domingo, 8 de agosto de 2010

Sam Mendes valoriza atores em peça de Shakespeare


Oi, gente
Estou super em dívida com o CCETP, por ter passado tanto tempo sem escrever comentários sobre espetáculos, mas a verdade é uma só: estava muito envolvida com a faculdade, que exigia dedicação quase absoluta. Agora, no entanto, que estamos em férias e consegui ter o computador de casa funcionando após algumas semanas, não tenho mais desculpas.
Embora nosso clube tenha oficialmente quase vinte integrantes, na prática isso não tem se concretizado, somente quatro pessoas escreveram até agora, a maioria dos artigos de autoria do Vagner Vargas – que, para nossa felicidade, escreve muito bem , com propriedade e elegância, sem deixar de cumprir o foco principal da proposta: dizer a verdade.
De modo que deixo aqui uma provocação aos integrantes do CCETP: queremos ter o privilégio de contar com a participação de vocês e, ao mesmo tempo, dar aos nossos leitores o direito de conhecer outras opiniões sobre os espetáculos, que é a intenção primeira deste clube.
Na sequência, comentarei espetáculos assistidos em Pelotas (Primeiro as Damas), em Porto Alegre (no Palco Giratório) e em Londres, não necessariamente nesta ordem.
Um abraço àqueles que acompanham nossos artigos.

Como gostei

Sam Mendes valoriza atores em peça de Shakespeare

Mundialmente, ele é mais conhecido pelo Oscar de melhor diretor em 1999 pelo filme “Beleza Americana” e por assinar a direção de outros filmes, tal como “Estrada para a Perdição” (Road o Perdition). O que pouca gente sabe, no entanto, é que há muito tempo Sam Mendes divide o tempo entre o cinema e sua outra paixão: o teatro. Fundador e diretor artístico do Donmar Warehouse por mais de uma década, desde o ano passado ele lidera a companhia The Bridge Project, que apresentou duas peças de Shakespeare, “A tempestade” e “Como gostais”, em uma turnê mundial que incluiu Singapura, Madri, Auckland (Nova Zelândia), Atenas e Londres.

Eu tive a oportunidade – e a sorte! - de assistir “Como gostais” (As you like it), no The Old Vic, em Londres, no dia 20 de julho. Eu digo “sorte” porque tinha visto um programa da peça e queria muito assisti-la, mas imaginei que seria praticamente impossível conseguir um ingresso – os ingleses costumam planejar e agendar tudo com considerável antecipação. Ao chegar à capital da Inglaterra, fui diretamente ao teatro e para minha surpresa não só consegui ingresso como era a última cadeira bem localizada - bem no meio e na sétima fila. Melhor ainda, como era assento único, me venderam pela metade do preço.

Mesmo que eu não tivesse gostado da peça, o teatro em si já era um espetáculo, por si só.
Fundado em 1818 – embora tenha trocado de nome diversas vezes -, o Old Vic é um dos mais antigos teatros londrinos. Localizado no metrô Waterloo, é conhecido como o “teatro dos atores” e por ele passaram muitos dos maiores nomes do século passado, tais como Laurence Olivier, Vivien Leigh, Richard Burton – tem fotos dele em montagens de “Hamlet” e” A Tempestade” (1953-1954) espalhadas pela escadaria que leva ao segundo piso -, Peter O'Toole, Judi Dench e, mais recentemente , o também oscarizado Kevin Spacey.

Com tantos nomes importantes rondando o local e o espetáculo, eu fui sem grandes expectativas, sem saber muito o que esperar de Sam Mendes como diretor teatral e, talvez até por isso, saí do Old Vic muito satisfeita.

Foram três horas e dez minutos de espetáculo, contando com vinte minutos de intervalo – com venda de bebidas e petiscos no hall de entrada; as pessoas todas bem arrumadas, como para uma grande ocasião, os ingleses ainda consideram o teatro como um “acontecimento” –, que passaram sem nenhum esforço. “Como gostais” prendeu minha atenção do início ao fim. Ainda que fosse encenada com alguns termos do inglês arcaico – afinal era Shakespeare! – e me escapasse parte dos diálogos, a comédia (romântica!) de enredo simples, sem grandes lições de moral, que termina com casamento múltiplo – ao estilo das novelas brasileiras – foi puro deleite.

Sam Mendes soube valer-se - e respeitar! - do talento dos atores para valorizar o texto e o próprio espetáculo. O cenário simples – apenas no segundo ato foi usada a totalidade do palco, no qual uma quantidade expressiva de troncos de árvores, longos e finos, caracterizavam a floresta, sem contudo poluir o visual – abriu espaço para a performance. A alegria contagiante de Juliet Rylance no papel de Rosalinda lembrou-me a vibrante Calamity Jane, vivida por Doris Day no filme “Ardida como pimenta”, na década de 1950, no qual ela também se disfarçava de homem. Stephen Dillane, Ron Cephas Jones and Thomas Sadoski – carismático e engraçadíssimo como o clown Touchstone – não ficavam atrás. Apenas o “mocinho” da história, Orlando, não acompanhava os demais e ficou bem apagado com a interpretação inexpressiva de Christian Camargo. Talvez estivesse em um dia ruim, quem sabe?

Apesar disso, o elenco, afinado de modo geral, dava o ritmo certo ao espetáculo. Com uma marcação precisa, movimentos limpos, entonação apurada, o conjunto ressaltava o caráter leve e divertido da peça escrita por Shakespeare em 1599 – e evidenciava a quantidade expressiva de ensaios, necessária para chegar a tal grau de simplicidade.

Também vale destacar alguns momentos líricos, de muita beleza, com música ao vivo e o uso acertado de lâmpadas chinesas, na cena final, para dar o clima romântico ao casamento, sem carregar o cenário.

O Shakespeare de Sam Mendes muito me agradou. “Como gostei”.



PS: "O mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres, apenas atores. Eles saem de cena e entram em cena, e cada homem, a seu tempo, representa muitos papéis". Como gostais, Shakespeare.

Joice Lima

Um comentário:

  1. Muito bom o teu texto Joice!
    A obra de Shakespeare é fantástica e dificílima para um ator conseguir atingir a profundidade de entrega que cada palavra exige. O teu relato de ires lá e assistir a uma montagem in loco é ótimo. Gosto muito de adaptações contemporâneas para os textos do autor inglês, embora, na maioria das vezes, as montagens sejam sofríveis, ainda sim gosto de ver estas peças sendo levadas ao público.
    Realmente, assitir Shakespeare com os diálogos no idioma arcaico não é coisa simples, nem para os ingleses. Muitas das traduções dos textos do Shakespeare em português exageram na valorização de termos arcaicos e na conjugação dos verbos na segunda pessoa do plural. Isso, possivelmente, fez com que boa parte do público tivesse uma certa rejeição a estas peças.
    Em 2008, se não me engano, o SESC trouxe um Festival de Shakespeare para Pelotas, com diversas montagens de peças shakespeareanas. Infelizmente, estas mostras não se repetiram.
    Bom, fica aqui o meu apoio ao teu pedido para que os outros comentaristas tenham coragem de expor seus pontos de vista e colocarem seus textos aqui no blog.
    Abração
    Vagner Vargas

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