textos. Infelizmente, não costumamos ter o prazer em assistir a muitas montagens teatrais de textos do Valter Sobreiro. Comento isso, pois este escritor possui uma obra literária para o teatro de grande qualidade. Lamentavelmente, ela costuma ficar nas prateleiras das estantes. Para quem pôde conhecer a produção teatral de Pelotas nas décadas de 80 e 90, lembra que as montagens dos espetáculos de teatro do TEP, com textos assinados por Valter Sobreiro, já imprimiam uma qualidade literária que valia à pena de serem assistidos. Com a decadência das políticas culturais no início desta década, as produções teatrais do TEP começaram a enfrentar grandes dificuldades, assim como todos os grupos de teatro de Pelotas. Muitos artistas da cidade foram embora, em busca de oportunidades melhores, ou mudaram suas áreas de atuação, visto que o mercado de trabalho cultural havia se fechado na cidade. Poucos sobreviveram e resistiram a todas as adversidades que surgiram ao longo desta última década. Muitas foram as dificuldades, quando tudo parecia impossível, morto e acabado, alguns seguiram levantando às bandeiras do teatro, esticando o tapete para fazê-lo de palco e utilizando a sua própria luz para iluminar à cena, já que todo o resto não havia, dentre estes, não posso deixar de destacar dois nomes: Bartira Franco e Fabrício Ghomes.

Nesta montagem, a opção de atuação dos atores foi realista, apesar de Bartira se revezar entre vários personagens, com faixas etárias diferentes. O que ficou evidente, neste dia, foi que ambos possuem uma sintonia cênica muito grande, fruto de anos de trabalho em conjunto, o que fez com que as cenas fluíssem na medida certa. As histórias dos dois contos exigiam uma construção de personagens com uma carga de subtextos muito grande. Porém, isto não foi problema para esta dupla de atores, já que transitaram por ambas histórias carregando a delicadeza e a sensibilidade que as personagens exigiam. Uma coisa que me chamou muito a atenção, pois eu estava sentado na primeira fileira, foi a maneira inteligente com que a Bartira procurava ficar no foco certo de luz, pois os recursos técnicos do local são escassos, apesar do Teatro Sete de Abril ter uma aparelhagem de sonoplastia e iluminação muito boas, penso eu que a organização deste evento tem cautela em retirar apenas alguns equipamentos do local de origem para auxiliar nas apresentações que ocorrem no bistrô da Secretaria de Cultura, visto que o Teatro está fechado. Mas, voltando aos atores, Fabrício carregou a emoção dos seus personagens, sem extravasá-la, de início ao fim, contendo-a para que ela fosse perceptível no momento em que a cena exigia. O jogo cênico entre os atores era de uma sintonia evidente, tanto que, quando Bartira saía de cena para as trocas de personagem, Fabrício seguia conduzindo a história na mesma intensidade, até a próxima entrada da sua colega de cena, que já engrenava com a mesma energia.

Como não poderia deixar de ser, no final do evento, os atores propuseram um debate sobre a obra de Guimarães Rosa com a platéia. Evidentemente que esta iniciativa partiu da Bartira Franco, pois ela é a idealizadora do projeto original do Cena Literária, o qual se utilizava de uma montagem teatral para fomentar debates do público com especialistas no tema apresentado, ou no autor que estava tendo a sua obra montada. Porém, a atual organização do evento retirou esta peculiaridade inicial e propõe apenas montagens de pequenas esquetes teatrais descontextualizadas para o público que não conhece a obra apresentada naquele momento. Em decorrência disso, apesar do incentivo dos atores, ao final da apresentação, poucos foram os comentários e questionamentos da platéia sobre o tema. Acredito que esta situação possa ter ocorrido devido ao fato do público ter perdido o hábito de se preparar para este evento já sabendo que haveria um debate no final da apresentação. Infelizmente, o público ficou tímido no debate. Mas, por outro lado, foi muito caloroso ao erguer seus aplausos aos atores no final da apresentação.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
www.ccetp.blogspot.com
vagnervarg@yahoo.com.br

3 comentários:

  1. Postei em Rascunho Poético ,http://prbaptista.blogspot.com/2010/07/uma-noite-no-teatro.html , um comentário na forma de crônica. Representa um tipo de olhar "externo" ou paraleto à apresentação pelo que pude observar muito correta e bem concebida.

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  2. Gostei do seu olhar "externo". Li o seu texto no seu blog. Suas considerações são muito ponderadas e vem muito a calhar nas discussões sobre a precariedade com que o teatro pelotense é tratado pelos gestores públicos.

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  3. Salve, Vagner. Gostei demais do seu texto. Demonstra conhecimento, sensibilidade e sobretudo amor ao palco, aos atores, técnicos e etc. Vê-se que não és avarento e isso é virtude, pois neste mundo - o das artes em geral - o que se vê é muita supressão de boas criticas. Não quero dizer com isso que devemos optar pela leviandade, colocando em patamar superior o que é ruim, medíocre. Refiro-me a qualidade do seu caráter, que o conduz, mediante generosa sensibilidade, "arrancar" do espetáculo o que ele tem de melhor, indicando caminhos de aprimoração. Os "arteiros" agradecem. É isso ai, amigo. Grande abraço.

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