quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Sensibilidade sem tropeços
Àqueles que foram ao espaço do Grupo Tholl no sábado 9 de outubro, a noite foi daquelas para ficar na memória. Mais um presente do SESC, com seu Palco Giratório, que tem levado a todo o Estado diversos espetáculos de qualidade. Um grupo de pouco mais de vinte pessoas – apenas... uma lástima! Receio que houve pouca divulgação –, a maioria relacionada às artes cênicas, teve o privilégio de assistir uma montagem de linguagem diferenciada - ao menos para mim, foi a primeira vez -, um trabalho surpreendente, encantador, verdadeiramente especial. O espetáculo apresentado pela companhia Tato Criação Cênica, de Curitiba/PR, mostrava momentos cotidianos das duas senhoras da “melhor idade”: seus laços de amizade, desavenças, o prazer na irritação mútua - própria daqueles que adquiriram certo grau de intimidade -, a reconciliação e também a aprofunda afeição que sentiam uma pela outra. Situações corriqueiras, conhecidas de todos nós. O que havia, então, de tão extraordinário? A começar pela proposta de encenação: as vovós ganhavam vida apenas com as mãos e antebraços dos atores!
Os punhos fechados, cobertos por figurinos delicados, minuciosamente confeccionados – camisolas, toquinhas, xales de tricô – se transformavam no corpo das idosas, enquanto a outra mão desempenhava sua verdadeira função (de “mão”) e, por incrível que possa parecer, já que o tamanho do membro real, em comparação ao resto do corpo fictício era completamente desproporcional, não chamava o foco da ação para si e, portanto, não rompia a magia da encenação. Magia. Esta é, com certeza, a palavra mais apropriada para tratar de um espetáculo que envolve e leva o espectador para outro mundo, o mundo fantasioso das vovós, encenado em pouco mais de um metro de espaço – praticamente toda a peça era feita sobre uma pequena mesa, que servia de cenário: a casa das velhinhas.
Os atores não pronunciavam nenhuma palavra audível, apenas onomatopeias e algum eventual “tim-tim” para um brinde. Os atores Katiane Negrão e Dico Ferreira estavam em perfeita sintonia. Vestindo roupas pretas e um chapéu que cobria parcialmente seus rostos, “desapareciam de cena”, deixando o “espaço livre” para as idosas protagonistas. Seus movimentos ágeis – eu tentei fazer, em casa, e é dificílimo! - e precisos, não faltava nem sobrava nada, nos faziam mergulhar na história que era contada e não deixar de acreditar, por um só momento, que tínhamos duas senhoras diante de nós. Mesmo se tratando de situações corriqueiras, tantas vezes vistas em filmes, novelas ou na vida real, a maneira diferenciada, tão bem executada e a perfeita mescla de momentos cômicos e dramáticos, davam ao espetáculo um caráter de novidade, envolviam e emocionavam a plateia.
O clima mágico é instaurado já no início, quando uma das avós entra em cena, ao som da belíssima voz de Katiane Negrão, e vai acendendo, aos poucos as velas que serão a iluminação de todo o espetáculo. Um ritual que nos insere no mundo mágico das vovós – e, logo, ganha duplo significado, ao ser revelado, no final da peça, que uma das avós havia morrido e o que presenciamos, tão vivamente, foram as memórias da outra avó, que sofre a ausência e vela a companheira. A semiologia era, de fato, uma característica forte no trabalho: tanto a luz de velas quanto os acessórios utilizados em cena (flores, baú, porta-retrato), adquiriam duplo significado, no final da peça, que culminava com o velório de uma das vovós: o baú “virava” o caixão, as flores do início eram as flores colocadas sobre o caixão, etc.
Na conversa, após a peça, os atores contaram que o espetáculo começou há seis anos, como um esquete de dez minutos, para passar chapéu em bares, “já que só precisávamos de uma mochila para levar tudo o que era necessário”, contou Katiane. Não havia figurino, apenas paninhos enrolavam as mãos. “Um dia roubaram a mochila e fomos obrigados a refazer tudo. Então fizemos melhor, mais detalhado”. Não dizem que “há males que vem para o bem”? O trabalho foi crescendo e sendo lapidado, aos poucos, durante as apresentações, até chegar a como está hoje, irretocável, na minha opinião.
Um trabalho excepcional, que conquista pela simplicidade, beleza e sensibilidade. Para nós, atores e/ou estudantes de Teatro, fica a grande lição: é possível fazer teatro de qualidade sem termos, necessariamente, que depender de nossos corpos inteiros, de nossas feições faciais e da verbalização de palavras.
Os pouco mais de vinte agraciados, daquela noite, saíram do espaço do Tholl chorosos, mas, acredito eu, mais leves e felizes. Foi uma bela noite.
Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Acadêmica de Teatro (Licenciatura) – UFPel
Integrante do CCETP
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