Com uma temperatura de 12 graus, a Cia Cem Caras de Teatro, do IF-SUL, iniciou o seu Ensaio Geral, na noite do dia 03 de junho de 2010. Já no acesso à entrada do teatro da instituição, víamos uma cena rara no cenário teatral da cidade: havia uma fila enorme de pessoas para comprarem ingressos, enquanto muitos outros se aglomeravam em frente à porta de entrada. Isto tudo para assistirem a um evento teatral, sem “artistas de novela” e fora do perímetro central da cidade.
Para comentar este tipo de evento precisamos ter em mente o contexto no qual ele está inserido. Tratava-se de um Ensaio Geral, onde haveria a colagem de várias propostas de esquetes que, possivelmente sejam montadas pelo grupo. Porém, não estávamos lidando com o processo de trabalho de um grupo de atores profissionais. O que se via ali era o fruto de um trabalho de teatro no contexto de um educandário, como proposta de atividade extraclasse aos alunos da instituição, coordenado pelo diretor Flávio Dornelles. O objetivo deste tipo de trabalho seria o de fornecer possibilidades reflexivas aos educandos para que eles conheçam o processo teatral, reverberando em qualidades para a sua vida em sociedade. Entretanto, a Cia Cem Caras tem sido um grande celeiro de novos talentos na cena teatral pelotense já há algumas décadas. Muitos de seus egressos tomam conhecimento dos primeiros princípios teatrais e acabam descobrindo sua vocação para as artes através deste trabalho.
Neste sentido, o que se observou naquela noite foi uma intenção do diretor em mostrar ao público e alunos que várias atividades artísticas podem atuar sinergicamente. À direita do palco ficava uma banda, formada pelos alunos da instituição, participantes do grupo, que executavam as músicas ao vivo. Destaco aqui o trabalho muito competente e adequado destes músicos para com a proposta de encenação. Realmente, quando um espetáculo de teatro apresenta música executada ao vivo, há um ganho em qualidade imenso. Infelizmente, na maioria das vezes, parece haver um abismo entre o diálogo de músicos e atores, fazendo com que estes últimos, se tiverem habilidades musicais, sejam responsáveis por mais esta tarefa no espetáculo. Acredito que a possibilidade de junção do trabalho de músicos e atores somente viria a acrescentar à qualidade dos espetáculos de teatro e dança pelotenses. Porém, para um músico, em alguns casos, há um lucro monetário maior em tocar músicas cover nos bares noturnos da cidade. Obviamente que a subsistência tem papel preponderante em um mundo capitalista, mas arte preconiza criação, cover é apenas reprodução. Alfineto os músicos locais para que as relações entre atores, dançarinos e músicos sejam mais estreitadas nesta cidade. Todos teriam excelentes ganhos com o tempo. Neste sentido, Dornelles mostrou ao público o prazer em ouvir boa música ao vivo, conjuntamente à execução de cenas teatrais.
No outro lado, à frente do palco os artistas Maicon Barbosa e Jandira Souza criavam uma obra a quatro mãos, pintando um quadro que depois foi sorteado para a plateia. Esta mistura de propostas que o diretor decidiu mostrar ao público é uma ótima oportunidade para o espectador perceber que diversas criações artísticas participam do todo em um processo de construção de um espetáculo de teatro. No início desta década, aqui em Pelotas, o ator Alexandre Coelho, sob direção de Índio Benevenuto, montou um espetáculo chamado “Liubliu Amo!”, no qual o ator interpretava poemas do escritor Vladimir Mayakovsky, enquanto um pianista e a violinista Lis Márcia acompanham a atuação com sua música. No mesmo espetáculo, o multiartista Gê Fonseca criava uma obra, conjuntamente com o trabalho dos outros artistas. Este tipo de proposta artística já foi experimentado em diversos lugares, mas sempre agrega qualidades positivas para o público que tem o prazer em deleitar-se com a possibilidade de observar vários artistas criando em sintonia nas suas mais diferentes formas de expressão artística.
No que se refere aos esquetes, não posso julgá-los com os mesmos critérios que eu faria para atores já formados, pois esta não é a proposta do trabalho. Por se tratar de um processo de ensino, acredito que foi uma boa oportunidade para os estudantes experienciarem um momento de encenações para um grande público. Numa instituição educacional, o objetivo do ensino de teatro não deve ser, no meu ponto de vista, a espetacularização. Acredito que o processo de experimentação do processo criativo teatral possui mais vantagens a um estudante, do que a preocupação exagerada com o processo de montagem de um espetáculo teatral, uma vez que dentro de uma escola o direcionamento está relacionado ao processo educativo, significativo dos educandos e não na preparação técnica para formação de novos atores para o mercado, já que não há um curso técnico para atores nesta instituição. Além disso, a proposta do diretor possibilitou que os alunos entrassem em contato com diferentes tipos de obras literárias, tais como literatura de cordel, obras dramáticas, teatro do absurdo e obras regionalistas, como as de João Simões Lopes Neto.
Os entre atos de um esquete para o outro eram composto por um mise em scène em que alguns elementos do grupo, vestidos de palhaço, executavam números para distrair a plateia. Algo que remetesse muito de longe os entre atos do teatro de revista brasileiro. A proposta do diretor em oferecer a experimentação da linguagem do palhaço aos seus alunos é muito oportuna. Entretanto, dentro de uma linguagem teatral, a técnica clown preconiza um trabalho intenso, exaustivo e muito dedicado dos atores que se aventuram por esta linguagem. No Brasil, saliento o excelente trabalho executado pelo grupo LUME, de Campinas/SP, para lidar com maestria e respeito à técnica de clowns. Neste sentido, não posso comentar o resultado do trabalho dos clowns deste ensaio geral como julgaria um trabalho de atores profissionais, mas acredito que a proposta de oferecer experimentações em diversas linguagens teatrais seja sempre válida. Além disso, o que percebi foi que os maiores ganhos daquela noite foram para os estudantes, pois se percebia nos olhos de cada um o prazer em estar vivendo aquela experiência, tendo contato com linguagens artísticas diversas, ampliando seus horizontes literários e, quem sabe, sendo o primeiro momento de descoberta da vocação para uma futura carreira artística.
Por outro lado, observo que o ganho deste ensaio geral também se deu no fomento à formação de plateia, já que talvez este tenha sido o primeiro momento em que muitos dos presentes tenham assistido a diversas manifestações artísticas ocorrendo simultaneamente. Ademais, não posso deixar de ressaltar o apoio que a coordenação da instituição dá às artes cênicas, estimulando e possibilitando que este educandário ofereça este tipo de atividade aos seus estudantes.
MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
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quarta-feira, 9 de junho de 2010
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