Faz alguns anos que o ator Alexandre Coelho trocou os palcos pelotenses pela carreira de ator na Europa. Neste meio tempo, o ator foi se aperfeiçoando na técnica de Clown, até fundar a Trupe Los Estupendos Estúpidos, com alguns atores europeus, na cidade de Granada, Espanha. Após a montagem de alguns espetáculos e a aquisição de uma sede própria para o grupo, onde além de apresentarem seus espetáculos ao público, ministram oficinas com ênfase nas técnicas de palhaço, Alexandre trouxe ao Brasil seu mais novo espetáculo intitulado MMM!!!
Como não poderia deixar de ser, Alexandre, ou Palhaço Goiaba, apresentou este espetáculo no dia 20 de Dezembro de 2009, no Teatro do Círculo Operário Pelotense (COP). Infelizmente, por se tratar de um domingo, poucas pessoas saíram de casa para prestigiar esta peça de teatro. Entretanto, apesar de não lotarem a plateia do Teatro do COP, o público presente se mostrou bastante caloroso com a apresentação do grupo europeu. Realmente, os pelotenses perderam o costume de colocarem o teatro como membro integrante do seu cardápio de lazer nos finais de semana, sobretudo aos domingos. Houve um tempo em que não importava o dia da semana, que os teatros desta cidade lotavam e, quando falo em teatros, não me refiro apenas ao Teatro Sete de Abril, ou ao Teatro Guarany, o Teatro do COP possuía um público assíduo que o lotava freqüentemente, fazendo com que a busca prévia por ingressos se tornasse uma constante. Atualmente, o que se observa nesta cidade é uma mobilização de marketing de massa intensa para divulgar espetáculos contendo atores de novela e celebridades do eixo Rio-São Paulo.
Quando algum destes espetáculos do centro do país se destina a esta cidade, diariamente, o público é bombardeado por anúncios em rádios, TVs, internet e mídia impressa. Não são poucas as homenagens e as atenções que a sociedade pelotense defere a estes artistas. Porém, a realidade atual mostra que o público não comparece aos teatros devido à crise financeira mundial, no entanto, apesar dos altos preços dos ingressos das produções cariocas e paulistas, os pelotenses não se inibem na hora de adquirir ingressos para toda a sua família comparecer ao evento social teatro que será muito divulgado nas colunas sociais dos jornais locais nas semanas que se seguem. Faço este relato para demonstrar que, em Pelotas, não há falta de público, nem de poder aquisitivo para possibilitar o acesso às apresentações artísticas. Então, por que não observamos os teatros pelotenses lotados, quando os espetáculos não apresentam artistas televisivos? Acredito que uma boa resposta a esta pergunta deveria também contemplar um peso sobre a mídia local em não divulgar os artistas locais, com o mesmo afinco com que o faz para artistas de fora da cidade. Digo isto, pois a formação de opiniões de massa costuma direcionar a sociedade local para que consuma os produtos artísticos que a mídia local julgue dignos de sua apreciação. No entanto, como ficam os artistas locais ante esta realidade? Como fica a auto-estima dos alunos das Faculdades de Dança e Teatro da Universidade Federal de Pelotas, (UFPEL) sabendo que precisarão participar de alguma produção televisiva do centro do país para que obtenham a devida divulgação de seus trabalhos em sua própria cidade?
A reflexão sobre este tema se faz importante à medida que nos damos conta de que, no Brasil, a supervalorização dos produtos importados demonstra um sentimento de inferioridade da população local, em relação aos estrangeiros. Deste modo, Pelotas não deixa de ser diferente. Neste aspecto, não sei se devo generalizar e dizer Pelotas, ou a mídia pelotense, pois é esta quem divulga e estimula o consumo dos produtos artísticos que freqüentam os palcos desta cidade. No meu ponto de vista, a supervalorização do que é produzido fora de nossa cidade, apenas demonstra o provincianismo de uma sociedade ambígua e contraditória, pois, como podemos observar este fato numa cidade que se auto-afirma no imaginário coletivo vangloriando-se de sua arquitetura e histórias construídas em um ambiente pregresso? Pelotas costuma enaltecer os seus doces, o refinamento de sua população e o alto gosto pela cultura. Entretanto, me parece que, para “adquirir sua cultura”, os pelotenses ainda continuam tendo que enviar seus filhos para estudarem na França, ou trazerem os espetáculos franceses para se apresentarem no idioma de origem nos palcos desta cidade, uma vez que apenas os “estrangeiros” detém o devido valor que suas altas estirpes exigem. Obviamente que minha ironia é posta aqui para forçar-lhes a reflexão sobre o posicionamento da mídia local no estímulo à produção dos artistas pelotenses. Não acredito que uma cidade com centenas de milhares de habitantes continue concentrando o estímulo à cultura entre aqueles que dispõem de posses suficientes para seguirem enviando seus entes ao “velho mundo” no intuito de retornarem aos célebres salões pelotenses com muitas novidades a serem divididas com os ilustrados locais.
Além disso, ainda ressalto a presença tímida de poucos alunos das faculdades de Teatro, Dança e Artes em geral, nos espetáculos de teatro que se apresentam nesta cidade, sem as celebridades televisas em seus elencos. Talvez isto seja reflexo da sociedade da qual eles provém e/ou estão inseridos, conforme divaguei acima. Todavia, acredito que os centros educacionais, sejam eles de ensino fundamental, médio, tecnológico, superior ou não-formal, devam prezar pela educação e aquisição de cultura por parte de seus educandos, estimulando-os à reflexão dos temas abordados nos mais diferentes espetáculos e estimulando-os a freqüentá-los, independentemente da presença de atores de TV. Neste sentido, a atenção que chamo aos alunos dos cursos da área das artes da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), concerne no fato de que estes educandos serão os futuros profissionais da arte que lidarão com a formação artística das próximas gerações desta cidade. De que forma estes futuros arte educadores lidarão com estes aspectos, se os seus referenciais ainda estarão atrelados ao tradicional costume pelotense de valorizar a cultura do eixo Rio-São Paulo, em detrimento dos artistas locais? Será que estas percepções e reflexões estão presentes na Universidade? Mas, não falemos apenas da universidade, pois Pelotas é uma cidade com um grande número de estudantes de um modo geral. Qual será a visão que os educadores desta cidade espraiam entre seus educandos sobre a produção cultural local? De que forma elevar a auto-estima desta cidade, se ainda persistir o descrédito à produção local? Ademais, algumas pessoas podem tentar justificar a ausência de estudantes nos espetáculos teatrais devido ao alto custo dos ingressos. Entretanto, vale o questionamento à cerca do valor dos ingressos pagos para as festas nas casas noturnas desta cidade e o custo, em bebidas alcoólicas, que uma noite de festas tem no orçamento destas pessoas. Contudo, não estou querendo dizer que a população deva deixar de sair e aproveitar as festas noturnas desta cidade. Muito pelo contrário, o entretenimento e a diversão são aspectos importantes que devem ser contemplados na vida de cada um. Por este motivo, não posso aceitar a justificativa de que os ingressos dos espetáculos de teatro local são elevados, posto que custam menos do que as quantias investidas no álcool e nas festas noturnas.
Após ter feito toda esta divagação sobre o ausente público pelotense nos espetáculos teatrais que ainda se aventuram nesta cidade, retomo o comentário sobre a volta do Palhaço Goiaba, ou Alexandre Coelho à terra que o fez descobrir o amor ao teatro e a sua vocação à técnica de clown. Neste sentido, os presentes puderam conferir momentos de muito riso no espetáculo MMM!!!, no qual o palhaço mostra os seus malabarismos para preparar as refeições de um restaurante, após saber que o cozinheiro não poderia trabalhar neste dia. Apensar de não ter as devidas habilidades para esta tarefa, o palhaço consegue desempenhar todas as funções. Porém, as executa por meio de situações muito atrapalhadas, levando o público ao riso constante, salientando-se o momento em que o ator contracena com 2 gelatinas, numa situação digna dos grandes comediantes em fazer graça com os elementos mais simples possíveis. Além deste momento, gostaria também de ressaltar a situação em que o ator enfrenta ao atuar com uma galinha viva no palco e do que esta ave consegue fazer com o palhaço para que ela não vá parar na panela. Não houve quem não soltasse umas boas gargalhadas ao observar o palhaço nesta situação tão non sense. Outra grata surpresa deste espetáculo, foi quando o ator Lóri Nelson aparece como clown no final, revelando que era ele quem executava a contrarregragem participativa das cenas. Além de Lóri, ainda participava de MMM!!!, o ator francês Matthieu Cheveau, representando o Maitre que leva o público a degustar as palhaçadas que seguir-se-ão. Matthieu inicia sua explanação em francês e, logo em seguida, explica os acontecimentos em espanhol, convidando o público a desfrutar do menu de seu restaurante. Além disso, não posso deixar de citar o momento de lirismo, quando, após todas as situações engraçadas, surge um novo personagem clown-enamorado que irá saborear a refeição com a sua amada. Neste momento, podemos ver a representação deste anjo-ridículo que, apesar de nos levar a muitas risadas, consegue nos emocionar com a pureza de suas simples ações de palhaço.
Para aqueles que acompanharam a carreira de Alexandre Coelho, observar a sua evolução na experimentação das técnicas de palhaço, nos deixa muito orgulhosos, pois este ator iniciou sua carreira em Pelotas, mudou-se para Europa, consolidou o seu trabalho e retorna à cidade de origem para mostrar a sua arte que vem sendo desenvolvida em outro continente. Entretanto, Alexandre nunca fez telenovela no centro do Brasil, talvez tenha sido este o motivo que não levou o público a lotar o Teatro do COP, nem à mídia local prestar-lhe às devidas homenagens. Mas, este fato de nada interfere na qualidade do trabalho deste artista gaúcho que prosseguirá sendo reconhecido no continente europeu. Talvez, agora, após lerem este comentário alguns membros da sociedade pelotense possam enviar seus filhos para apreciarem o trabalho que Alexandre e sua Trupe desenvolvem na Europa.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
vagnervarg@yahoo.com.br
www.ccetp.blogspot.com
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
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Um comentário tão longo mereceria considerações igualmente mais detalhadas. Limito-me, contudo, a fazer apenas uma breve observação com relação à questão das "cadeiras vazias". Sempre tive por princípio ao procurar entender as razões da pouca receptividade de um evento ou promoção ( alguns que eu próprio promovi) de deixar as causas "externas" por último ou em segundo plano. No caso em pauta, da falta de público nos espetáculos teatrais, procuraria analisar o que poderia estar faltando na própria produção destes espetáculos para que pudesse se tornar possível atingir um público mais amplo. Sem chegar a um entendimento mais claro deste aspecto, tenho dúvidas se poderemos esperar resultados muito positivos. Resumindo, no mundo dos espetáculos a questão das cadeiras vazias, principalmente quando elas parecem se constituir numa espécie de público fantasma, torna-se parte essencial da própia produção, assim como todos os seus demais elementos, e não um fator que possa ser considerado a posteriori como sendo algo externo ao próprio espetáculo com causas que lhe são alheias.
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