Em uma
perspectiva de mundo contemporâneo, repleto de informações múltiplas e
simultâneas, muitas vezes o ser humano se vê perdido nesse meio, ou passa a
somatizar esses problemas, revertendo-os em transtornos psicofísicos. A rotina
sem questionamentos e criticidade pode levar as pessoas a uma automatização do
seu dia a dia. Entretanto, havendo a percepção da repetibilidade factual
diária, o indivíduo necessita de força, disposição, coragem e boa vontade para
mudar os acontecimentos de sua vida.
Situações relacionadas
a essas temáticas foram expostas no espetáculo “Ensaio Sobre a Repetição”,
apresentado no dia 17 de julho de 2012, na Bibliotheca Pública Pelotense, pelo
Grupo Barraquatro, de Porto Alegre/RS. Com direção de Júlia Rodrigues, trilha
sonora executada ao vivo por Rodrigo Pereira, Tomás Dornelles Piccinini, Ettore
Sanfelice e, no elenco, Sofia Vilasboas e Carolina Pommer, a peça conta com uma
dramaturgia elaborada a partir de improvisações relacionadas a histórias
pessoais das atrizes e fragmentos de textos de Fernando Pessoa, Sarah Kane e
Gabriel Garcia Marquez.
A peça reflete
sobre padrões de aprendizado, comportamento, suas reprodutibilidades, hábitos
cotidianos e relações sociais. A maneira como o texto é conduzido nos leva a
ponderar sobre qual a singularidade ou autoria dos nossos atos em sociedade.
Seriam eles originais ou meras repetições? Muito embora se possa fazer esse
tipo de leitura sobre a proposta do grupo, ela não fica evidentemente ilustrada
no espetáculo, já que, por vezes, a dramaturgia fragmentada em demasia, pode
desviar a atenção do espectador para o excesso de ações cênicas.
O fato de a
direção ter optado por uma repetição de partituras de ações que se prolongam
durante o espetáculo, utilizando garrafas como elementos que constroem o espaço
cênico, foi um bom achado. Essa peculiaridade, trazia à tona um caráter
neurastênico às personagens e não muito distante de alguns comportamentos
sociais comumente observados nos dias de hoje. Além de oferecer uma perspectiva
estética diferenciada, as garrafas ajudam a compor a “colcha de retalhos” que
compõe o espetáculo.
A trilha
sonora executada ao vivo se mostrou como um fator agregador positivo ao
resultado do trabalho. Os músicos intervinham nos momentos corretos, totalmente
concentrados no que estava sendo contado em cena. Além disso, a trilha
favoreceu muito a comunicação entre a proposta estética, trabalho corporal das
atrizes e sua relação com os espectadores.
As duas
atrizes, apesar de bem jovens, conseguiam segurar a história, imprimindo-lhe ritmo,
empatia e diálogo com os espectadores. Fica bem claro que o grupo realiza um
trabalho com embasamento em alguma das vertentes do teatro físico, uma vez que,
se as atrizes não dispusessem dessa formação, não conseguiriam imprimir o vigor
técnico que levam para a cena. O frescor da juventude e da imaturidade cênica conseguem
funcionar com combustível para mostrar aos espectadores a felicidade, força,
garra e vontade que todos aqueles jovens artistas estão tendo em levar essa
história até o contato com o público.
Porém, faltou profundidade na abordagem das temáticas
apresentadas pela maneira como a dramaturgia estava disposta. Essa qualidade
não é uma característica que os bancos acadêmicos, livros e cursos nos trazem por
si só. Eles nos servem como repertório, mas a maturidade cênica e de vida, como
um todo, nos propiciam outras percepções e significados sobre cada palavra que
estamos dizendo no palco e isso transparece ao espectador com muita
intensidade.
Portanto,
gostaria de deixar como último registro a felicidade de assistir a esse
espetáculo em um espaço tão belo, como a Bibliotheca Pública Pelotense. Além de
estarmos inseridos num espaço histórico, o local oferece plenas condições para
que espetáculos de teatro, dança, música e performance possam ser ali
apresentados. Ademais, também acredito que esse possa ser um meio para fazer
com que o público pelotense volte a frequentar a sua biblioteca pública, não
apenas como um espaço de leitura e pesquisa, mas como um centro cultural capaz
de abrigar as mais diferentes formas de expressão artística.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
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