O ato de
conquistar a plateia, agarrar o espectador usando a sua sensibilidade, gerar
identificação/estranheza, emocionar e encantar quem lhe assiste, é uma das
tarefas mais difíceis para um ator. Muitas vezes, de maneira figurativa, as
pessoas costumam dizer que o evento teatral é um momento mágico, onde os
espectadores embarcam no universo imaginário criado pelos artistas da cena e
vivenciam aquelas experiências como suas.
Sinestesia.
Não tem outra palavra que possa me vir à cabeça, quando lembro de encontros no
teatro onde transcendemos os sentidos, vamos para além da materialidade e nos
entregamos às sensações. As propostas teatrais nem sempre precisam ter esse
foco, uma vez que existem diversas abordagens estéticas e objetivos
diferenciados em espetáculos de teatro. Acredito que todas as formas são
justas, desde que coerentes. Nem todo evento precisa ser única e exclusivamente
de cunho estético. Afinal de contas, teatro também pode ser apenas
entretenimento. O importante é que o público vá ao teatro! Com o tempo,
ampliando o seu repertório, os espectadores já conseguem dispor de uma
percepção crítica abrangente, capaz de lhes propiciar criticidade e sagacidade
capazes de lhes conferirem um olhar diferenciado sobre o que está sendo
produzido e o que eles desejam assistir naquele momento.
Perfaço essa
introdução, pois o texto a seguir estará relacionado a um tipo de trabalho
muito específico em teatro, muito raro e extremamente necessário nos dias de
hoje para que não deixemos a luz das grandes artes serem apagadas por uma
massificação de produtos enlatados gerados pelos interesses sócio, políticos e
econômicos de alguns setores da sociedade que utilizam o entretenimento como
ferramenta de domínio e manutenção da opinião pública. Graças a alguns poucos
grupos resistentes, essa chama da essência do teatro nunca se apagará! Não é
fácil para qualquer grupo de teatro poder se dedicar à pesquisa da arte
teatral, nem tão pouco se entregar às exigências do mercado comercial do
entretenimento. Para isso, há que se contar com uma enorme estrutura que lhes
dê suporte e condições dignas de trabalho, além de, obviamente, um talento fora
do comum para todos os envolvidos no processo. Somente assim, com muito
esforço, entrega, dedicação, disciplina, coragem, vocação, talento e trabalho
se consegue obter o resultado de trabalhos que marcam a história do teatro
mundial.
Essa
referência introdutória está direcionada ao trabalho do Grupo LUME
Teatro/Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais, da Universidade de
Campinas/SP. Não é de hoje que o trabalho de todos os componentes desse grupo é
reconhecido em diversas partes do mundo, não apenas pelos seus espetáculos e
demonstrações técnicas, mas por todas as suas propostas de pesquisa, reflexões
teóricas e sistematizações de metodologias de trabalho para atores.
O cerne do
trabalho do LUME está no ator, se baseando em diversas fontes históricas,
teóricas e práticas da arte teatral, permeadas pelas suas experiências,
experimentações e descobertas, esse grupo conseguiu imprimir uma identidade
específica ao seu trabalho. O reconhecimento internacional não se deu apenas
pela articulação teórica de suas propostas, mas também pelo fato dos
espectadores poderem perceber, constatar e sentir esses resultados em cena.
Fugindo do que muitos teóricos fazem ao proporem apenas divagações sobre uma
prática que não condiz com a sua teoria, o LUME se diferencia ao conseguir
expor em cena toda a sua arte em extrema consonância com as suas discussões
metodológicas para o preparo de atores.
Entretanto, o
espectador não necessita dispor de uma série de referenciais específicos do
fazer teatral quando vai assistir a um espetáculo, ele precisa ser tocado de
alguma forma. As especificidades técnicas são conhecimentos restritos aos
profissionais daquela área, o público vai ao teatro para viver uma experiência
diferenciada do seu dia a dia, se emocionar, divertir e, se possível, refletir.
Nesse sentido, o LUME consegue se destacar, uma vez que, mesmo sem conhecerem a
metodologia de trabalho do elenco, os espectadores conseguem sair dos
espetáculos desse grupo sensibilizados de alguma forma.
Todavia, não
escrevi todos os parágrafos anteriores apenas para falar do grupo como um todo.
Senti a necessidade de fazer uma contextualização, já que comentaria sobre um
trabalho específico de um dos atores do LUME: Carlos Simioni. Há mais de 15
anos conheço o LUME, o que já me possibilita uma intimidade ao comentar sobre o
trabalho desses artistas tão singulares e belos.
Durante a
primeira semana de maio desse ano, Carlos Simioni esteve em Pelotas para
ministrar um curso intitulado “Da Energia à Ação”, que trata da aplicação de
algumas das técnicas desenvolvidas pelo grupo LUME ao longo das suas décadas de
pesquisas teatrais. Além disso, no dia 12 de maio, Simioni apresentou, no
espaço do Tablado, da Faculdade de Teatro, da Universidade Federal de Pelotas,
o trabalho intitulado “Prisão Para a Liberdade”. Essa demonstração técnica
aborda a trajetória das pesquisas da arte do ator, iniciada por ele, juntamente
com os outros dois fundadores do LUME: Ricardo Puccetti e Luis Otávio Burnier (in memorian) e aperfeiçoada ao longo dos
anos com os outros atores do grupo. Além disso, Simioni expõe alguns dos
resultados de seus treinamentos e técnicas de expansão e dilatação do corpo no
tempo e no espaço.
Uma das
grandes buscas dos atores no palco, é pela chamada presença cênica, uma
capacidade de gerar conexão, empatia e prender a atenção do espectador durante
a peça de teatro. Logo de início, o carisma de Carlos Simioni conquista a
todos. Porém, apenas essa qualidade não lhe garantiria todos os predicados que
dispõe. Simioni é um virtuoso! Um virtuoso da cena! Um artista que conseguiu,
por meio de muito trabalho e comprometimento, uma capacidade de atingir ao
espectador de uma maneira impressionante.
Os
privilegiados que foram assistir à demonstração técnica, numa manhã de sábado,
saíram de lá impactados. Com certeza, foi uma experiência sinestésica muito
forte, tocante, capaz de nos transportar para outro universo de sensações. A
virtuose cênica de Simioni de nada serviria se fossem apenas aplicações de
técnicas muito bem executadas. No entanto, ele consegue transcender tudo isso e
gerar uma empatia com o espectador que dificilmente observamos com outros
atores.
A energia de
Simioni contagia a todos, nos toca, emociona e envolve. Em um determinado
momento, me dei conta de que todos estávamos vidrados na sua presença,
totalmente entregues à situação. Quando falamos em energia, sempre temos a
noção de que é algo invisível ou imaterial. Contudo, nesse dia, a experiência
nos levou a outro patamar sensorial, podíamos sentir a energia de Simioni,
sermos envolvidos por ela e, claro, sermos totalmente conduzidos por ele àquele
universo cênico. Conseguíamos sentir a energia dele nos tocando, sentir o que
ele estava sentindo e nos deixar levar pelo prazer de uma experiência singular
e rara nos dias de hoje: a comunhão com a arte.
Um grande artista. Assim pode ser definido
Carlos Simioni, um atleta afetivo, um virtuoso da cena, um ser humano especial,
capaz de, com sua generosidade, doar suas emoções aos espectadores com uma
grande intensidade. Mas, não apenas isso. Ele não se conforma com isso. Por
esse motivo, passa à diante suas técnicas e orientações de trabalho para que
outros atores possam vivenciar em cena experiências únicas e belas!
Portanto,
considero que os espectadores saíram de “Prisão Para a Liberdade” muito tocados
e felizes por terem tido a oportunidade de chegar tão perto de um artista raro nos dias de hoje. Após esse contato, surgiu a reflexão de que Pelotas está
precisando do LUME! Esse grupo que já veio diversas vezes à cidade, precisa
voltar, trazer seus trabalhos, demonstrações técnicas e cursos não apenas para os
artistas locais, mas para todo o público em geral. Deixo aqui o meu pedido aos
governantes e às instituições comprometidas com a cultura para que tragam os
trabalhos do Grupo LUME a Pelotas
novamente.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
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