sexta-feira, 31 de maio de 2013

Mais Um Excelente Trabalho de Valter Sobreiro Jr e do Teatro Escola de Pelotas Volta aos Palcos


Os nomes Valter Sobreiro Jr. e Teatro Escola de Pelotas falam por si só e já trazem uma qualidade intrínseca agregada a quaisquer trabalhos que venham a desempenhar. No dia 19 de dezembro de 2012, não foi diferente. Quando começou a apresentação do espetáculo Entremez da Rainha Dona Maria, a Louca, e seu Fiel Criado Belisário, na Bibliotheca Pública Pelotense, a plateia presente já sabia que se tratava de um excelente espetáculo.

O texto da peça, escrita e dirigida por Valter Sobreiro Jr., conta uma história que se passa em um lixão isolado, à beira de um rio poluído, onde uma mulher, afetada pela loucura, vive a fantasia de ser D. Maria I, rainha de Portugal. A personagem vive em seu castelo de faz de conta, com Belisário, um adolescente mantido aos seus serviços como se vivessem no século XVIII. O mundo fantasioso de D. Maria I é confrontado pela chegada de um bebê ao lixão e, logo em seguida, quando a mãe dele, uma jovem prostituta vem buscá-lo. A partir daí, se desenrola a trama de acontecimentos do espetáculo.

O texto mantém a qualidade e identidade dramatúrgica que Valter costuma imprimir em seus trabalhos. Os diálogos muito bem construídos, alinhavam uma trama coesa, onde nada está sobrando ou fora de lugar. A maneira inteligente como Valter organiza a história, leva os espectadores a refletir sobre a solidão, depressão e a necessidade que algumas pessoas têm em criar desculpas para não encararem a dura realidade de suas vidas. Claro que, no caso da protagonista, esses limites são ultrapassados, confundindo-se entre loucura e sanidade, crueldade e doçura.

Valter Sobreiro Jr. Também assina a cenografia, iluminação e direção do espetáculo. A cenografia simples, porém extremamente funcional e de acordo com a proposta, consegue colaborar para a construção do ambiente desfrutado por D. Maria I e Belisário. De início, ficamos com a impressão de que a peça se passa em algum lugar devastado, lembrando as ambientações backetinianas, onde transitam personagens destruídos pela sua dura condição, sem esperanças para grandes mudanças em suas vidas.

A iluminação compõe uma estrutura dramatúrgica em consonância com os diversos momentos que cada personagem vai enfrentando. Apesar da pouca disponibilidade técnica para iluminação cênica no local, Valter soube potencializar os recursos disponíveis, sem afetar o desenvolvimento das cenas. Além disso, tanto a operação de luz, quanto a paleta de cores utilizadas colaborava para a construção dos momentos da história que transitavam entre os campos onírico, real, insano, assim como também ajudavam na transição das cenas.

A maneira escolhida para realizar as trocas de cenas, assim como a contra regragem encenada por Juliano Gass e Ana Laura Paiva foi muito adequada à proposta. Ambos os atores entravam e saíam de cena, preenchendo e potencializando alguns momentos da história. Além disso, a trilha sonora composta por Leonardo Oxley além de bela, envolvia os espectadores no universo e nos conflitos de cada personagem de maneira muito delicada.

Um capítulo à parte, se refere aos figurinos concebidos por Barthira Franco. Essa peça pode ser um típico exemplo para as pessoas que desejam fazer figurinos para teatro, sobre como adaptar materiais que permitam intensificar a caracterização das personagens de acordo com a proposta do espetáculo. Os figurinos de D. Maria I e Belisário refletem o interior dessas pessoas degradadas por uma vida que abandonou o plano real e criou o seu próprio mundo imaginário.

As texturas, cores e desenhos das vestimentas construíam um ótimo exemplo de como se conceber o visagismo para um espetáculo de teatro. Além disso, os figurinos dos outros personagens contrapondo a realidade da jovem prostituta com a ficção da contra-regragem, traziam os contra pontos perfeitos para fecharem com a concepção de encenação adotada. Este espetáculo é apenas mais um exemplo da qualidade do trabalho de Barthira Franco como figurinista. Isso, sem falar no seu trabalho como atriz, encenadora, maquiadora, cenógrafa e, atualmente, como diretora do Teatro Escola de Pelotas.

O trabalho do ator Sérgio Peres, que deu vida à personagem D. Maria I, merece todos os elogios. A opção de uma atuação não realista e estilizada pode ser a premissa para o desabamento de um espetáculo, quando feita por um ator despreparado. O que não é o caso do experiente e talentoso Sérgio Peres, que assumiu a difícil tarefa de manter essa opção estilística durante todo o espetáculo. Já nas primeiras frases da peça, nós esquecemos completamente de que se trata de um ator interpretando um personagem feminino. Sérgio conseguiu fugir de todas as armadilhas simplistas da estereotipação de uma personagem mulher, interpretada por um homem e ele ainda vai além, conseguindo imprimir todas as nuances e facetas que a personagem necessita à medida que vai revelando sua história à plateia.

Visivelmente, observamos o quanto a construção dessa personagem exige não apenas da sensibilidade de Sérgio Peres, mas também do seu físico. Inclusive, o trabalho corporal e estética adotadas por ele para construir tal personagem, me lembraram as referências trazidas no filme Stage Beauty (2004), quando falam sobre o fato dos atores até o século XVII interpretarem personagens femininas e as suas Five Positions of Feminine Subjugation”. Sérgio, com toda a sua experiência nos palcos, consegue envolver os espectadores nos dramas, traumas e na loucura da sua personagem na medida certa.

O ator Bernardo Pawlak, que interpreta o jovem Belisário, costura a história fornecendo características de doçura, ingenuidade, leveza e sensibilidade para o seu personagem. Bernardo, apesar da pouca experiência nos palcos, não deixa nada a desejar frente ao experiente Sérgio Peres. Muito pelo contrário, Bernardo consegue transitar pelos momentos em que é “escada” e nos momentos em que seu personagem traz a cena para si na medida certa.

Já a experiente atriz Roberta Rangel, quando entra em cena, traz uma personagem que irá desestabilizar as relações já construídas na história. Roberta consegue imprimir verdade cênica a sua personagem, sem a necessidade de maiores esforços. Sua personagem, que é uma jovem prostituta, poderia ser uma fácil armadilha para atrizes inexperientes, caindo em estereótipos ou puxando para características televisivas e pouco inteligentes. Porém, Roberta vai mais a fundo, compreendendo os conflitos de sua personagem e a sua condição naquela história. Roberta sensibiliza os espectadores no drama de sua personagem de maneira muito doce e delicada.

O elo de ligação entre o universo não realista da personagem D. Maria I e a vida cruel e real da prostituta é costurado pelo personagem Belisário. Entretanto, essa situação não fica apenas na construção da dramaturgia textual, ela se manifesta na atuação dos atores. Sérgio Peres atua dentro de uma perspectiva não realista de construção da personagem. Roberta traz uma personagem realista, na dose certa como o contexto necessita. Já Bernardo, consegue transitar por essas duas opções estéticas, sem prejudicar a encenação. Muito pelo contrário, talvez seja esse um dos predicados que qualificam esse espetáculo, fornecendo uma verossimilhança impressionante a todas as personagens, dentro de cada um dos seus contextos.

Obviamente que tudo isso só foi possível, pois toda a equipe fora conduzida pelas mãos do experiente diretor Valter Sobreiro Jr. que soube potencializar as qualidades de cada um dos seus atores com a maestria que sempre observamos nos seus espetáculos. Além disso, também gostaria de destacar a versatilidade da encenação, uma vez que a sua proposta se adéqua tanto para palcos do tipo italiano, quanto para outros espaços cênicos. Este fato é muito importante nos dias de hoje, quando, antes de pensarmos no mercado para os espetáculos de teatro, também precisamos levar em conta as possíveis adaptações espaciais que venhamos a encontrar pelo caminho.

Portanto, termino esse texto recomendando a todos que ainda não foram assistir à Entremez da Rainha Dona Maria, a Louca, e seu Fiel Criado Belisário, que o façam enquanto estiver em cartaz, pois se trata de mais um competente exemplo dos grandes trabalhos de Valter Sobreiro Jr. e do Teatro Escola de Pelotas. Além disso, a população de Pelotas precisa voltar a valorizar as produções teatrais dos artistas de sua cidade e da qualidade dos seus espetáculos tão reconhecidos no resto do país.

Vagner Vargas
Ator – DRT: 6606
Crítico de teatro



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