terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dias nem tão felizes para Bob


Na segunda semana de setembro, um grupo com cerca de 30 acadêmicos – eu entre eles - dos cursos de Teatro e Dança Licenciatura da UFPel fretou um ônibus, sob coordenação da professora Marina Oliveira. Destino: Porto Alegre em Cena, na capital gaúcha. A viagem rendeu. Em dois dias, vimos três espetáculos. Na noite de sábado, dia 11, tivemos a rara oportunidade de assistir uma peça de um autor consagrado mundialmente, dirigida por um dos maiores ícones da direção teatral do século XX e da atualidade. O espetáculo apresentado para um Theatro São Pedro lotado foi um pot pourri de nacionalidades: texto Happy Days do irlandês Samuel Beckett, dirigido pelo norte-americano Bob Wilson, com uma produção italiana, interpretado em francês pelos italianos Adriana Asti e Yann de Graval, com legendas em português. Experiência única. Podia-se dizer que tinha tudo para ser um espetáculo memorável e, no entanto, foi aborrecido. Chato mesmo.

Primeiro ato: Uma mulher, Winnie, está “enterrada” até a cintura e fala sem parar, com bom-humor e um otimismo incansável, apoiando-se, como em uma muleta, em objetos do cotidiano que traz em uma sacola. A linguagem figurativa abre espaço para infinitas possibilidades de interpretação – e de encenação! Winnie é acompanhada pelo marido Willie, que pouco se manifesta – nesta montagem, ele praticamente não aparece.

Segundo ato: a imobilidade (impotência?) da protagonista, a mesma mulher, é exacerbada: Winnie está enterrada até o pescoço e se esforça para manter o entusiasmo pela vida. O enredo, em si, é intrigante. Poderia ter inquietado a plateia de maneira positiva. Mas não funcionou.

Foi a primeira vez que assisti uma peça com legendas – colocadas acima do palco - e, embora a minha posição, em um camarote central, facilitasse a leitura dos subtítulos, em alguns momentos a iluminação tênue a impossibilitava – vários colegas, sentados nas primeiras filas da plateia, queixaram-se de torcicolo e teve quem só tenha descoberto que havia legendas durante o intervalo.

O cenário proposto por Wilson é um imenso vulcão negro, belo, impactante - ainda que o impacto que causa no primeiro momento se esvaneça após um quarto de hora. O vulcão negro contrasta com a pele alva da atriz protagonista. No alto do vulcão, a Winnie de Adriana Asti ganha força. É de dar inveja a memória desta mulher de 77 anos, que foi casada com o diretor de cinema Bernardo Bertolucci. A personagem fala, praticamente sem parar, durante os 90 minutos da peça. É quase um monólogo. Mas, apesar da energia e excelente performance da triz, apesar da luz, vibrante em diversos momentos, e dos efeitos sonoros, estrondosos, Wilson não consegue impedir o avanço do sono a quem está do outro lado da ribalta.

“Mas era Beckett!”, argumentou, na saída do São Pedro, uma de nossas professoras – várias estavam lá. Não entendi bem se ela quis dizer que por ser Beckett já se sabia de antemão que seria enfadonho, ou se não se podia considerar enfadonho por se tratar de Beckett. Sinto muito. Na minha opinião, foi entediante, sim. Não importa se era Beckett ou se era Bob Wilson. Talvez algumas pessoas tenham, genuinamente, gostado da apresentação. Eu falo por mim. Não vou fingir que gostei do espetáculo somente porque levava a assinatura de famosos. Ainda que fosse teatro do absurdo, ainda que fosse de cunho existencialista, ainda que tratasse da “imolibilidade humana”, não acho que justifique um trabalho maçante. Sinceramente, eu tive a impressão de que a maioria das pessoas achou o espetáculo chato – assim que terminou a peça, as palmas começaram tímidas, inseguras, mas logo foram tomando força, até chegarem a um aplauso efusivo, com praticamente todos de pé - o que deveria, segundo a convenção teatral no Brasil, ser uma mostra de forte apreciação da peça - inclusive com direito a vários “uhus”. Tudo falso, na minha opinião. É como se, pelo fato de se tratar de um texto de Beckett com direção de Bob Wilson, fosse embaraçoso não gostar. Uns foram no embalo de outros e todos fingiram gostar. Eu poderia estar tremendamente enganada, mas todas as com as quais conversei a respeito, mais tarde, confirmaram as minhas suspeitas. Que bobagem...

Eu parto de duas premissas. Primeiro: o mito não pode ser maior que o artista. Não acho que ninguém tenha a obrigação de gostar de um trabalho só pela assinatura que leva nem, por outro lado, artista algum deve sentir-se na obrigação de atender as expectativas de seu público. No caso de Bob Wilson, fez-se a fama de diretor irreverente, ousado, transgressor, inovador, então se espera que seus trabalhos surpreendam sempre. Um peso terrível nos ombros do diretor norte-americano que, aliás, foi bastante fiel à proposta de encenação do autor – em maio deste ano assisti uma releitura do mesmo, “Dentrofora”, pelo grupo portoalegrense Incomodete, com os atores Nelson Diniz e Liane Venturella, dirigidos por Ramiro Fensterseifer.

A apresentação, de 45 minutos, que integrou a edição deste ano do Palco Giratório do SESC, foi, de longe, mais interessante que esta, proposta por Bob Wilson- Talvez o problema esteja no próprio texto de Beckett, que originalmente sugere a personagem imóvel em tempo integral, como recurso – talvez – para nos fazer refletir sobre a mesmice de nossas vidas. Não há dúvidas de que é um enorme desafio conseguir manter o interesse do espectador quando o foco está em uma única atriz que só se movimenta da cintura para cima – e logo, somente o pescoço e a cabeça -, sobretudo em um espaço das proporções do São Pedro, em que a performance do ator/atriz fica desvalorizada para aqueles que não estão sentados perto do palco. Bob, lamentavelmente, não foi bem sucedido nesta tentativa.

Por outro lado - esta é a segunda premissa -, não acredito em um teatro tedioso. Ainda que muitos profissionais defendam que é preciso causar inquietação na plateia, não se pode confundir inquietação com tédio. É possível encontrar outros meios de levar o espectador a pensar em seus limites e limitações, impostas ou voluntárias, sem fazê-lo passar por uma tortura teatral. Acredito em um teatro vivo, dinâmico, que toca, emociona e, sim, faz pensar. Mas sem colocar o espectador pra dormir. Sem fazê-lo desejar que o espetáculo acabe de uma vez.

Joice Lima – DRT atriz 013051 (Sated/SP)
Acadêmica de Teatro (Licenciatura) - UFPel
Integrante do CCETP

4 comentários:

  1. Joice, falas pouco do teatro de Becket, na realidade te deténs mais em comentar as circunstâncias da apresentação. Eu tenho uma propensão a observar os espetáculos sob este ângulo, a partir do que ocorre fora da cena. Mas não sou um estudioso de teatro. Por falar em Becket e em Teatro São Pedro , certa vez assisti a uma apresentação de Ionesco. Tenho comigo um livro autografado por ele pois, detalhe, ele estava presente.

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  2. Relendo o texto fiquei me perguntando se o teatro do absurdo a que a peça se refere, não escapa do palco e se estende à platéia.
    As legendas que passam despercebidas, o sono que avança, o aplauso efusivo, de pé, quando , presumo, o público se dá conta de que a tortura terminou (deve ser por isto que aplaudem com tamanha veemência), pode ser mais absurdo que a velha senhora quase monologando enterrada até o pescoço.
    Mas isto talvez seja sair da crítica e entrar na ficção.

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  3. Oi, Baptista
    pois é, tens razão, me detenho mais a comentar o espetáculo e as impressões que me causou - ou parecem ter causado no público. Esta é a intenção, mesmo. Até porque, se for analisar os textos ou a linha dos autores, me alongaria muito.
    Concordo contigo na questão do "absurdo" se refletir na plateia. Não tinha visto sob esta ótica e, de certo modo, faz sentido.
    Agradeço os comentários. Continua com a gente e vê se nos brinda com algum texto, afinal és membro do Clube!!
    Um abraço

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  4. Chegaste a ler "Uma Noite no Teatro" ?

    http://prbaptista.blogspot.com/2010/07/uma-noite-no-teatro.html

    Mencionei como comentário de "Uma Noite com Rosa" e o Vagner fêz uma referência.

    Há pontos em comum...

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