Durante o I Festival Internacional SESC de Música em Pelotas, o público local teve o prazer de assistir à Ópera Bastien e Bastienne, de Mozart (1756-1791), no dia 10 de fevereiro de 2010, com a Orquestra Unissinos, sob a regência de Evandro Matté e participação de Elisa Machado (soprano), Flavio Leite (tenor) e Carlos Rodriguez (baixo). Apesar do calor típico dos meses de verão, o Teatro Guarany teve suas dependências lotadas, com fila de espera para assistirem esse espetáculo.
Mozart compôs essa obra ainda na sua infância, talvez por esse motivo a temática abordada seja bastante ingênua, apesar do evidente talento que o jovem compositor já demonstrava quando a compôs aos 12 anos, baseada na peça de Jean Jacques Rousseau, “Le Devin Du Village”. Mesmo se tratando de uma ópera, resolvi tecer alguns comentários sobre esse espetáculo aqui nesse canal, uma vez que as óperas se consagraram como uma das opções de espetáculos teatrais, durante muitos séculos na Europa. Posteriormente, a visão fragmentadora ocidental separou as óperas da sua visão como espetáculo teatral, apenas considerando-as como espetáculos musicais. No entanto, apesar de muitas pessoas persistirem nesse equívoco ainda nos dias de hoje, analisar as óperas sob esse ponto de vista, deixaria margem para desconsiderar todo o teatro musical contemporâneo como linguagem teatral.
Nesse sentido, ao assistirmos uma ópera, não devemos fixar nossos olhares apenas ao prazer de escutar harmonias instrumentais fantásticas, capazes de criarem climas e imprimir toda atmosfera que as cenas necessitam, ou apenas na virtuose vocal, resultado de muito trabalho, estudo e disciplina dos cantores. Os espetáculos de ópera contém histórias das mais variadas origens e abordagens temáticas, além de muitos deles representarem importantes características tanto do teatro, quanto da arte em geral que estava sendo pensada e produzida no momento que essas obras foram escritas. Por esse motivo, me sinto confortável para analisar ao espetáculo apresentado no mês de fevereiro em Pelotas, pois, muitas vezes, o público em geral analisa apenas os aspectos musicais, se esquecendo do espetáculo teatral performado naquele momento.
A montagem pelotense surpreendeu a todos no que se refere a possibilidade de óperas serem montadas nessa cidade, de maneira simples e competente como essa foi realizada, sem necessitar de cenários gigantescos e e centenas de pessoas no elenco. Obviamente, que a simplicidade da obra favoreceu esse fato. Porém, observamos que, com empenho e boa vontade, outros espetáculos operísticos poderiam ser montados em Pelotas. Além disso, o que muitos poderiam justificar é que não existe público para uma montagem considerada “erudita”. No entanto, isso seria um contrasenso, tendo em vista a lotação do teatro e a intensa procura de ingressos para esse espetáculo, o qual já estava com a lotação esgotada no dia da apresentação. Se existe demanda de público, por que não dispomos de outras óperas nessa cidade?
Outro argumento que poderia ser levantado pelos incansáveis rabugentos anti-cultura, seria o de que esse tipo de espetáculo agrada apenas a um público com formação e hábito em apreciar obras eruditas. Todavia, será que a população em geral não teria o desejo de assistir a uma ópera ou não ficaria satisfeito ao assistir uma obra dessas, caso tivesse possibilidade? Muitas pessoas se respaldam no seu preconceito social justificando que o público em geral gosta apenas de expressões artísticas de apelo fácil, mero entretenimento que não lhes permitam nenhum tipo de amplitude estética. Contudo, não é esse o tipo de comentário que qualquer pessoa que nunca havia assistido a uma ópera faz, após o término de uma apresentação. Àqueles que duvidam, os convido a pagarem um ingresso para ópera a uma pessoa que nunca teve o prazer de prestigiar um espetáculo desse tipo e depois perguntem-na sobre o que achou.
Apesar da boa iniciativa na montagem dessa obra na cidade e a possibilidade dela ser oferecida à população de maneira gratuita, observo que o rigor na performance musical não foi mantido no que se refere à performance teatral. Os cantores eram bons. Seria muita ingenuidade de alguém pensar que um cantor se atreveria a cantar uma ópera caso não tivesse formação pra isso. No entanto, me pareceu que o tenor estava gripado, ou, por algum motivo, parecia estar muito exausto durante a apresentação, o que não chegou a afetar sua performance, já que, apesar da aparente debilidade, conseguiu conduzir toda sua apresentação com profissionalismo e competência. Em alguns momentos, me pareceu que o diretor solicitou à soprano que desviasse a sua emissão para outros locais do palco, desviando o foco de atenção da personagem, o que fazia com que o som se perdesse por alguns instantes, dada à péssima acústica do teatro Guarany. O barítono, mesmo quando estava falando, podia ser escutado em todo o teatro, o que foi facilitado pela sua disposição cênica frontal durante toda a peça.
A meu ver, a concepção de encenação do espetáculo foi um equívoco, uma vez que, mesmo desejando quebrar com alguns paradigmas das montagens tradicionais de óperas e tentando propor uma abordagem diferenciada, a estética adotada se perdia na incoerência. O cenário adotado não era funcional, nem apresentava uma justificativa de sê-lo ao apresentar tantas cadeiras agrupadas de forma desordenada em cima de algumas mesas sem a exploração dessa informação ou desse signo que estava tentando ser explicitado. Assim, o cenário funcionou em alguns momentos apenas como passarela para um cantor mais baixo ficar um pouco acima dos outros, sem relação com a situação que estava ocorrendo na cena naquele momento. Além disso, alguns elementos de cena, apenas surgiram no início do espetáculo para serem retirados posteriormente, sem organicidade nenhuma com as cenas do espetáculo.
O figurino era incoerente tanto em sua proposta – se é que havia alguma – quanto em sua funcionalidade. Não havia uma identidade visual para o espetáculo, o figurino não condizia com as cenas. Em alguns momentos, pareciam fantasias “alternativas” para blocos de rua no carnaval. A iluminação estava precária, mal afinada, sem uma proposta condizente com as situações ocorridas durante o espetáculo. Ao levantar essas situações não quero dizer que uma ópera não possa ter concepções diferentes das tradicionais, muito pelo contrário, acredito que o mundo atual oferece uma gama de informações e possibilidades que agregariam muitos fatores positivos a quem se dispor a propor novos olhares sobre obras tão pouco exploradas. Porém, para que esses aspectos sejam realmente postivos e adequados, necessitam estar coerentes tanto em sua concepção, quanto na sua execução.
Outro ponto crítico da direção se refere à proposta de interpretações repletas de canastrices, o que ao invés de representar um estilo interpretativo, adquiria um sentido ridículo à caracterização dos personagens, prejudicando a atuação dos cantores como intérpretes naquele momento. Esse tipo de equívoco se atribui à direção do espetáculo, uma vez que o olhar afastado permitiria ao diretor evitar que essas situações comprometessem a verossimelhança das personagens. Quando abordo esse aspeto das atuações não estou negando a possibilidade de atuações farsescas, clownescas, melodramáticas, bufônicas, caricatas e etc... Porém, o que observamos foi apenas canastrice na concepção de direção, o que isenta o elenco dessa responsabilidade.
Portanto, apesar de alguns problemas relacionados à concepção de encenação, a montagem dessa obra de Mozart foi muito válida, já que nos mostrou que, em Pelotas, existe material humano de sobra e com talento suficiente para montarem outras óperas e espetáculos com outras abordagens musicais para os mais diferentes públicos. Considero positiva a iniciativa do SESC em oferecer esse tipo de espetáculo de maneira gratuita à população local e espero que essa tenha sido apenas a primeira de muitas outras óperas levadas aos palcos pelotenses de maneira gratuita para democrtizar o acesso do público a esse tipo de obra.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
vagnervarg@yahoo.com.br www.ccetp.blogspot.com
projetos culturais para a cidade de Pelotas são muito importantes para a região e vejo que faz com que as pessoas não fiquem tão "presas" em suas casas.
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