sábado, 27 de novembro de 2010
Realismo e simbolismo na discussão do preço de um ideal
Para encerrar o 4º Encontro de Teatro de Pelotas, a Secretaria Municipal de Cultura (Secult) trouxe a Pelotas o espetáculo “O Sobrado”, apresentado pelo Grupo Cerco, de Porto Alegre, na noite de 20 de novembro de 2010, no Espaço Tholl. Com texto adaptado a partir de “O Continente”, primeira parte da obra “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, a belíssima e efetiva montagem, dirigida por Inês Alacaraz Marocco, mescla interpretação realista com elementos cênicos simbolistas para marcar, com força e poesia, a tensão gerada em torno da discussão sobre o preço de um ideal.
O pano de fundo é a Revolução Federalista de 1895. Os maragatos, revolucionários defensores da autonomia do Rio Grande do Sul frente ao que consideravam “a tirania do presidente Júlio de Castilhos”, entram em combate com os pica-paus, os republicanos apoiadores do governo. Em meio à guerra civil, o sobrado em que reside a família do chefe político Licurgo Cambará (interpretado por Rodrigo Fiatt), republicano, fica cercado pelos revolucionários. O perigo iminente da morte e a escassez de munição e, sobretudo, de água e comida tornam a atmosfera do casarão pesada e sombria: cenário propenso para intensos conflitos.
À medida que os dias passam e a fome aumenta, se acentuam também os sentimentos. Expectativa e ansiedade - as tropas republicanas virão ou não ao resgate do sobrado? – dão espaço ao desespero, após duas mortes que poderiam ter sido evitadas se Licurgo Cambará - uma delas, a de sua própria filha, que nasce morta pela falta de assistência médica - não teimasse em resistir à invasão dos maragatos e tivesse pedido trégua. O conflito se intensifica quando Maria Valéria Terra (interpretada por Isandria Fermiano) questiona a postura orgulhosa do chefe de família e líder político, Licurgo Cambará, seu cunhado - e por quem ela nutre uma paixão reprimida. Quanto vale um ideal? Valerá mais que uma vida, que duas, três...?
“O sobrado” teve muitos acertos: figurino de acordo com a época, de Rô Cortinhas, cenário minimalista de Élcio Rossini, com apenas os elementos essenciais para fazer entender a história – uma cama com rodinhas tem o seu valor! -, trilha sonora ao vivo - violão, acordeão, xilofone, coro de vozes e percussão ganhavam vida com atores/instrumentistas que se revezavam entre palco e som -, e excelente interpretação dos (muitos deles bem jovens) atores. Também integram o elenco de O Sobrado: Celso Zanini, Elisa Heidrich, Filipe Rossato, Kalisy Cabeda, Luís Franke, Manoela Wunderlich, Marina Kerber, Mirah Laline e Philipe Philippsen.
Apesar de tudo isso, o ponto alto foi mesmo a direção. Inês Marocco soube dar à montagem um colorido especial com as cenas de memória e devaneios da velha Bibiana: efeitos belíssimos eram produzidos com o movimento dos corpos das trizes e suas saias godês, simbolizando ora o vento, ora a passagem do tempo, ou os cabelos esvoaçantes, que lembravam crinas de cavalos ao vento; o tramado de elásticos para mostrar a situação emaranhada e tensa na qual se encontrava o líder Licurgo; ou imensos lençóis brancos que se transformavam em macas ou eram utilizados para marcar momentos de tensão: na cena de maior confronto entre Licurgo e a cunhada Maria Valéria, os atores giravam em alta velocidade, no meio do palco, sendo sujeitados apenas pelo lençol, preso à cintura, segurado por atores/neutros; teatro de sombras para contar, com muito humor, a lenda de Pedro Malazarte, entre tantas outras sacadas criativas da diretora. Fenomenal.
A luz, por outro lado, deixou a desejar. Possivelmente por limitação técnica - especulo eu -, o caso é que a iluminação de Cláudia de Bem deixou vários atores mal. A velha Bibiana, balançando-se em sua cadeira enquanto agoniza a espera e a saudade, por exemplo, muito bem personificada pela atriz pelotense Rita Maurício, ficou muitas vezes no escuro. Uma pena. Outro detalhe que poderia ser repensado é a primeira entrada de Florêncio Terra, pai de Maria Valéria e Alice. A movimentação e voz criadas para personificar o idoso contrastam com o aspecto físico do jovem ator, Anildo Michelotto, sem maquilagem para envelhecê-lo.
Mas estes foram apenas alguns detalhes que em nada diminuíram a grandeza do espetáculo. Não é por acaso que a peça recebeu, em 2009, o Prêmio Açorianos de Teatro por melhor direção, melhor ator coadjuvante (Martina Fröhlich, por Alice Cambará) e melhor dramaturgia (Celso Zanini, Elisa Heidrich, Isandria Fermiano, Marina Kerber, Mirah Laline e Rodrigo Fiatt) e ainda o 4º Prêmio Braskem em Cena, de Melhor Espetáculo pelo Júri Oficial e Popular. Um belíssimo trabalho. Mais uma mostra de que, com comprometimento e empenho, se produz teatro de excelente qualidade e é possível contar história com lirismo e prazer para o espectador. O Grupo Cerco está de parabéns.
Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Acadêmica de Teatro (Licenciatura) – UFPel
Integrante do CCETP
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Oi Joice, também sou fã de O SOBRADO, um grande espetáculo. Quanto aos prêmios Açorianos, há um erro no teu texto: quem venceu o Açorianos de Melhor Ator Coadjuvante foi Luís Franke, e não a Martina. Abraço a todos!
ResponderExcluirNão acompanhei de perto o evento mas, novamente, a pequena divulgação e, talvez, participação que alcançou remete-me aos impasses que o teatro em Pelotas, apesar de condições que hoje não seriam de todo desfavoráveis, encontra em avançar.
ResponderExcluirUm fato transparece em eventos relacionados a teatro em Pelotas neste momento, qual seja a ausência do Teatro Sete de Abril ou, pelo menos, de espaços de algum modo orientados para a apresentação de teatro como foi o Círculo Operário.
Espero que esse encontro deslanche e vire um festival! O pessoal do Tholl teve uma recepção muito carinhosa e eficiente. Só tivemos uns problemas técnicos que acarretaram problemas com a luz do espetáculo, justamente. A correção do Marcelo tá correta, o prêmio é do Luisão.
ResponderExcluirEsperamos voltar pra Pelotas e que os nobres Teatros estejam reformados. Valeu!
Martina Fröhlich
Pois é, já me desculpei com o pessoal do Grupo Cerco, que carinhosamente me convidou para ser "amiga deles" no Orkut, esta premiação sobre o prêmio Açorianos eu peguei na Internet (e sei muito bem que não se pode confiar em tudo o que sai na net!!!) ou então fiz confusão, mesmo, mil perdões. De qualquer forma, o prêmio poderia ter sido de vários atores, já que todos interpretaram muito bem seus personagens. Mais uma vez, sucesso ao grupo e não percamos contato!! Grande abraço
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