segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Texto Alemão Trazido ao Palco pela Nova Cena Teatral Gaúcha



Na medida em que o tempo passa, além da tecnologia avançar, o modo como nos relacionamos com o mundo vai acompanhando essas alterações. Além da velocidade de informações a que somos submetidos diariamente, os valores que lhes atribuímos, geralmente, acabam sendo direcionados pelas lógicas de mercado, mídia e etc...

Um dos assuntos relacionados a isso, se refere à excessiva importância que as pessoas dão à aparência física. Obviamente que, aí está impregnada toda uma ideologia que escraviza os consumidores a sentirem-se inferiorizados por nunca atingirem um ideal de perfeição estética, tendo, assim, que vir a comprar fórmulas milagrosas, as quais lhes trarão o tão sonhado sucesso estético.

Problemáticas como essas podem ser observados no texto do escritor alemão Marius Von Mayenburg, autor da peça “O Feio”, apresentada dia 17 de agosto de 2012, no Teatro do COP, pela Ato Cia Cênica, de Porto Alegre/RS. Nesse espetáculo, o autor questiona os significados da alteridade inserida nas lógicas de mercado contemporâneo, satirizando a sociedade e refletindo sobre a individualidade funcionando como obstáculo pra se obter sucesso nos dias de hoje. Nessa trama, o protagonista recorre a uma cirurgia plástica com o intuito de mudar a sua aparência totalmente, já que os outros lhe consideravam feio. Após a cirurgia, o personagem se torna esteticamente belo aos olhos dos outros e essa “fórmula da beleza” um atrativo de lucro para o cirurgião plástico que passa a produzir “belos” em série.

O dramaturgo dessa peça costuma trabalhar juntamente com o encenador Thomas Ostemeier e suas propostas de diálogo cênico com as mais diferentes expressões artísticas. Facilmente encontrávamos influências do encenador alemão na concepção cênica da diretora Mirah Laline. O que foi apresentado no palco do Teatro do COP nos mostrava um forte trabalho de marcação de cena, com ações muito precisas, coesas dentro da proposta estética, em um ritmo extremamente acelerado. O fato do espetáculo ser conduzido em uma cadência veloz não o tornava perdido e vazio. Muito pelo contrário, mesmo com toda a velocidade de informações, a diretora conseguiu imprimir algumas nuances de ritmo durante a peça, com isso, o espectador não conseguia se afastar do que estava sendo contado, nem tampouco se sentir incomodado com o bombardeio de situações que iam ocorrendo.

Um espetáculo muito bem dirigido e concebido, assim podemos definir “O Feio”. Parte desse mérito também está reservado à sintonia cênica do elenco formado por Danuta Zaghetto, Marcelo Mertins, Paulo Roberto Farias e Rossendo Rodrigues. Não há o que se possa pontuar na atuação dos atores, a não ser elogios. O texto da peça não é fácil de ser dito, são muitas informações, com subtextos que oferecem várias possibilidades reflexivas. Para que as mensagens consigam atingir aos espectadores da maneira como se deseja, devem ser passadas num time correto e isso o elenco conseguiu de sobra. Não vou sublinhar uma ou outra performance dos atores, pois o elenco está nivelado, todos brilham ao mesmo tempo, sem haver destaques, o que propicia um espetáculo que atinge o sucesso no todo.

O trabalho que os atores levam à cena não é nada fácil. Aliás, o que vemos é fruto de um árduo e dedicado preparo físico. Não apenas no vigor e dinamismo corpóreo que o elenco mostra em cena, mas também a forma como dizem os textos. Apesar do ritmo ser acelerado, a boa dicção e a compreensão do que está sendo dito favorece o resultado estético do espetáculo. Da maneira como escrevo, essas ações podem até parecer simples, mas não o são. Para obtermos um resultado desse nível em cena, necessitamos de muito preparo, disciplina e, acima de tudo, trabalho. O elenco composto por atores bastante jovens soube utilizar a sua energia e disponibilidade para atribuir todos os adjetivos positivos que esse espetáculo merece.

Os figurinos de Marina Kerber estavam muito de acordo com a proposta estética da peça, além de contribuírem para a criação de uma identidade visual do espetáculo. Além disso, a concepção de iluminação de Lucca Simas e Luciana Tondo, esta última também responsável pela operação de luz, criou um ambiente sombrio, pesado e taciturno como a problemática do protagonista exigiria. Ademais, a maneira frenética como a luz dialoga com o ritmo corporal dos atores lhe atribui um papel essencial na concepção de dramaturgia cênica.

A trilha sonora pesquisada pela diretora Mirah Laline e operada por Manu Goulart continha várias músicas de hard rock alemão muito pertinentes ao espetáculo. Além de outras canções que dialogavam com o texto e propunham um distanciamento crítico e bem humorado em alguns momentos.

Também não posso deixar de elogiar a direção e direção de fotografia dos vídeos criados por João de Queiróz e Maurício Casiraghi, este último também responsável pela projeção deles durante o espetáculo. A projeção de vídeos vem sendo muito utilizada em alguns espetáculos contemporâneos, o que pode vir a funcionar como um colorido a mais na criação cênica. Entretanto, esse recurso deve ser usado com cautela para não ficar gratuito, ou apenas reforçando o que se está fazendo ao vivo, ele deve dialogar dinamicamente com a cena, senão perde o sentido.

Porém, a maneira como foi utilizado no espetáculo “O Feio”, estava muito adequada, foi um acerto da direção. Além do fato dos vídeos terem sido muito bem produzidos, eles ofereciam ao espectador um diálogo com o universo interno do protagonista. Não posso deixar de destacar o momento em que o personagem sente a vontade de pular do prédio. A sincronicidade entre o ator e o vídeo foi ótima, um profundo diálogo entre cinema e teatro, dando um aspecto de grande realidade, chamando muito a atenção do público que não deixou de se manifestar positivamente durante essa cena.

Portanto, considero que o espetáculo “O Feio” foi um grande presente ao público pelotense não apenas pela sua apreciação estética, mas também por vermos artistas tão jovens já despontando em um trabalho muito bem realizado. Além disso, não posso deixar de render louvores à iniciativa do SESC em oferecer ao público um panorama da produção cênica universitária do Rio Grande do Sul.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.


domingo, 19 de agosto de 2012

Transbordando Energia: A Sublime Presença Cênica de Carlos Simioni



O ato de conquistar a plateia, agarrar o espectador usando a sua sensibilidade, gerar identificação/estranheza, emocionar e encantar quem lhe assiste, é uma das tarefas mais difíceis para um ator. Muitas vezes, de maneira figurativa, as pessoas costumam dizer que o evento teatral é um momento mágico, onde os espectadores embarcam no universo imaginário criado pelos artistas da cena e vivenciam aquelas experiências como suas.

Sinestesia. Não tem outra palavra que possa me vir à cabeça, quando lembro de encontros no teatro onde transcendemos os sentidos, vamos para além da materialidade e nos entregamos às sensações. As propostas teatrais nem sempre precisam ter esse foco, uma vez que existem diversas abordagens estéticas e objetivos diferenciados em espetáculos de teatro. Acredito que todas as formas são justas, desde que coerentes. Nem todo evento precisa ser única e exclusivamente de cunho estético. Afinal de contas, teatro também pode ser apenas entretenimento. O importante é que o público vá ao teatro! Com o tempo, ampliando o seu repertório, os espectadores já conseguem dispor de uma percepção crítica abrangente, capaz de lhes propiciar criticidade e sagacidade capazes de lhes conferirem um olhar diferenciado sobre o que está sendo produzido e o que eles desejam assistir naquele momento.

Perfaço essa introdução, pois o texto a seguir estará relacionado a um tipo de trabalho muito específico em teatro, muito raro e extremamente necessário nos dias de hoje para que não deixemos a luz das grandes artes serem apagadas por uma massificação de produtos enlatados gerados pelos interesses sócio, políticos e econômicos de alguns setores da sociedade que utilizam o entretenimento como ferramenta de domínio e manutenção da opinião pública. Graças a alguns poucos grupos resistentes, essa chama da essência do teatro nunca se apagará! Não é fácil para qualquer grupo de teatro poder se dedicar à pesquisa da arte teatral, nem tão pouco se entregar às exigências do mercado comercial do entretenimento. Para isso, há que se contar com uma enorme estrutura que lhes dê suporte e condições dignas de trabalho, além de, obviamente, um talento fora do comum para todos os envolvidos no processo. Somente assim, com muito esforço, entrega, dedicação, disciplina, coragem, vocação, talento e trabalho se consegue obter o resultado de trabalhos que marcam a história do teatro mundial.

Essa referência introdutória está direcionada ao trabalho do Grupo LUME Teatro/Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais, da Universidade de Campinas/SP. Não é de hoje que o trabalho de todos os componentes desse grupo é reconhecido em diversas partes do mundo, não apenas pelos seus espetáculos e demonstrações técnicas, mas por todas as suas propostas de pesquisa, reflexões teóricas e sistematizações de metodologias de trabalho para atores.

O cerne do trabalho do LUME está no ator, se baseando em diversas fontes históricas, teóricas e práticas da arte teatral, permeadas pelas suas experiências, experimentações e descobertas, esse grupo conseguiu imprimir uma identidade específica ao seu trabalho. O reconhecimento internacional não se deu apenas pela articulação teórica de suas propostas, mas também pelo fato dos espectadores poderem perceber, constatar e sentir esses resultados em cena. Fugindo do que muitos teóricos fazem ao proporem apenas divagações sobre uma prática que não condiz com a sua teoria, o LUME se diferencia ao conseguir expor em cena toda a sua arte em extrema consonância com as suas discussões metodológicas para o preparo de atores.

Entretanto, o espectador não necessita dispor de uma série de referenciais específicos do fazer teatral quando vai assistir a um espetáculo, ele precisa ser tocado de alguma forma. As especificidades técnicas são conhecimentos restritos aos profissionais daquela área, o público vai ao teatro para viver uma experiência diferenciada do seu dia a dia, se emocionar, divertir e, se possível, refletir. Nesse sentido, o LUME consegue se destacar, uma vez que, mesmo sem conhecerem a metodologia de trabalho do elenco, os espectadores conseguem sair dos espetáculos desse grupo sensibilizados de alguma forma.

Todavia, não escrevi todos os parágrafos anteriores apenas para falar do grupo como um todo. Senti a necessidade de fazer uma contextualização, já que comentaria sobre um trabalho específico de um dos atores do LUME: Carlos Simioni. Há mais de 15 anos conheço o LUME, o que já me possibilita uma intimidade ao comentar sobre o trabalho desses artistas tão singulares e belos.

Durante a primeira semana de maio desse ano, Carlos Simioni esteve em Pelotas para ministrar um curso intitulado “Da Energia à Ação”, que trata da aplicação de algumas das técnicas desenvolvidas pelo grupo LUME ao longo das suas décadas de pesquisas teatrais. Além disso, no dia 12 de maio, Simioni apresentou, no espaço do Tablado, da Faculdade de Teatro, da Universidade Federal de Pelotas, o trabalho intitulado “Prisão Para a Liberdade”. Essa demonstração técnica aborda a trajetória das pesquisas da arte do ator, iniciada por ele, juntamente com os outros dois fundadores do LUME: Ricardo Puccetti e Luis Otávio Burnier (in memorian) e aperfeiçoada ao longo dos anos com os outros atores do grupo. Além disso, Simioni expõe alguns dos resultados de seus treinamentos e técnicas de expansão e dilatação do corpo no tempo e no espaço.

Uma das grandes buscas dos atores no palco, é pela chamada presença cênica, uma capacidade de gerar conexão, empatia e prender a atenção do espectador durante a peça de teatro. Logo de início, o carisma de Carlos Simioni conquista a todos. Porém, apenas essa qualidade não lhe garantiria todos os predicados que dispõe. Simioni é um virtuoso! Um virtuoso da cena! Um artista que conseguiu, por meio de muito trabalho e comprometimento, uma capacidade de atingir ao espectador de uma maneira impressionante.

Os privilegiados que foram assistir à demonstração técnica, numa manhã de sábado, saíram de lá impactados. Com certeza, foi uma experiência sinestésica muito forte, tocante, capaz de nos transportar para outro universo de sensações. A virtuose cênica de Simioni de nada serviria se fossem apenas aplicações de técnicas muito bem executadas. No entanto, ele consegue transcender tudo isso e gerar uma empatia com o espectador que dificilmente observamos com outros atores.

A energia de Simioni contagia a todos, nos toca, emociona e envolve. Em um determinado momento, me dei conta de que todos estávamos vidrados na sua presença, totalmente entregues à situação. Quando falamos em energia, sempre temos a noção de que é algo invisível ou imaterial. Contudo, nesse dia, a experiência nos levou a outro patamar sensorial, podíamos sentir a energia de Simioni, sermos envolvidos por ela e, claro, sermos totalmente conduzidos por ele àquele universo cênico. Conseguíamos sentir a energia dele nos tocando, sentir o que ele estava sentindo e nos deixar levar pelo prazer de uma experiência singular e rara nos dias de hoje: a comunhão com a arte.

 Um grande artista. Assim pode ser definido Carlos Simioni, um atleta afetivo, um virtuoso da cena, um ser humano especial, capaz de, com sua generosidade, doar suas emoções aos espectadores com uma grande intensidade. Mas, não apenas isso. Ele não se conforma com isso. Por esse motivo, passa à diante suas técnicas e orientações de trabalho para que outros atores possam vivenciar em cena experiências únicas e belas!

Portanto, considero que os espectadores saíram de “Prisão Para a Liberdade” muito tocados e felizes por terem tido a oportunidade de chegar tão perto de um artista raro nos dias de hoje. Após esse contato, surgiu a reflexão de que Pelotas está precisando do LUME! Esse grupo que já veio diversas vezes à cidade, precisa voltar, trazer seus trabalhos, demonstrações técnicas e cursos não apenas para os artistas locais, mas para todo o público em geral. Deixo aqui o meu pedido aos governantes e às instituições comprometidas com a cultura para que tragam os trabalhos do Grupo LUME  a Pelotas novamente.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Ensaio Sobre a Repetição



Em uma perspectiva de mundo contemporâneo, repleto de informações múltiplas e simultâneas, muitas vezes o ser humano se vê perdido nesse meio, ou passa a somatizar esses problemas, revertendo-os em transtornos psicofísicos. A rotina sem questionamentos e criticidade pode levar as pessoas a uma automatização do seu dia a dia. Entretanto, havendo a percepção da repetibilidade factual diária, o indivíduo necessita de força, disposição, coragem e boa vontade para mudar os acontecimentos de sua vida.

Situações relacionadas a essas temáticas foram expostas no espetáculo “Ensaio Sobre a Repetição”, apresentado no dia 17 de julho de 2012, na Bibliotheca Pública Pelotense, pelo Grupo Barraquatro, de Porto Alegre/RS. Com direção de Júlia Rodrigues, trilha sonora executada ao vivo por Rodrigo Pereira, Tomás Dornelles Piccinini, Ettore Sanfelice e, no elenco, Sofia Vilasboas e Carolina Pommer, a peça conta com uma dramaturgia elaborada a partir de improvisações relacionadas a histórias pessoais das atrizes e fragmentos de textos de Fernando Pessoa, Sarah Kane e Gabriel Garcia Marquez.

A peça reflete sobre padrões de aprendizado, comportamento, suas reprodutibilidades, hábitos cotidianos e relações sociais. A maneira como o texto é conduzido nos leva a ponderar sobre qual a singularidade ou autoria dos nossos atos em sociedade. Seriam eles originais ou meras repetições? Muito embora se possa fazer esse tipo de leitura sobre a proposta do grupo, ela não fica evidentemente ilustrada no espetáculo, já que, por vezes, a dramaturgia fragmentada em demasia, pode desviar a atenção do espectador para o excesso de ações cênicas.

O fato de a direção ter optado por uma repetição de partituras de ações que se prolongam durante o espetáculo, utilizando garrafas como elementos que constroem o espaço cênico, foi um bom achado. Essa peculiaridade, trazia à tona um caráter neurastênico às personagens e não muito distante de alguns comportamentos sociais comumente observados nos dias de hoje. Além de oferecer uma perspectiva estética diferenciada, as garrafas ajudam a compor a “colcha de retalhos” que compõe o espetáculo.

A trilha sonora executada ao vivo se mostrou como um fator agregador positivo ao resultado do trabalho. Os músicos intervinham nos momentos corretos, totalmente concentrados no que estava sendo contado em cena. Além disso, a trilha favoreceu muito a comunicação entre a proposta estética, trabalho corporal das atrizes e sua relação com os espectadores.

As duas atrizes, apesar de bem jovens, conseguiam segurar a história, imprimindo-lhe ritmo, empatia e diálogo com os espectadores. Fica bem claro que o grupo realiza um trabalho com embasamento em alguma das vertentes do teatro físico, uma vez que, se as atrizes não dispusessem dessa formação, não conseguiriam imprimir o vigor técnico que levam para a cena. O frescor da juventude e da imaturidade cênica conseguem funcionar com combustível para mostrar aos espectadores a felicidade, força, garra e vontade que todos aqueles jovens artistas estão tendo em levar essa história até o contato com o público.

Porém,  faltou profundidade na abordagem das temáticas apresentadas pela maneira como a dramaturgia estava disposta. Essa qualidade não é uma característica que os bancos acadêmicos, livros e cursos nos trazem por si só. Eles nos servem como repertório, mas a maturidade cênica e de vida, como um todo, nos propiciam outras percepções e significados sobre cada palavra que estamos dizendo no palco e isso transparece ao espectador com muita intensidade.

Portanto, gostaria de deixar como último registro a felicidade de assistir a esse espetáculo em um espaço tão belo, como a Bibliotheca Pública Pelotense. Além de estarmos inseridos num espaço histórico, o local oferece plenas condições para que espetáculos de teatro, dança, música e performance possam ser ali apresentados. Ademais, também acredito que esse possa ser um meio para fazer com que o público pelotense volte a frequentar a sua biblioteca pública, não apenas como um espaço de leitura e pesquisa, mas como um centro cultural capaz de abrigar as mais diferentes formas de expressão artística.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.





sábado, 18 de agosto de 2012

Teatro Canadense por Brasileiros



Mesmo com o Brasil tendo uma enorme quantidade de excelentes obras dramatúrgicas, a montagem de peças de autores estrangeiros além de trazer um novo colorido à cena teatral, amplia o repertório literário dos espectadores para além de suas fronteiras. Recentemente, uma série de espetáculos tem trazido textos canadenses aos palcos brasileiros, possibilitando um contato mais próximo com as temáticas abordadas no cenário da América do Norte.

Nesse contexto, no dia 26 de junho de 2012, Pelotas recebeu, no Theatro Guarany,  a peça “A Primeira Vista”, do autor canadense Daniel MacIvor. Sob direção de Enrique Diaz, Drica Moraes e Mariana Lima vivem as personagens de uma trama conduzida pela busca de identidade e definições sobre o que o futuro lhes reserva. Com momentos divertidos e comoventes, a peça conta a história dessas amigas que vão dividindo os seus pontos de vista com a plateia.

Podemos dizer que um dos valores positivos desse texto se refere à estrutura narrativa, pois ela vai expondo as situações aos poucos, como que traçando um panorama geral da vida dessas mulheres. Paulatinamente, alguns diálogos são entrecortados com a partes com a plateia, construindo um elo de intimidade com os espectadores para além da simpatia pelas atrizes, mas criando uma cumplicidade com a situação que está sendo exposta. Dentre as muitas temáticas abordadas, gostaria de destacar a busca pela identidade dessas mulheres naquele contexto de mundo em que estão inseridas, discussão muito pertinente nos dias de hoje e comumente levada aos palcos dos grandes centros urbanos.

Mas, ressalto uma peculiaridade do texto: o autor vai expondo as personagens aos poucos, gerando uma identificação dos espectadores com elas, fazendo-os aceitar e a respeitarem-nas em essência, quando ele traz à tona a temática da dúvida sobre a sexualidade. Nesse momento, de maneira muito delicada, ele trata a homossexualidade ou bissexualidade das personagens de maneira justa, sem estereótipos, superficialidades e, acima de tudo, com respeito. Fiquei muito abismado com o fato da hipocrisia e do falso moralismo ainda se manterem tão arraigados na “sociedade” pelotense, pois, quando as personagens começam a desvelar a sua identidade sexual, não foram poucas as reações da plateia em desagrado.

Talvez, o maior desconforto se deva ao fato de que, como as personagens foram tão bem apresentadas ao longo da peça, construindo uma cumplicidade com a plateia, no momento em que a sexualidade entra em voga, os espectadores tão acostumados a tratarem a homossexualidade com o desdém dos programas televisivos de “humor” ou de alguns stand up comedies de gosto duvidável, não conseguissem expor publicamente a sua conduta de intolerância, pois, ali, não havia suporte que a justificasse. Podemos supor que o desconforto possa advir dessa situação, onde não há a segurança do fazer deboche em cima de uma condição humana que justifique o riso, nem tão pouco por tratá-la como algo fora do comum.

Ao se deparar com essa situação tratada com tanta sutileza e respeito, esses espectadores não sabem que postura adotar em meio à “sociedade” que ali está presente assistindo ao espetáculo. Destaquei essa situação específica com o intuito de ressaltar o valor e a necessidade que o teatro desempenha na construção de uma sociedade mais crítica e respeitável frente a todas as diversidades.

A direção de Enrique Diaz é limpa. Apesar da concepção de encenação colocar as personagens dentro de um grande cenário, acredito que a opção tenha sido para deixar aquele local como figuração de qualquer contexto espacial, regional ou social. Entretanto, apesar de possuir muitos desenhos e rabiscos, o cenário nos passa a ideia de vidas que estão sendo escritas, porém que não partem de um passado inexistente, os registros estão sempre ali, colaborando para a formação daqueles sujeitos. Mesmo com esse cenário, o diretor consegue dar o devido destaque que as atrizes necessitam para estabelecerem a relação de suas personagens com a plateia.

Obviamente, por se tratar de um texto canadense, a maneira como a história é contada difere do que costumamos ver na dramaturgia brasileira. A narrativa se sobressai de maneira “cerebral” em alguns momentos, dando vazão a um grande volume de textos, com textos de conteúdo profundo e reflexivo, porém não expostos de forma direta e simplista. Esse fato obriga o espectador e estar atento ao conteúdo das falas indo além de uma leitura superficial dos fatos. Talvez, essa peculiaridade tenha gerado uma impressão de que o espetáculo tinha um ritmo muito lento para os espectadores. Eu discordo desse ponto de vista, apenas considero que o público brasileiro costuma estar mais acostumado com espetáculos que exploram ritmos mais acelerados, grandes movimentações cênicas e informações passadas de maneira mais direta.

Claro, não posso deixar de comentar o trabalho de Drica Moraes e Mariana Lima. Duas atrizes que são conhecidas do público de massa por meio das telenovelas, no entanto vêem de uma longa e consolidada trajetória no teatro brasileiro. O talento de ambas as atrizes permite que elas consigam prender a atenção dos espectadores, trazendo-os para dentro daquele universo vivido pelas personagens com uma categoria que dificilmente seria alcançada por outro elenco. Muito embora alguns cacoetes e expressões faciais viciadas das telenovelas tenham me incomodado em alguns momentos, a maneira como as atrizes compreendem a profundidade de cada personagem, nos faz olhar para além da forma. Muito delicada, sensível e leve, assim pode ser definida a atuação das atrizes nesse espetáculo.

Portanto, considero que a presença desse espetáculo nos palcos dessa cidade tenha sido de grande valor para propiciar aos nossos espectadores algumas reflexões diferenciadas sobre as perspectivas que temos da vida como um todo. Além disso, continuo lamentando que Pelotas não disponha de um teatro público, onde os ingressos possam ser mais baratos, permitindo à população um acesso mais facilitado à produção teatral contemporânea.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Contando Histórias no Teatro Musical Infantil



                Ao primeiro olhar, trabalhar para crianças pode parecer fácil. No entanto, o público infantil é dos mais difíceis de conquistar. Por esse motivo, peças de teatro direcionadas a esses espectadores necessitam de um cuidado redobrado, ainda mais quando se propõe a ser um musical.

                O texto a seguir tratará do espetáculo “A Sopa de Pedra”, sob autoria de Tatiana Belinky, trazido  Pelotas, no dia 31 de março de 2012, pelo Grupo Luz e Ribalta, da Cooperativa Paulista de Teatro. O elenco é formado por Luiz Amorim, Níveo Diegues, Theodora Ribeiro, Renato Comi e Erick Chica que tratam de dar vida aos personagens da história cantando e executando músicas a vivo. O espetáculo conta a história de dois amigos músicos, cansados e famintos que encontram no meio do caminho, a casa de uma senhora idosa e avarenta. Logo de cara, os dois artistas tentam ludibriar essa senhora para que eles possam ficar ali, enquanto descansam e ela os alimenta. Obviamente, a idosa não se deixa enganar e acaba aplicando várias peças nos dois mambembes, em uma trama recheada de situações engraçadíssimas, permeadas por uma trilha sonora encantadora.

                Competência, essa é a palavra que melhor defino o trabalho desse grupo. Realmente, vemos um espetáculo coeso que foge dos estereótipos infantis e propõe uma maneira de contar essa história que traz o público pra dentro da cena. Essa é uma tarefa bastante complicada, uma vez que, em se tratando de crianças, a sinceridade na resposta é franca e direta. O que pudemos observar, foram crianças felizes e extremamente atentas ao que lhes estava sendo apresentado. Claro que esse resultado só foi possível, pois os atores além de terem um carisma imenso, souberam como envolver o público presente. Esse tipo de identificação e conexão entre artista e espectador costuma ocorrer quando há verdade naquilo que está sendo representado. O termo que utilizo aqui se refere à verossimilhança das personagens em cena. Nesse caso, a reverência deve ser feita ao trabalho competente de todos que compõem o Grupo Luz e Ribalta.

                Além de interpretarem os personagens da peça, os atores também cantam ao vivo, enquanto se dividem na execução instrumental das músicas. Particularmente, aprecio muito quando podemos ver o trabalho dos músicos desvelado em espetáculos teatrais com a trilha sendo apresentada ao longo da peça. Esse tipo de peculiaridade, poderia distanciar e quebrar com a impressão de fantasia e universo imaginário que as crianças desenvolvem ao assistirem a uma peça de teatro. Entretanto, quando bem feito, o efeito é inverso. O público infantil sabe muito bem ler todas as informações e signos que lhes são expostos e, no caso dessa peça, a música ao vivo serviu como um catalisador da boa recepção teatral.

                Bom, quando falo nas músicas, não posso deixar de citar que os arranjos foram muito bem compostos e, também, obtiveram o mesmo sucesso quando foram cantados. A diversidade de situações que acontecem nos bastidores de um espetáculo e o contato dos atores com o público, poderia levá-los às armadilhas da desafinação ou a semitonar as entradas de algumas músicas. Todavia, isso não foi observado. Gosto de salientar esse tipo de situação, pois acredito que, para cantar numa peça de teatro, não basta apenas ao ator querer ou ser “afinadinho”, ele tem que ter técnica para tanto e saber que, mesmo um ouvido não musicalisado, tem condições de perceber quando uma música é mal cantada. No caso de “A Sopa de Pedra”, o elenco está de parabéns pela sua performance musical.

                A única ressalva que eu faria nesse espetáculo, se refere aos figurinos e cenário de Carlos Colabone que me pareceram um tanto quanto pesados. Quando falo em peso, estou fazendo referência à paleta de cores utilizadas no todo da composição do visagismo cênico. Acredito que os tons terrosos imprimiam uma percepção monocromática do universo daquelas personagens. Porém, essa é apenas uma sensação particular minha, uma vez que não posso negar que havia uma extrema coerência na proposta de ambientação cênica. Além disso, também acredito que não precisamos transformar figurinos de peças infantis em fantasias coloridas de escolas de samba, pois isso seria subestimar a percepção estética das crianças. Ademais, concordo que, na medida em que o figurino assumiu um papel discreto dentro do espetáculo, o trabalho dos atores se sobressaiu e colaborou para dar veracidade ao todo da concepção cênica. Volto a salientar que os figurinos eram funcionais, lindos e imprimiam identidade aos personagens, apenas pesaram um pouco aos meus olhos. Contudo, não podemos negar de que se trata de um trabalho muito competente.

                Portanto, aqueles que tiveram o prazer de assistir a esse espetáculo numa tarde de sábado, saíram do Teatro do COP encantados com uma ótima apresentação de teatro infantil. Além disso, considero de extrema importância que os pais levem os seus filhos ao teatro, não apenas para terem um contato direto com um espetáculo, mas também por estarem contribuindo na formação de um indivíduo mais crítico e com um repertório estético de mundo diferenciado dos demais.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

domingo, 12 de agosto de 2012

Verossimilhança Uma Palavra que Parece Esquecida nos Teatros



O título que dei a esse texto não foi ao acaso, nem gratuito. Após assistir, no dia 11 de agosto de 2012, ao espetáculo “Boneca Teresa”, apresentado pelo grupo porto alegrense Teatro Imaginado, no Teatro do COP, saí pensando que os atores contemporâneos estão precisando voltar a prestar mais atenção no significado da palavra verossimilhança.

Embora algumas estéticas teatrais se proponham a trabalhar com personagens e situações irreais, mesmo assim, quando os atores atuam nesses espetáculos, devem passar a verdade de seus personagens, ou o que chamamos de verdade cênica.  Entretanto, quando a estética é realista, ou até mesmo naturalista, o ator não pode pecar na interpretação que permita ao seu personagem a identificação como um ser humano que transpareça irrealidade.

Com concepção, direção e atuação de Jordana de Moraes e Larissa Gonzales, o espetáculo baseado na obra de Carlos Carvalho pecou na verossimilhança da interpretação das atrizes. Apesar delas se esforçarem em imprimir a construção de personagem tentando caracterizá-las corporalmente, saltava aos nossos olhos um excesso de tensão muscular e apelo para alguns clichês interpretativos.

O espetáculo conta a história de duas mulheres que se encontram trancadas num apartamento onde um homem havia as levado para fazer um programa. As cenas eram entre cortadas pelos diálogos das personagens prestando depoimento em uma delegacia sobre o que realmente estavam fazendo naquele local. Evidentemente, há um confronto e desvelamento de hipocrisias e falsos moralismos, à medida que a personagem que se diz puritana vai revelando que sua situação não é muito diferente da prostituta. Esse tipo de circunstância costuma ser uma armadilha em algumas peças de teatro, pois cair em clichês é muito fácil e simplista.

A atriz que fazia a personagem puritana exagerou na tentativa de mostrar uma pretensa seriedade, ao passo que, nós espectadores, ficávamos com a impressão de que mais parecia a caricatura de uma personagem de telenovela, do que de uma realidade teatral. Além disso, a outra atriz, que interpretava a prostituta, exagerou na tensão da musculatura da região escapular, na tentativa de imprimir uma corporeidade peculiar à personagem.  Apesar disso, ficava claro que a atriz estava empenhada em investigar como seria a personificação corporal de uma profissional do sexo. No entanto, acredito que faltou um laboratório com maior afinco à construção dessa personagem e, após esse período, uma dedicação maior ao exercício e à experimentação cênica, antes de levar a personagem ao palco.

O universo naturalista costuma abordar uma intensificação da realidade, em um ambiente que desvela a hipocrisia da sociedade, questionando seus valores morais, por meio de personagens que são frutos do meio em que convivem. Esse fato pode contribuir para uma falsa impressão de que interpretar uma personagem tão real seja fácil aos atores. Porém, a facilidade pode funcionar mais como uma armadilha, do que como sucesso de atuação. Para dar a extrema realidade que o papel exige, o ator não deve buscar saídas estereotipadas de caracterização corporal, muito menos uma elocução teatralizada demais. Sendo assim, o ator deverá, não apenas compreender o universo que as personagens estão inseridas, mas também saber o porquê cada uma daquelas palavras está sendo dita naquele momento da peça. Mas, além disso, deve construir os subtextos de cada fala, trazer para o seu corpo essas informações de maneira limpa, coerente e sem exageros.

Esses são apenas alguns aspectos que o ator deve preparar antes de levar o seu trabalho para apreciação do público. Quando há uma falha em algum desses processos, todas as fragilidades ficam expostas e chamam atenção dos espectadores. Nesse sentido, a grande perda do espetáculo se reflete na verdade cênica, gerando um afastamento do envolvimento do público com a problemática vivida pelas personagens. Desse modo, o que poderia vir a comover o espectador, acaba não surtindo nenhum efeito.

Apesar de ter feito muitas críticas ao trabalho das atrizes, não questiono a competência profissional delas. Mesmo com o problema de concepção na criação das personagens que citei anteriormente, as atrizes seguram o espetáculo e não deixam em nenhum momento a impressão de que elas não tenham talento para o ofício cênico. Como o espetáculo conta com a direção das duas atrizes, acredito que lhes faltou um olhar de fora, distanciado do seu processo criativo para lhes orientar e ajudá-las a fugir de algumas armadilhas cênicas.

Portanto, para finalizar esse texto, gostaria de reforçar o conselho aos atores para dedicarem uma atenção maior à verossimilhança de sua personagem. Apesar da diversidade de propostas estéticas teatrais e dos hibridismos cênicos contemporâneos, o ator não pode se perder no meio dessa profusão de informações e construir uma personagem inverossímil. O espectador quer e necessita acreditar naquilo que lhe está sendo contado para que ele possa mergulhar no universo imaginário do espetáculo teatral. Para que isso ocorra, há a necessidade de um árduo, atento e dedicado trabalho por parte dos profissionais das artes cênicas. Talvez, as reflexões aqui deixadas ilustrem ao leitor o quão difícil é o trabalho de um ator e o quanto devemos valorizar o empenho e dedicação desses profissionais.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.


terça-feira, 7 de agosto de 2012

O Vôo de um Corpo que Dança


                   No dia 06 de março de 2012, quem se dirigiu ao Teatro do COP, teve o privilégio de assistir a um espetáculo de dança contemporânea com a força e o profissionalismo de grandes artistas em cena. O evento do qual comento, se refere à apresentação de “Voar é Com os Pássaros”, da Mímese Cia de Dança, com direção geral de Luciana Paludo que também integra o elenco ao lado do músico Ettore Sanfelice, o qual executa a trilha sonora ao vivo.

                A concepção coreográfica do espetáculo fica a cargo da grande encenadora Eva Schul e de Luciana Paludo, com desenho de luz de Ricardo Lima e figurinos de Laura Bauerman. A primeira parte do espetáculo, “Voar é Com os Pássaros”, teve concepção de Eva Schul e traz à tona as relações entre música e dança, tendo como mote a existência de um ser da natureza aprisionado em um corpo urbano que, atrofiado, tenta alçar vôo, limitado por sua própria condição humana. Já a segunda parte do espetáculo, chamada de “Prelúdio que Veio Depois”, teve concepção de Luciana Paludo e traz à cena a sensação de liberdade experimentada na natureza, com o corpo humano urbano. Os movimentos dessa coreografia surgiram após experimentações e improvisações realizadas pela bailarina ao ar livre e aqui trazidas com o intuito de sinalizar a continuidade dos ciclos e questionar as polaridades entre vida/morte, liberdade/confinamento e etc...

Iniciarei comentando sobre a iluminação que, neste dia, teve a operação de Daniel Furtado. O desenho de iluminação concebeu um ambiente nada realista que além de sublinhar os movimentos da bailarina, lhe imprimia sombras e texturas que ajudavam os espectadores a expandirem a sua percepção para além dos limites corpóreos de Luciana, conseguindo mergulhar no universo daquela criatura que desejava voar. Não posso deixar de citar um trabalho que costuma ser pouco lembrado, mas que é de extrema importância em qualquer espetáculo: a operação de luz. Nesse dia, o iluminador cumpriu um papel fundamental e demonstrou a sua grande sensibilidade ao colaborar com as coreografias e as passagens de iluminação de maneira muito sensível e integrada ao que transcorria em cena. Esse tipo de percepção colabora muito para a criação da atmosfera cênica, uma vez que o espectador vai sendo convidado a embarcar no imaginário daquele espetáculo, sem ser surpreendido por bruscas trocas de luz, quando não é essa a proposta. Além disso, também gostaria de congratular Ricardo Lima pelo seu desenho de iluminação inteligente e a paleta de cores utilizada que souberam aproveitar ao máximo a performance da bailarina.

Bom, falar do trabalho de Eva Schul é muito fácil, já que se trata de uma das grandes coreógrafas desse país. Nos seus trabalhos, Eva costuma trazer bailarinos que além de terem um apuro técnico excelente, desenvolvem uma expressividade cênica que foge aos padrões óbvios. No entanto, seus trabalhos sempre proporcionam momentos de puro lirismo a quem os assiste. No caso de “Voar é Com os Pássaros”, não foi diferente. Além de ter em mãos uma bailarina com um corpo extremamente expressivo e dotada de uma técnica elogiável, Eva conseguiu extrair toda a sensibilidade que seria necessária para compor a leveza desse ser que deseja voar, porém está aprisionado em um corpo encarnado.

Além disso, considero outro aspecto como um ganho ao espetáculo: a trilha sonora sendo executada ao vivo. Nesse caso, não foi apenas a presença de um músico no palco que coloriu a cena, pois muitos espetáculos costumam ter músicos executando a trilha ao vivo, sem conseguirem ter o impacto que Ettore Sanfelice fornece às coreografias. Aqui, o músico deixa de apenas executar os acordes musicais para estar totalmente entregue e disponível ao que está acontecendo em cena. Há uma simbiose total entre o trabalho do músico e da bailarina, o seu foco de atenção está no desempenho corpóreo que ela executa ao longo da coreografia. Mas,  Ettore consegue ir além e propor um diálogo vivo e dinâmico entre corpo e música. Também não posso deixar de referenciar que não se trata apenas de um músico, mas de um profissional das artes cênicas, pois além de tocar as músicas, Ettore também entra em cena em alguns momentos, contracenando com a bailarina. A intimidade cênica entre ambos os performers é elogiável.

No que se refere ao trabalho de Luciana Paludo, infelizmente, não poderei dissertar em muitos parágrafos, para não tornar a leitura desse comentário muito extensa. Contudo, falar sobre a performance de uma bailarina dotada de um corpo extremamente expressivo se torna até fácil. Nesse sentido, o que vemos em cena é um corpo que se expande, transborda, desliza para além dos seus contornos, trazendo não apenas movimentos muito precisos e tecnicamente limpos, mas uma carga emotiva intensamente leve e suave. O trabalho de Luciana tanto na primeira parte do espetáculo, quanto na segunda, chama os espectadores para dentro de uma estética nada realista, na qual um corpo ao se mover, leva junto todos os espectadores, como se fossem suas asas auxiliares nesse vôo lírico.

Por vezes, as linguagens da dança contemporânea e do teatro físico costumam se borrar, transgredir limites, propor diálogos entre os teóricos específicos de cada área. Nos dias de hoje, em que vivemos numa sociedade bombardeada de informações simultâneas, pensar nesses hibridismos se torna até usual. Faço essa referência também para relacionar ao trabalho de Luciana Paludo que, com sua virtuose cênica consegue compor um espetáculo para além dos limites de determinadas linguagens cênicas.

Apesar do intenso calor que fazia no interior do Teatro do COP, uma vez que essa casa de espetáculos não contem um sistema de climatização que comporte uma lotação esgotada em dias quentes, tenho certeza de que os espectadores só se deram conta do desconforto climático, quando aterrizaram após o vôo comandado por Luciana Paludo. Sendo assim, considero que o público pelotense precisa cada vez mais de espetáculos com essa qualidade artística para o desenvolvimento do seu repertório estético.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Teatro Musical nos Acordes Eruditos


Dois meses depois de assistir a uma ópera, o público pelotense teve a oportunidade de assistir a outro espetáculo do gênero na noite de 12 de janeiro de 2012, no Theatro Guarany. Dessa vez, a ópera trazida ao palco foi “Rita”, de Gaetano Donizetti, pela Orquestra Unisinos, sob regência de Evandro Matté, protagonizada por Carla Domingues, Flávio Leite e Homero Velho.

A ópera cômica contou ainda com a direção do grande ator, encenador, dramaturgo e teatrólogo gaúcho Luis Paulo Vasconcelos que imprimiu a sua identidade nesse espetáculo. Também não era de se esperar menos, com a experiência e talento já característicos de Luis Paulo Vasconcelos, o que pudemos observar foi um elenco consciente não apenas das músicas que estavam ali cantando, mas do conteúdo dos textos que estavam dizendo ou expressando de maneira musical. O resultado de uma boa direção de atores se expressa na empatia com o público e na recepção de um espetáculo que ultrapassa apenas o caráter musical, chegando aos espectadores como uma história engraçada que vai envolvendo o público à medida em que vão conhecendo a história de uma mulher surpreendida pelo retorno de um marido que, à princípio, estava morto. Já casada com outro homem, Rita se vê sob o dilema do que fazer com os dois maridos.

O grande destaque da noite, ficou por conta da soprano Carla Domingues. Não paenas por ser conhecida dos pelotenses, uma vez que iniciou os seus primeiros passos na carreira do canto erudito nos palcos dessa cidade. Mas, também, por mostrar uma grande evolução técnica que vem apresentando a cada ano. Porém, não posso deixar de salientar o seu desempenho cênico. A cada espetáculo em que trabalha, Carla se mostra mais confiante e presente em cena. Toda essa evolução se deve ao trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo dos anos. Nesse sentido, o que posso dizer é que todo o esforço tem valido à pena. Quem ganha com isso? Os espectadores que se encantam com tamanho talento e aproveitam a sua ida ao teatro para se emocionarem com as histórias que lhes são contadas.

Também não posso deixar de elogiar o trabalho do tenor Flávio Leite e do barítono Homero Velho que conferiram comicidade e ritmo às cenas, divertindo e provocando risadas nos espectadores. Além disso, a iluminação de Fernando Ochôa colaborava para a ambientação cênica, sem comprometer a proposta de encenação. No entanto, não posso deixar de referir que os figurinos com uma forte influência remetendo às pilchas gauchescas me incomodaram um pouco. Naturalmente, compreendo que alguns espetáculos se valem da utilização de vocabulário com termos gauchescos e personagens tipificados como estratégia para gerarem uma identificação fácil e simplista com os espectadores. Entretanto, acredito que não precisamos colocar os personagens de CTG nos palcos para que o público gaúcho se sinta motivado a ir ao teatro.

Essa foi uma noite em que os espectadores viram não apenas os acordes eruditos invadirem o palco, mas, também, a oportunidade de assistirem a uma peça de teatro musical que lhes proporcionou boas risadas. Além disso, gostaria de ressaltar a importância do SESC estar promovendo este tipo de atividade na cidade de Pelotas.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

E A Ópera Consquista o Teatro


               A tradição de o público ir à ópera com o intuito de assistir não apenas a uma apresentação musical, mas também a um espetáculo teatral se popularizou há séculos. Entretanto, apesar de alguns países europeus manterem essa tradição com a mesma frequência, os espectadores brasileiros não têm tanto o costume de ir ao teatro para assistirem a uma ópera. Será?

                Já começo esse texto instigando o leitor a refletir sobre o assunto, pois comentarei sobre a experiência que observei no dia 11 de novembro de 2011, no Theatro Guarany, em Pelotas/RS, onde foi apresentada a ópera cômica “ La Serva Padrona”, de Giovanni Pergolesi. A história versa sobre as artimanhas que uma empregada faz para conquistar o coração de seu patrão e impedir que ele se case com outra mulher. Com um desenrolar cheio de peripécias engraçadíssimas, a serva consegue atingir o êxito em sua empreitada no final do espetáculo.

                A montagem feita pela Orquestra de Câmara da FUNDARTE, contava com um elenco formado por Rosimari Oliveira, Ricardo Barpp, Juliano Rossi, regência de Antônio Borges-Cunha, direção e concepção cênica da excelente atriz e diretora de teatro Jezebel de Carli. Os que estiveram presentes, observaram um teatro totalmente lotado por um público ansioso por prestigiar uma linguagem cênica com tão poucas montagens nos dias de hoje. Não foram poucas as vezes que ouvi dos espectadores a minha volta, comentários interrogativos sobre como seria uma ópera e que tipo de histórias contava.

                A proposta cênica em questão, quebra com o paradigma de que, para montar uma ópera, há a necessidade de um grande elenco e uma orquestra enorme. Obviamente, que o texto de Pergolesi favorece, pois é composto por poucos personagens. Entretanto, assim como esse, existem muitas óperas que poderiam ser tranquilamente levadas à cena.

                Gostaria de salientar a proposta de encenação que colocou os instrumentistas e regente em cima do palco não apenas como músicos que executam a trilha sonora do espetáculo, mas também com personagens que interagem e fazem parte do contexto cênico. A caracterização, figurinos, maquiagem, iluminação e cenário estavam totalmente integrados à proposta da diretora. Nesse sentido, gostaria de ressaltar o trabalho de Jezebel de Carli que aqui dirige o elenco todo com muito talento, extraindo desses profissionais os melhores resultados cênicos. Além disso, Rosimari, Ricardo e Juliano contagiaram a plateia não apenas pelo seu talento vocal, mas pelo seu carisma e verossimilhança que conferiram aos seus personagens.

                Todo esse trabalho, resultou numa ótima aceitação do público que se divertia às gargalhadas com as peripécias de Serpina, interpretada por Rosimari. Apesar das músicas serem cantadas em outro idioma, a utilização de legendas colaborou para que os espectadores pudessem compreender o desenrolar da história.
 
                Nessa noite, o que ficou claro é que não é que o público goste ou desgoste de ópera, ele apenas não tem o hábito, desconhece essa linguagem cênica e, na maioria das vezes, não tem acesso a esse tipo de espetáculo. Termino esse texto com a felicidade de ver um teatro lotado e os espectadores saírem satisfeitos com o que acabaram de assistir.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

No inverno, o Teatro vai à Rua



                A tarde estava fria, apesar de ensolarada. Mesmo com a temperatura não colaborando, não houve empecilho para as pessoas que costumam passear pela Av. Bento Gonçalves se aproximarem de uma movimentação que chamava atenção de todos no meio da praça. Logo de início, cheguei a ouvir algumas pessoas perguntando o que estava acontecendo e outras indo em direção ao burburinho e chamando as crianças, pois havia teatro na rua.

                Por mais que o teatro de rua seja uma manifestação de diálogo próximo e, muitas vezes, inesperada às pessoas que por ali circulam, em virtude da falta de incentivo do poder público, os pelotenses não estão muito acostumados a presenciar este tipo de apresentação artística pela cidade. Entretanto, esse estranhamento dura o tempo de alguns segundos que, rapidamente, são conquistados pelo carisma dos artistas que estão ali levando a sua arte ao contato mais democrático com o seu público.

                Os fatos que estou relatando se referem à apresentação do espetáculo “João Cheroso e João do Céu Vendendo Cordel”, apresentado pelo grupo Eureca, oriundos do Amapá, com texto e direção de Joca Monteiro que também atua ao lado de Elder de Paula para contar as histórias dos dois personagens. A peça conta as aventuras de dois retirantes nordestinos que saem pela Amazônia em busca de melhores condições de vida. Ao chegarem em Macapá (AP), descobrem que Luiz Gonzaga também já havia estado por lá e composto músicas em exaltação à cidade. Por esse motivo, resolvem declamar em forma de cordel a história do famoso “Rei do Baião”.

                Os espectadores pelotenses já estariam felizes somente pela vinda de artistas de uma região tão distante do país trazendo seu espetáculo à cidade. Porém, o contato com uma estética tão diversa da comumente observada no Rio Grande do Sul e o universo do cordel já podem ser considerados como ganhos para as pessoas que ali estavam assistindo ao espetáculo. Entretanto, gostaria de salientar um fato que me chamou muito a atenção. Não me centrarei tanto no trabalho dos atores, mas sim, na maneira pela qual se deu a recepção do público.

                Por mais que o sotaque dos atores fosse diferente, que a maneira de contar histórias não fosse a mesma dos gaúchos, o sorriso e o interesse da plateia conseguiu desviar o meu foco. Percebi que o público se mostrava muito interessado, participativo e, principalmente, identificado com aquele evento que estava ali acontecendo no meio da praça. As pessoas esqueciam a diversidade de acontecimentos que transcorriam na rua e mergulharam no universo teatral, de uma maneira que costumamos observar nas casas de espetáculos fechadas.

                Logo após o espetáculo vindo do Amapá, o público teve o prazer de assistir ao trabalho do grupo Teatro Universitário Independente, intitulado “Ida ao Teatro”, oriundo de Santa Maria (RS), com direção, figurino e atuação de Cristiano Bittencourt e Marcele do Nascimento. O espetáculo é baseado na obra de Karl Valentin, adaptado pelos atores para a linguagem clownesca no teatro de rua. O mote da história do casal de palhaços é ir ao teatro. Entre muitas situações que exploram um diálogo direto com os espectadores, saliento o forte carisma dos atores em cena. O público se divertiu, participou e se mostrou aberto ao contato com o teatro. O grande êxito desses artistas foi o de que a comunicação se fez presente e os espectadores saíram dali satisfeitos com o que viram.   

                O público queria teatro. As pessoas estavam felizes em assistir a uma peça de teatro. Os adultos voltaram a ser crianças por pequenos momentos, se divertiam e participavam da história, de mesmo modo que as crianças ali presentes. A beleza desses momentos efêmeros ressalta a importância e a necessidade que a população tem em dispor do acesso à cultura, em especial, ao teatro. Durante o período de tempo em que o espetáculo foi apresentado ficou explicitado o quanto a população pelotense quer e precisa do teatro.

                Um caso à parte e que costumeiramente acontece com o teatro de rua, se refere às crianças e moradores de rua que sempre se aproximam destes espetáculos e costumam ser os espectadores mais participativos e respeitosos da obra que ali está sendo apresentada. Quando falei em relação democrática, também quis ressaltar à possibilidade daqueles que costumam ser esquecidos pela sociedade entrarem em contato com o teatro de maneira direta e em um local onde o acesso lhes é permitido. Mas, não apenas a eles, neste município, a população em geral está afastada do teatro como um todo. Com o fechamento do único teatro público da cidade e da falta de investimentos nessa área, os espectadores pelotenses passaram a ver a linguagem teatral como uma forma de expressão muito distante de suas realidades.

                No entanto, graças ao esforço, trabalho, dedicação e comprometimento de alguns artistas resistentes, a cidade de Pelotas está podendo ter acesso a diversos eventos culturais, durante esse mês de agosto. Os créditos de todo esse empenho vão para a equipe organizadora do I Festival de Inverno de Pelotas, Aline Maciel, Angélica Freitas, Guilherme Ceron, Juliana Angeli, Junelise Martino, Luiz Filipe Machado, Pedro Silveira, Priscila Costa Oliveira, Sotaque coletivo e todos os artistas envolvidos no evento. Pelotas precisa de atitudes como as desses idealizadores. Porém, não podemos ficar relegando aos artistas o acesso e as políticas culturais do município de maneira independente. É preciso que os canais de TV aberta locais, os jornais impressos, as rádios, as Tvs fechadas e a internet de modo geral divulguem massivamente esses eventos, da mesma forma que o fazem quando os elencos das telenovelas pisam no solo desse município.

                Além disso, também se faz necessário que os empresários dessa cidade compreendam o valor não apenas para o enriquecimento cultural da população pelotense, mas se apenas pensarem numa lógica capitalista de aumento de lucro, que o façam percebendo que eventos como este podem reverter em cifras para os seus caixas. O empresariado local deve compreender que exemplos não faltam do retorno financeiro que o turismo agregado a eventos de Festivais como esse estão tendo pelo país à fora. Nesse sentido, os empresários pelotenses deveriam ter a visão de que o investimento e a ajuda que oferecessem a acontecimentos locais, seriam revertidos diretamente nos aumentos de lucros que viriam com a circulação da população local e com os turistas. O entretenimento e a cultura são fontes de renda para muitas cidades pelo mundo. Entretanto, nada cai do céu e os investimentos são necessários. Qualidade artística temos de sobra. O que falta agora é apoio.

                Até este momento citei a mídia e os empresários. Todavia, não podemos relegar todas as responsabilidades para alguns setores da sociedade, quando o poder público tem um papel importantíssimo numa situação como esta. Entretanto, para que a cidade lucre e que a população tenha mais acesso à arte e à cultura, há a necessidade de todo um esforço político para viabilizar que esse tipo de evento possa ocorrer em Pelotas, sem que seja necessário trazer algum ator de novela ou músico do grande eixo de mídia carioca ou paulista para atrair o apoio político. Deixo aqui esse tipo de reflexão, especialmente, nesse ano em que estaremos podendo exercer o nosso poder como cidadãos e levando as nossas necessidades às urnas na forma de votos para eleger o cenário político futuro de nossa cidade.

                Portanto, para finalizar esse texto, gostaria de explicitar que neste domingo 05 de agosto de 2012, quando o teatro invadiu à Bento, com duas peças de teatro, quem lucrou foi a população pelotense com a possibilidade de apreciar o trabalho desses profissionais que vieram de muito longe para trazerem a sua arte até esta cidade. Além disso, ressalto a importância do trabalho executado pela atriz Aline Maciel e sua equipe na organização do I Festival de Inverno de Pelotas, a todos eles faço minhas reverências e agradecimentos por essa iniciativa. Oxalá que este seja o primeiro passo de muitos outros que ainda venham a acontecer! Porém, para os próximos, espero que o poder público, empresariado e mídia local não limitem os seus esforços e investimentos para que a população pelotense tenha cada vez mais acesso às artes em geral.

MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do CCETP.
vagnervarg@yahoo.com.br