No dia 06 de março de 2012, quem
se dirigiu ao Teatro do COP, teve o privilégio de assistir a um espetáculo de
dança contemporânea com a força e o profissionalismo de grandes artistas em
cena. O evento do qual comento, se refere à apresentação de “Voar é Com os
Pássaros”, da Mímese Cia de Dança, com direção geral de Luciana Paludo que também
integra o elenco ao lado do músico Ettore Sanfelice, o qual executa a trilha
sonora ao vivo.
A
concepção coreográfica do espetáculo fica a cargo da grande encenadora Eva
Schul e de Luciana Paludo, com desenho de luz de Ricardo Lima e figurinos de
Laura Bauerman. A primeira parte do espetáculo, “Voar é Com os Pássaros”, teve
concepção de Eva Schul e traz à tona as relações entre música e dança, tendo
como mote a existência de um ser da natureza aprisionado em um corpo urbano
que, atrofiado, tenta alçar vôo, limitado por sua própria condição humana. Já a
segunda parte do espetáculo, chamada de “Prelúdio que Veio Depois”, teve
concepção de Luciana Paludo e traz à cena a sensação de liberdade experimentada
na natureza, com o corpo humano urbano. Os movimentos dessa coreografia
surgiram após experimentações e improvisações realizadas pela bailarina ao ar
livre e aqui trazidas com o intuito de sinalizar a continuidade dos ciclos e
questionar as polaridades entre vida/morte, liberdade/confinamento e etc...
Iniciarei
comentando sobre a iluminação que, neste dia, teve a operação de Daniel
Furtado. O desenho de iluminação concebeu um ambiente nada realista que além de
sublinhar os movimentos da bailarina, lhe imprimia sombras e texturas que
ajudavam os espectadores a expandirem a sua percepção para além dos limites
corpóreos de Luciana, conseguindo mergulhar no universo daquela criatura que
desejava voar. Não posso deixar de citar um trabalho que costuma ser pouco lembrado,
mas que é de extrema importância em qualquer espetáculo: a operação de luz.
Nesse dia, o iluminador cumpriu um papel fundamental e demonstrou a sua grande
sensibilidade ao colaborar com as coreografias e as passagens de iluminação de
maneira muito sensível e integrada ao que transcorria em cena. Esse tipo de
percepção colabora muito para a criação da atmosfera cênica, uma vez que o
espectador vai sendo convidado a embarcar no imaginário daquele espetáculo, sem
ser surpreendido por bruscas trocas de luz, quando não é essa a proposta. Além
disso, também gostaria de congratular Ricardo Lima pelo seu desenho de
iluminação inteligente e a paleta de cores utilizada que souberam aproveitar ao
máximo a performance da bailarina.
Bom, falar do
trabalho de Eva Schul é muito fácil, já que se trata de uma das grandes
coreógrafas desse país. Nos seus trabalhos, Eva costuma trazer bailarinos que
além de terem um apuro técnico excelente, desenvolvem uma expressividade cênica
que foge aos padrões óbvios. No entanto, seus trabalhos sempre proporcionam
momentos de puro lirismo a quem os assiste. No caso de “Voar é Com os Pássaros”,
não foi diferente. Além de ter em mãos uma bailarina com um corpo extremamente
expressivo e dotada de uma técnica elogiável, Eva conseguiu extrair toda a
sensibilidade que seria necessária para compor a leveza desse ser que deseja
voar, porém está aprisionado em um corpo encarnado.
Além disso,
considero outro aspecto como um ganho ao espetáculo: a trilha sonora sendo
executada ao vivo. Nesse caso, não foi apenas a presença de um músico no palco
que coloriu a cena, pois muitos espetáculos costumam ter músicos executando a
trilha ao vivo, sem conseguirem ter o impacto que Ettore Sanfelice fornece às
coreografias. Aqui, o músico deixa de apenas executar os acordes musicais para
estar totalmente entregue e disponível ao que está acontecendo em cena. Há uma
simbiose total entre o trabalho do músico e da bailarina, o seu foco de atenção
está no desempenho corpóreo que ela executa ao longo da coreografia. Mas, Ettore consegue ir além e propor um diálogo
vivo e dinâmico entre corpo e música. Também não posso deixar de referenciar
que não se trata apenas de um músico, mas de um profissional das artes cênicas,
pois além de tocar as músicas, Ettore também entra em cena em alguns momentos,
contracenando com a bailarina. A intimidade cênica entre ambos os performers é elogiável.
No que se
refere ao trabalho de Luciana Paludo, infelizmente, não poderei dissertar em
muitos parágrafos, para não tornar a leitura desse comentário muito extensa.
Contudo, falar sobre a performance de uma bailarina dotada de um corpo
extremamente expressivo se torna até fácil. Nesse sentido, o que vemos em cena
é um corpo que se expande, transborda, desliza para além dos seus contornos,
trazendo não apenas movimentos muito precisos e tecnicamente limpos, mas uma
carga emotiva intensamente leve e suave. O trabalho de Luciana tanto na
primeira parte do espetáculo, quanto na segunda, chama os espectadores para
dentro de uma estética nada realista, na qual um corpo ao se mover, leva junto
todos os espectadores, como se fossem suas asas auxiliares nesse vôo lírico.
Por vezes, as
linguagens da dança contemporânea e do teatro físico costumam se borrar,
transgredir limites, propor diálogos entre os teóricos específicos de cada
área. Nos dias de hoje, em que vivemos numa sociedade bombardeada de
informações simultâneas, pensar nesses hibridismos se torna até usual. Faço
essa referência também para relacionar ao trabalho de Luciana Paludo que, com
sua virtuose cênica consegue compor um espetáculo para além dos limites de
determinadas linguagens cênicas.
Apesar do
intenso calor que fazia no interior do Teatro do COP, uma vez que essa casa de
espetáculos não contem um sistema de climatização que comporte uma lotação
esgotada em dias quentes, tenho certeza de que os espectadores só se deram
conta do desconforto climático, quando aterrizaram após o vôo comandado por
Luciana Paludo. Sendo assim, considero que o público pelotense precisa cada vez
mais de espetáculos com essa qualidade artística para o desenvolvimento do seu
repertório estético.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
Vagner, somente hoje li o seu comentário a respeito do meu espetáculo. Fiquei supresa, sensível e emocionada. Obrigada pela análise minuciosa da cena. A luz do Daniel naquele dia foi essencial, sim! Ele dançou junto; assim como o Ricardo Lima, quando criou a luz... É muito trabalho e muita dedicação... Abraço!
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