Por volta das 19:30, mais de cem pessoas lotaram o teatro do Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no dia 15 de Dezembro de 2009, para assistirem ao processo de montagem do texto Medéia, de Eurípedes, representado por Josiane Almada, aluna do segundo ano de ensino médio da Escola Estadual Joaquim Duval, coordenado pela professora de Literatura Dagma Colomby. Certamente, foi um grande desafio para uma adolescente de 19 anos enfrentar uma platéia lotada de atores, diretores, professores de teatro e alunos das faculdades de dança, teatro, cinema, música e artes visuais da UFPEL, além do público em geral.
Neste sentido, saliento o virtuosismo com que Josiane interpretou Medéia, uma mulher com mais de quarenta anos, amargurada pelos dissabores da vida que, em um momento de loucura, acaba matando os próprios filhos, no intuito de vingar-se do ex-marido, após ele ter se casado com uma mulher mais jovem. Sendo assim, o que mais chamou atenção não foi apenas a capacidade interpretativa da jovem atriz, mas sim, a compreensão que esta adolescente apresentava de cada palavra do texto, expondo todo o denso universo psicológico que Medéia exige. Relato estes fatos, pois, atualmente, com uma triste constância observamos muitas pessoas subirem ao palco, intitularem-se atores, sem sequer significarem o texto dito pelas personagens e ainda chamarem isto de teatro.
Outro aspecto importante, refere-se ao fato do trabalho evidente em vertentes baseadas em poéticas do teatro físico, tratando o ator como um elemento orgânico, onde observamos todo o contexto sendo contado através da fusão dos aspectos físicos e psicológicos da personagem. Estas características estavam presentes neste trabalho e seu crédito deve-se, em grande parte, ao brilhante trabalho da professora Dagma Colomby, a qual, além de diretora de teatro e atriz há mais de 20 anos nesta cidade, soube conduzir, com maestria, o trabalho de sua aluna. Deste modo, percebe-se o eficiente labor de uma educadora capaz de descobrir os meios possíveis para alcançar a significação do processo criativo por parte de seus alunos. Além disso, Dagma e Josiane construíram um trabalho competente, no qual seus referenciais as levou a criar uma atmosfera que transcendeu aos limites do palco, envolvendo todos os presentes. Em função disso, não foram poucas as vezes em que era possível ouvir o choro da platéia comungando com o sofrimento e a loucura de Medéia.
Em consonância com o que foi dito acima, reafirmo que a batalha de uma professora e uma aluna de ensino médio, de uma escola pública, distante do perímetro central desta cidade ao levarem o seu trabalho artístico para apreciação de um público acadêmico, dentro da própria Universidade, foi vencida com o brilhantismo e a sensibilidade que somente os verdadeiros artistas possuem. Desta forma, espero que o nome Josiane Almada seja uma constante em futuros espetáculos teatrais. Ademais, anseio que o trabalho da diretora Dagma Colomby obtenha o devido respeito que merece. Entretanto, ainda sinto falta desta atriz novamente nos palcos pelotenses. Esta situação deve-se muito ao fato de há alguns anos Dagma dedicar-se ao fomento da arte teatral no Bairro Santa Teresinha, em Pelotas, agregando mais de cem pessoas em seu trabalho de experimentação teatral.
Portanto, espero que os preconceitos intelectuais do centro e zonas “nobres” desta cidade consigam ter o respeito e humildade em identificar que o talento surge independentemente de sua situação socioeconômica e geográfica. Acrescentado-se a isso, almejo que este digno trabalho, construído em uma escola pública, reverbere estimulando o processo criativo em outros locais desta cidade, onde freqüentemente resta apenas a soberba e o saudosismo, já que o público anseia por gozar dos prazeres que somente a arte pode lhes fornecer.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 - Integrante do CCETP.
vagnervarg@yahoo.com.br
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
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tenho acompanhado o trabalho da professora dagma e de vários grupos de estudantes da escola joaquim duval. é formação de atores e de platéia crítica, merece o meu respeito.
ResponderExcluirgilnei oleiro corrêa
coordenador de linguagens do ifsul/campus pelotas
A título de contribuição gostaria de comentar que os "preconceitos intelectuais do centro e zonas "nobres" talvez tenham dificuldade em ter o respeito e humildade em identificar um talento surgido fora de seu círculo justamente por serem preconceitos.
ResponderExcluirA "soberba e o saudosismo" na realidade são reflexos da concepção ainda muito reinante de que o teatro ( assim como outras apresentações artísticas, mostras e concertos por exemplo) são antes de mais nada momentos sociais onde é possível desfilar moda e pretensões intelectuais.
Tudo muito típico da forma burguesa de se apropriar das manifestações culturais
filtrando tudo que perturbe seus padrões consagrados.
Para "furar" este bloqueio torna-se vital consolidar espaços, entre outros, como este do IAD aasim como o mantido pela professora Dagma no bairro , e abrir uma discussão que dê conta da dimensão política, na forma estética em que se manifesta, de fazer teatro e de fazer arte.
P.R.Baptista
www.ciclistasanonimos.com