Acabo de voltar da apresentação da performance teatral Cai-o Qorpo em Satolep, no Centro Cultural Casa do Joquin. Com uma proposta de fazer um link entre a obra dos escritores gaúchos Caio Fernando Abre e Qorpo Santo, o diretor Andruz Vianna propõe uma discussão sobre uma situação de loucura interpretada pelo ator Nonô.
O espaço da Casa Joquin favorece a proposta de experimentações artísticas alternativas que não seriam possíveis em espaços teatrais dominados pela visão mercadológica dos teatros convencionais da cidade. Obviamente, por se tratar de um espaço alternativo, não dispõe do mesmo aparato técnico e geométrico dos tradicionais teatros pelotenses. Entretanto, este fato não desmerece em nada a qualidade do local. Muito pelo contrário, ele pressupõe novas possibilidades artísticas, um local em que os artistas podem dar vazão a sua necessidade de criação artística desvinculada da opressão comercial. Eu já conhecia a Casa do Joquin por ser um local com festas diferenciadas, para um público que não se enquadra nas normatizações de outros lugares da cidade e por apresentações artísticas com várias atividades simultâneas. Porém, ao entrar lá, nesta noite de 22 de maio, percebi um espaço que me remeteu muito às experimentações artísticas que são feitas no Casarão do Belvedére, em São Paulo/SP. Na capital paulista, um espaço muito semelhante, é utilizado por um grupo de artistas para apresentações e debates sobre temas que não teriam visibilidade em outros locais.
Outro fato que me chamou atenção foi a tímida movimentação de público. Por se tratar de um espaço alternativo, por si só, a Casa do Joquin não possibilita que ocorram apresentações para um público numeroso. Todavia, o que se observa é que, mesmo assim, o número de expectadores ainda estava muito aquém das possibilidades do local. Este fato não se justifica em uma cidade com mais de cem estudantes de graduação em teatro, fora os alunos em nível técnico, médio e fundamental que se interessam por teatro, pois não haviam nem 10 pessoas no local. Vou mais além, pois, Pelotas costumava ser conhecida por ser uma cidade cultural, com muitos artistas em diversas áreas, muitos estudantes das mais diversas linguagens, com pessoas muito cultas e educadas. No entanto, onde estão estas pessoas?
Além disso, numa cidade com mais de 300.000 habitantes, não existe explicação plausível que justifique o sumiço do público local às apresentações artísticas que não sejam feitas pelos artistas advindos da mídia televisa. Entretanto, centrarei meus comentários aos estudantes de artes desta cidade, pois não basta apenas conhecer os aspectos teóricos e práticos de arte, cabe ao artista frequentar outras linguagens artísticas, no intuito de ampliar o seu pool de referenciais e as possíveis reflexões que isso possa vir a trazer ao seu trabalho.
Alguns leitores podem tentar justificar este fato pelo valor do ingresso cobrado para apresentações artísticas na cidade. Neste sentido, saliento que o valor do ingresso cobrado pelo Centro Cultural Casa do Joquin era simbólico, irrisório perto dos valores cobrados pelos ingressos de jogos de futebol, das boates da cidade, ou de qualquer dose de bebida alcoólica vendida nas festas pelotenses. Por este motivo, justificativas financeiras não explicam a ausência de público em apresentações de artistas locais. Esclarecido isso, volto a insistir no fato de que estudantes de artes também precisam assistir arte, em especial, neste caso, os estudantes de teatro desta cidade. Como estabelecer um senso crítico, uma amplitude de discussões se estes futuros artistas ficam atrelados às concepções de arte que lhes são passadas por seus professores e pelas fontes bibliográficas que lhes embasam? Não estou aqui para referir quem está certo de quem está errado, ou de que os conhecimentos passados pelos mestres não sejam importantes. Muito pelo contrário, acredito que a formação é necessária, um dever e obrigação para toda pessoa que deseja trabalhar com arte. Porém, percebo que os estudantes se contentam, ou se acomodam, em apenas receber os conhecimentos dentro das instituições educativas, não indo buscar novas fontes de reflexão fora dos muros dos centros de formação, quando as expressões artísticas não estão sendo feitas por artistas frutos da mídia de massa.
Agora, sobre a apresentação da performance em questão. Para aqueles que acreditam que irão ver a representação de algum espetáculo dos dois escritores gaúchos, ou de alguma apresentação textual sobre a obra deles, esclareço que a proposta do diretor é o de expor uma situação performática, baseada num contexto que traça como ponto em comum uma situação de loucura. A proposta é interessante e a trilha sonora adequada ao evento. Porém, acredito que faltou um pouco de diálogo entre a proposta do autor e a necessidade de um referencial prévio sobre a obra dos dois escritores para que o público pudesse ser tocado pela representação. Observa-se uma representação nada realista que não ultrapassa a “barreira” público x ator. Este fato pode ser explicado pela inexperiência do grupo, ou pelo próprio processo em que eles estejam desenvolvendo. Mas, preciso comentar sobre aquilo que me foi apresentado naquele momento. Em teatro, a relação público-ator precisa ser orgânica. No entanto, observa-se uma boa disponibilidade cênica de Nonô que necessita ainda ser lapidada. Neste sentido, acredito que o exercício e a experimentação possam ser um caminho. Todavia, não basta apenas experimentarmos, exercitarmos, criarmos, precisamos ter um embasamento teórico consistente que embase e fundamente o nosso discurso, ampliando os horizontes das propostas artísticas.
Portanto, finalizo este texto instigando aos estudantes de arte desta cidade para que tenham coragem de se expor às experimentações e exercícios artísticos fora das propostas acadêmicas, no intuito de que possam fomentar discursos e reflexões com propostas alternativas às usuais. Além disso, espero que meus escritos os incomodem e os façam refletir sobre novas possibilidades teatrais que não àquelas do século XIX, tradicionalmente levadas aos palcos pelotenses ainda nos dias de hoje. Acredito que todas as formas de expressão valham à pena e sejam necessárias. Teatro concebido conforme às normas, estilos, linguagens e poéticas de outros séculos cumprem o seu papel na sociedade. Porém, para o artista contemporâneo cabe a liberdade de ousar e ter a inteligência para experimentar possibilidades alternativas às convencionais.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
vagnervarg@yahoo.com.br
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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ótimo, vagner. posso enviar este texto aos teus colegas de curso???
ResponderExcluirpode
ResponderExcluirO texto remete a várias considerações. Mas me chamou a atenção o enfoque, creio já surgido em outro comentário, sobre as condições de fazer teatro ou fazer arte em Pelotas. Não sei até que ponto estas condições sejam tão diferenciadas na sua essência de outros lugares. O que muda, conforme o caso e entre outras coisas, são variáveis como tradição cultural, política pública e, a meu ver muito importante, a forma de divulgação das apresentações.A Casa do Joquin apostaria em um caminho alternativo já desde sua inauguração.Conforme informação da época os flyers e panfletos distribuídos quando a casa foi inaugurada , não apresentavam o endereço do local.Eu próprio, a primeira vez que estive no local, custei muito a identificá-lo.
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