quinta-feira, 28 de abril de 2011

DAS NOVE MENTIRAS...

... A ÚNICA VERDADE É A SITUAÇÃO DE INVISIBILIDADE DO DITO SEXO FRÁGIL
por Dagma Colomby
 Com direção de Gilson Vargas, texto de Diones Camargo, encenado e coproduzido por  Vanise Carneiro, o texto 9 Mentiras Sobre a Verdade traz ao palco a história de uma dona de casa que, talvez devido à insatisfação com sua vida, fantasia que é protagonista de filmes famosos e passa tal ideia para as pessoas. Em uma reunião para mentirosos compulsivos ela começa a descobrir a linha tênue entre a fantasia e a realidade, seu complexo de Eléctra, sua condição de mulher invisível. O caráter psicológico do texto de Diones Camargo se evidencia através da apresentação de uma personagem com o comportamento compulsivo de alguém que cria um universo paralelo fugindo, assim, de uma existência quase imperceptível para aqueles com os quais a mesma convive. Provavelmente entre as nove ou mais bravatas proferidas por Lara, a única grande verdade seja a situação de invisibilidade que o universo contemporâneo ainda oferece à figura feminina, quase sempre tão impedida de ser reconhecida, valorizada, estimada, afinal ser mulher, ter cérebro, fazer uso do mesmo não é algo muito apreciado por grande parcela de nossa sociedade, que cria uma infinidade de ardis para solapar a autoestima e valoração da figura feminina que ousa se destacar num mundo onde até a gramática é masculina. A situação de circularidade do texto parece ser usada para ressaltar questões fulcrais e norteadoras da sua condição de mentirosa compulsiva.
 No final há a ruptura com a fantasia vivida pela personagem e esta retoma a sua realidade, se impondo ao meio em que vive, dando um basta à tirania da invisibilidade. Fazer uso do cinzeiro, deixar claro que voltou a fumar é a metáfora da rejeição do soutién, é mostrar o peito, é dizer que não está mais invisível, apática, submissa, talvez quieta, esperando o momento certo de agir, mas jamais aceitando o papel de figurante que não dá o direito à voz.
O espetáculo faz uso de diversos recursos sonoros e visuais, os quais, além de tornar os momentos cênicos mais ricos e aprazíveis à plateia (projeções, gravações, entre outros), atuam como facilitadores da compreensão da montagem. A iluminação, concebida por Fernando Ochoa, estabelece uma espécie de costura entre uma cena e outra, fato que ressalta a interpretação responsável de Vanise Carneiro. A atriz brinca com o universo cinematográfico, permeia a plateia de dúvidas sobre o que é ficção e o que é realidade, faz um uso constante de símbolos, trabalha o teatro dentro do teatro atribui significados inteligentes ao figurino, nada do que a mesma usa fica sem um sentido, aguçando assim a imaginação do espectador. É interessante o jogo de interação proposto à plateia, embora paire a dúvida se há realmente um desejo de que esta tome parte do espetáculo pois, ao mesmo tempo que o espectador é instigado a dar a sua participação, há uma velada coibição de que este se manifeste que se revela no desvio do olhar quando não se quer uma resposta, ou seja, só participa quem, através de uma  provocativa e insistente mirada, é convidado a responder alguma questão; talvez tal jogo tenha tornado a atuação um pouco monótona e não convincente em alguns momentos.
Nove mentiras sobre a verdade, apresenta uma linguagem contemporânea, como opção estética um palco quase nu, traz à cena uma atriz madura e um texto rico, com possibilidades de infinitas leituras e significados. Em todo o conjunto da montagem podemos observar uma direção experiente, que, embora tenha feito uma escolha pautada bem mais no textocentrismo do que na fisicalidade, realiza reflexões bastante pertinentes ao modo de vida da mulher moderna, suas inquietações, receios e desejos. É um espetáculo que vale a pena ser assistido, reassistido, pelo seu conteúdo, forma e abordagem escolhidos e utilizados. 

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