terça-feira, 2 de outubro de 2012

Histórias de uma Atriz Negra



Inicialmente, a história do teatro brasileira restringia os negros à plateia, quando podiam pagar, ou a personagens estereotipados, interpretados por atores brancos que maquiavam sua pele para interpretá-los. Obviamente que, envolto a isso, temos todo o contexto social brasileiro de uma época. Porém, foi graças ao pioneirismo de Abdias do Nascimento e Ruth de Souza, com o seu Teatro Experimental do Negro (TEM), criado em 1944, que esse panorama começou a ser modificado.

Em outro texto, já abordei a questão do papel do negro no teatro contemporâneo. Por esse motivo, não me deterei a ela aqui. Entretanto, não podemos esquecer e sempre deixar de lembrar a importância da atriz Ruth de Souza ao teatro brasileiro. Graças a sua coragem, determinação, talento e persistência, ela conseguiu consolidar sua carreira como uma das maiores atrizes brasileiras, além de abrir espaço para que muitas outras mulheres negras pudessem subir aos palcos como profissionais das artes cênicas, sendo respeitadas pela sua competência.

No dia 28 de setembro de 2012, foi apresentado, no Teatro do COP, o espetáculo “No Palco Ruth de Souza”. As atrizes Lucila Clemente e Kaya Rodrigues dividem o palco para contar a história de uma das figuras mais importantes da história recente do Brasil. O espetáculo em tom de memória, perfaz de maneira sintética a trajetória de carreira e vida pessoal de Ruth de Souza. O texto/concepção/direção/trilha sonora de Lucila Clemente e Josiane Acosta surgiu ainda quando as duas jovens atrizes estavam na faculdade de teatro, como seu trabalho de conclusão de curso. Talvez por esse motivo, se observe algumas fragilidades relativas a esses quesitos.

Não me aterei tanto a fazer uma minúcia técnica sobre os problemas existentes no espetáculo, em respeito à personagem tema da história. Entretanto, não posso deixar de comentar que a imaturidade artística das atrizes conferiu uma tonalidade de demasiada leveza à história de uma mulher que, com certeza, deve ter enfrentado e ainda enfrentar os piores preconceitos em relação ao seu percurso pessoal e profissional. Percebo que as atrizes desejaram fazer uma homenagem à Ruth e queriam que a peça tivesse um caráter alegre. No entanto, se fazia necessário prestar um pouco mais de atenção às dificuldades que ela enfrentou ao longo dos anos.

As projeções de vídeos com fotos e cenas de Ruth de Souza foram muito bem exploradas. Na verdade, a força cênica dessa atriz é tão grande que acabava criando um problema a Kaya e Lucila, quando terminavam os vídeos e voltávamos à cena teatral. A comparação acaba sendo inevitável e também não podemos esperar que duas atrizes tão jovens consigam se igualar à experiência de Ruth de Souza. Paradoxalmente, não quero dizer que as atrizes não sejam competentes. Muito pelo contrário, fazem valer a sua jovialidade e energia para segurarem esse espetáculo durante os quase 60 minutos de performance.

Por outro lado, vou citar apenas mais uma situação que se refere ao canto em teatro. Já comentei isso algumas vezes, pois acredito que o canto exige uma série de questões, tais como, técnica vocal, musicalidade, interpretação, emoção e etc... Entretanto, sempre temos que ter o discernimento das diferenças entre atores e cantores. Em um espetáculo de teatro, o ator pode cantar de maneira dissonante, com técnica falha, sem musicalidade, desde que isso esteja dentro de um contexto específico da história e do seu personagem. Caso contrário, apenas salientará a sua desafinação e falta de talento musical.

No caso desse espetáculo, as atrizes foram muito corajosas em cantar à capela em alguns momentos, talvez tentando mostrar um caráter  informal ao momento da peça. No entanto, estando em frente ao público, não há espaço para se utilizar a informalidade como defesa de nossas fragilidades técnicas. Acredito que os problemas observados nos momentos de canto, poderiam ser contornados se as atrizes fossem acompanhadas por músicos tocando ao vivo, já que um playback mecânico exigiria um potencial vocal muito maior.

Apesar de Pelotas ser uma cidade com uma expressiva população negra, não vi muitos negros no teatro naquela noite. Aliás, mesmo o espetáculo sendo gratuito, o teatro não estava nem cheio. Quem perdeu foi o público que deixou de ver uma apresentação teatral que contou a história de uma das atrizes mais importantes desse país.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
 vagnervarg@yahoo.com.br www.ccetp.blogspot.com

O Lugar do Negro no Teatro Brasileiro Contemporâneo




Atualmente, com o avanço das discussões sobre a discriminação étnica e das Leis anti-racismo, a população negra começou a reivindicar os seus direitos perante à sociedade brasileira. No entanto, no que se refere ao mercado de trabalho para atores negros, apesar de terem ganho um pouco de visibilidade, esta ainda é ínfima, comparada à proporção de negros no contingente populacional brasileiro.

Embora algumas pessoas justifiquem que estejam vendo mais atores negros nas telenovelas fazendo personagens que não sejam apenas de escravos, motoristas, criminosos e empregadas domésticas, o padrão estético determinado pela grande mídia para a escolha desse elenco se pauta em traços de beleza caucasianos. Essas características são bastante discretas, mas vão desde à tessitura vocal ao formato de nariz, cabelos, tom de pele, tipo físico e etc... Além disso, os personagens costumam vir carregados de uma justificativa étnica para lá estarem, ou seja, se for um médico negro, haverá um conflito em torno da cor de sua pele, não sendo possível que apenas seja um médico que por ventura é negro.

 Outra justificativa que os defensores da mídia podem utilizar, se refere ao fato de que existem muitos atores negros em evidência na televisão brasileira. Porém, comparando a realidade étnica brasileira e a diversidade que se observa nas ruas, você continuará pensando que a proporção de atores negros na TV reflete à realidade brasileira? Ou será apenas uma obrigatoriedade para cumprir uma mera quota de conformismo com as oportunidades igualitárias? Será que os negros não geram audiência e consumo? O que ocorrerá no dia em que os negros resolverem ter a coragem para mudar de canal e buscarem uma programação que realmente os inclua e os trate de maneira igualitária?

No entanto, meu foco aqui não se direciona à TV. Todavia, não podemos falar sobre oportunidades de trabalho para atores negros, sem citarmos as mídias de massa. Nesse sentido, ainda refiro os personagens negros que atualmente aparecem no cinema nacional. As mesmas reflexões que citei anteriormente se referem à sétima arte. Contudo, acredito que, no que tange aos personagens, o cinema brasileiro ainda está um passo atrás, já que grande parte dos filmes brasileiros colocam o negro apenas numa situação marginalizada. Não quero dizer com isso que essa realidade não seja verossímil. Porém, será que é a única?

Quando falamos em teatro, o ponto de análise se altera, pois as imposições midiáticas não chegam a afetar a grande produção teatral. Entretanto, no que se refere ao teatro comercial, em especial àquele produzido no grande eixo Rio-São Paulo, as normatizações estéticas da televisão costumam determinar as escolhas de elenco. Apesar disso, devido ao caráter democrático que o teatro costuma apresentar, temos a possibilidade de ver um contingente maior de atores negros em cena. Mesmo assim, a proporção de atores brancos costuma ser maior.

Essa situação nos leva a refletir sobre quais motivos tornam esse fato uma realidade. Obviamente, não podemos deixar de ter em mente que há séculos a população negra sofre um processo de discriminação, exclusão e marginalização étnica em nossa sociedade. Além disso, apenas há algumas décadas estão ocorrendo avanços civis sobre esse assunto. Nesse sentido, devemos sempre ponderar sobre as oportunidades num sentido global, uma vez que envolvem aspectos que não se relacionam somente ao mercado de trabalho artístico, mas também à educação, moradia, saneamento e etc... Muitas pessoas podem contestar dizendo que esses fatores não estão diretamente relacionados ao desempenho profissional no teatro. Todavia, devemos ponderar que, do nosso confortável ponto de análise, as condições sociais podem ser as mesmas para quaisquer etnias. No entanto, ao colocarmos o advento histórico nessa balança, será que não teríamos um lado étnico mais sobrecarregado?

Desse modo, a luta pela sobrevivência e pelo espaço igualitário na sociedade acaba levando os negros a buscarem alternativas mais imediatas de subsistência. Além disso, as oportunidades artísticas costumam estar localizadas em pontos sociais distantes da realidade dessas pessoas não somente no aspecto geográfico, como também de identificação. Talvez os motivos que expliquem o pouco contingente de atores negros nos palcos brasileiros, em relação à proporção populacional, estejam ligados a esses fatores.

Sob esse ponto de vista, também gostaria de salientar a escassez de uma produção dramatúrgica voltada ao teatro que contemple temas relacionados à etnia negra que não sejam aqueles que falem apenas de sua marginalização social, escravidão ou as mesmas abordagens dadas pela TV e pelo cinema nacional. Da mesma forma que os gregos e outros tantos povos souberam transformar suas mitologias em teatro, a mitologia brasileira, de origem africana também deveria receber esse tratamento.

Obviamente, que os fatos históricos, a colonização brasileira e os conceitos ainda arraigados em princípios de uma moralidade religiosa dos tempos em que o Brasil ainda não era um estado laico segundo à Lei, abarcaram todo um processo de opressão para manter a cultura negra longe dos limites história oral. Nesse sentido, acredito que essas histórias ainda precisam ser escritas e firmadas na dramaturgia teatral brasileira.

Porém, gostaria de salientar que esse discurso não está demarcando o ramo de atuação dos negros para espetáculos que abordem suas origens étnicas e  religiosas. Muito pelo contrário, acredito que esse pode ser um dos caminhos de identificação para atrair uma fatia de público que costuma estar à margem das histórias que lhes são apresentadas e a partir daí, quem sabe, oportunizar-lhes uma perspectiva de identificação e auto-estima. Além disso, também acredito que os atores negros devam lutar pelo seu espaço para fazerem personagens que não venham com a descrição “negro” no texto original, pois se a característica étnica não é o conflito principal daquele personagem em determinada história, não existem limitações para que apenas as pessoas de origem caucasiana tenham o direito de representá-los.

Contudo, não podemos deixar de ponderar sobre o aspecto de que sempre é colocado sobre os ombros da população negra a responsabilidade por lutarem pelos seus direitos e espaços na sociedade. Esse ponto de vista é confortável e cômodo aos indivíduos de outras origens étnicas, uma vez que, numa análise simplista, não precisariam alterar em nada suas condutas sociais e profissionais para permitirem a igualdade de direitos e oportunidades para todos os cidadãos. Desse modo, reitero o foco desse texto ao mercado teatral para os atores negros no Brasil, uma vez que não devemos jogar a responsabilidade da pouca proporção de atores negros nos palcos, apenas ao fato deles não lutarem pelo seu espaço nesse mercado de trabalho. Essa seria uma visão alienada e ingênua. Cabe sim aos espectadores negros exigirem sua retratação nos palcos, aos atores negros terem o seu devido espaço, mas acima de tudo, aos artistas que trabalham nesse mercado abrirem as oportunidades para que os personagens sejam tratados apenas como seres humanos. Sendo assim, a origem étnica do profissional que o interpretará será desconsiderada, já que o personagem será tratado pela sua essência humana.

No entanto, não quero que as duas últimas frases do parágrafo anterior sejam distorcidas, uma vez que essa foi a justificativa para que durante muitos anos atores brancos maquiassem a sua pele com o intuito de interpretarem personagens negros. Quando falo em personagens negros, me refiro a histórias em que o contexto étnico dessa personagem se torna a essência de seu mote conflitual. Realmente, o palco é o lugar mais democrático, onde todos artistas podem ser quem a história precisar que eles sejam. Mas, isso não quer dizer que esse argumento se torne uma justificativa para enfatizar o processo de exclusão social de raiz étnica que temos em nosso país. Sendo assim, quando o foco da existência daquele personagem não for o conflito social gerado em função da sua etnia, não haveria justificativa para que os personagens fossem pensados numa lógica caucasiana. Com isso, enfatizo que a escassez de atores negros nos palcos também se deve à necessidade de mudança na perspectiva que os próprios artistas do teatro têm em relação aos personagens das peças de teatro.

Portanto, gostaria de finalizar esse texto, em que levantei algumas reflexões sobre o lugar do negro no teatro brasileiro contemporâneo, reiterando a necessidade de que sua história e tradições sejam tradas com o respeito e a importância que merecem, sem olhar vertical determinado pela a cultura caucasiana nos palcos, TV e cinemas do Brasil. Além disso, também saliento o fato de que os negros precisam fazer valer o seu valor como geradores de consumo, audiência e presença na sociedade. Dessa forma, acredito que a ponderação sobre os fatos aqui levantados possam ser apenas alguns poucos pontos de vista que nos levem a refletir sobre número de atores negros que vemos nos palcos brasileiros.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Hibridismo, Ousadia e Arte Tendo o Teatro como Cenário e Contexto



            No dia 14 de setembro de 2012, os atores Ana Laura Barros Paiva, Lumilan Noda, Tai Fernandes e Tatiana Duarte, apresentaram o espetáculo “Olhar do Outro” em frente ao Theatro Sete de Abril. Já que o único teatro público da cidade de Pelotas está fechado, o grupo aproveitou a oportunidade para levar o seu trabalho para a rua, utilizando a fachada do prédio como seu cenário e o fazer artístico como mote de suas discussões.

Tendo o texto “A Gaivota”, de Anton Tchekhov, como referencial inicial de pesquisa, a diretora Alexandra Dias nos propõe um espetáculo que dialoga com outras linguagens artísticas, rompendo com as barreiras limitantes entre as diversas artes. Além do texto do escritor russo, o grupo utilizou textos de Rubens Figueiredo e Robert Patrick para compor a dramaturgia do espetáculo.  Além disso, a história era costurada por momentos, relatos e vivências pessoais de cada ator, dialogando com as passagens textuais dessas obras literárias, com o intuito de refletirem sobre o fazer teatral e a condição do artista no mundo contemporâneo.

Com um caráter de intervenção cênica no espaço público da cidade, o grupo propõe aos espectadores, além de outras abordagens, a discussão sobre qual o papel e o lugar do ator na sociedade. Essas reflexões acabavam sendo potencializadas pelo fato de estarmos assistindo a todos esses fatos, tendo como cenário de fundo um belo teatro, construído no século XIX, que hoje permanece fechado e representando o descaso que as artes cênicas sofrem nas políticas atuais.

O trabalho que os atores tiveram em se expor da maneira corajosa como fizeram, desvelando suas fraquezas pessoais, propiciou aos espectadores uma aproximação de histórias de vida que se identificam com os conflitos dos personagens literários. Esse tipo de diálogo entre ficção e realidade, relatos pessoais e textos dramatúrgicos vem sendo utilizado em diversos trabalhos artísticos que desejam desassossegar o espectador do seu olhar viciado nas estruturas formais e tradicionais das artes. Essas propostas além de oferecem ao público uma relação mais próxima com o contexto representado, lhe fomentam uma percepção diferenciada, um outro modo de encarar e se relacionar com os mais diversos tipos de situações que acontecem a sua volta.

 Nesse sentido, muitas vezes um espetáculo não precisa de palavras e expressões textuais, uma vez que suas imagens podem dar vazão a uma série de abordagens e os artistas não necessitam delimitá-las dentro de um contexto definido. Por esse motivo, a opção pode ser pela exposição dessas imagens e deixá-las para que o público vá compondo os espaços lacunares, conforme é tocado naquele momento.

Sendo assim, o trabalho em questão nos expôs uma série de imagens lindas, não apenas nas projeções, mas também na movimentação dos atores e na maneira como eles se relacionavam com todos os signos que estavam ali sendo expostos. Desse modo, não posso deixar de elogiar a maneira como o grupo se apropriou e re-significou alguns quadros surrealistas, do pintor belga René Magritte, brindando a plateia com outras possibilidades de leituras daquelas obras e do peso que essas imagens imprimiam no contexto do espetáculo.

 O figurino elaborado por Larissa Martins vinha muito ao encontro do contexto da peça do dramaturgo russo. Mas, além disso, os trajes extremamente belos, elegantes e bem acabados já nos chamavam a atenção no início do espetáculo quando os atores vinham chegando à esplanada em frente ao teatro. Nesse momento, poderíamos traçar relações sobre a tradição histórica que a população dessa cidade tinha em se vestir bem para ir ao teatro durante o século XIX e início do século XX. Porém, agora, essas pessoas disporiam apenas do espaço ao ar livre para apreciar o espetáculo. Apesar dessa relação textual e da percepção crítica sobre a situação, os figurinos também dialogavam com as obras do artista belga utilizado como referência e estavam extremamente adaptados à funcionalidade cênica de que havia necessidade.

A trilha sonora original e os vídeos de Thiago Rodeghiero compunham um ambiente no qual, ao mesmo tempo em que intervinham na paisagem urbana com as projeções, traziam o foco cênico para as discussões que os atores estavam propondo. A polifonia de informações da performance era sublinhada e ressaltada pelas projeções muito pertinentes que ajudavam a ampliar o leque de leitura das imagens apresentadas. Além disso, o crédito e êxito das projeções também se devem ao fato de fugirem do lugar comum e simplista que vemos em algumas peças de teatro. A utilização de filmagem e projeção ao vivo também foi muito interessante para os espectadores observarem o diálogo entre duas linguagens, enquanto a atriz Tatiana Duarte apresentava um dos textos mais lindos e difíceis de “A Gaivota”.

A maquiagem utilizada pelo grupo foi muito adequada ao contexto da concepção de encenação e à luminosidade que teriam nessa apresentação na rua. A iluminação de Juliano Bonh Gass fez mágica e mostrou muita criatividade para adaptar os recursos técnicos para um local ao ar livre que não dispõe de estrutura técnica para apresentações teatrais à noite. Nesse sentido, todos os recursos foram muito bem utilizados colaborando para a ambientação e contexto cênico.

O elenco inteiro está de parabéns pelas suas atuações. Mesmo sendo atores tão jovens, trabalhando em um espetáculo em que a performance se direciona à multiplicidade de imagens que compõem à plasticidade cênica, conseguiram trazer seus universos pessoais para a identificação dos conflitos das personagens daquelas histórias. Além disso, apesar das adversidades, os atores conseguiram segurar o espetáculo, mesmo sofrendo interferências desagradáveis de delinquentes que tentaram prejudicar a apresentação.

Mais uma vez, sou obrigado a falar da falta de educação de algumas pessoas em relação aos espetáculos que são apresentados em Pelotas. Nesse caso, por ser uma performance ao ar livre, os artistas já sabem que estarão expostos a quaisquer adversidades que possam vir a acontecer. Entretanto, isso não justifica que algumas pessoas se julguem donas do espaço público e se outorguem o direito de agredirem não apenas quem está se apresentando, como também quem está assistindo àquela obra.

O fato em questão se refere a mais de uma dúzia de jovens que estavam naquele local e não queriam permitir que houvesse uma apresentação teatral naquele espaço, pois desejavam utilizá-lo para dançar e cantar rap e hip hop. Em primeiro lugar, a Praça Cel. Pedro Osório é um espaço imenso e essas pessoas poderiam ter ido se expressar em outro ponto da praça, uma vez que o grupo de atores possuía liberação da prefeitura para apresentar o espetáculo naquele local, ou, simplesmente, se sentarem e apreciarem o evento. Além disso, a quantidade de bebidas alcoólicas que aqueles jovens faziam questão de mostrar que estavam ingerindo, não nos ilustrava que o seu intuito era apenas de expressar as suas músicas.

Não foram poucas as vezes que eles gritaram e tentaram atrapalhar a encenação, dizendo que queriam rap e se utilizavam do fato desse tipo de expressão estar associada às pessoas de classe social menos favorecida para tentarem intimidar a plateia a não reclamar. Acredito que seja muito fácil e cômodo se colocar no lugar e no papel de injustiçado quando não se respeita o espaço dos outros. Pela quantidade de bebidas alcoólicas que passavam de mão em mão e as dimensões espaciais da praça, também não acredito que aqueles jovens estivessem apenas com o intuito de se relacionarem com a arte. Antes de tudo, se desejam ter o seu espaço, precisam saber respeitar o olhar do outro em querer desfrutar de outras expressões artísticas.

Apesar de a plateia ter presenteado esses jovens com a indiferença, para que pudessem assistir ao espetáculo, financiado pelo poder público, acredito que os espectadores pelotenses não possam continuar sendo expostos a esse tipo de situação nas apresentações ao ar livre. Sendo assim, saliento o meu protesto quanto à ausência de guardas municipais e/ou da brigada militar durante o evento.

Essa interferência foi tirada de letra pelo grupo de artistas e acabou se tornando apenas mais um ruído desagradável que vinha de fora do ambiente cênico. Mas, em nada afetaram à qualidade do trabalho que ali foi apresentado.

Portanto, considero que a proposta trazida em “Olhar do Outro” seja de grande valia para as discussões do papel dos atores na nossa cidade e da maneira como as políticas culturais não vêem tendo a devida importância nesse município. Nesse sentido, espero que o grupo ainda possa apresentar esse espetáculo, de maneira segura, em outras ocasiões para que mais pessoas possam ter contato com esse diálogo híbrido entre as artes.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
  

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Chapitô e o Teatro Físico Português


A companhia Chapitô, criada há 25 anos em Portugal, esteve em Porto Alegre/RS, de 05 à 07 de setembro, apresentando o espetáculo “Cão Que Morre Não Ladra”, no Teatro do SESC. Criado por Teresa Ricou, o Chapitô trabalha ativamente na formação artística e social de jovens de classes menos favorecidas.

O trabalho desenvolvido por essa companhia não se restringe apenas ao fazer artístico e à formação dos seus alunos. Agregado a esse coletivo, existem diversas entidades realizando atividades de cunho social, somando colaborações da iniciativa privada nacional, internacional e também de poderes públicos. Nesse caso, a arte é o meio catalisador para esse diálogo. Muito embora, nos dias de hoje, o Chapitô já conte com certa estrutura, isso foi construído com muito trabalho, seriedade e comprometimento social ao longo dos anos. O que ressaltou o trabalho desses artistas foi o fato de não ficarem apenas no limiar teórico e do embasamento de discursos polidos, o seu trabalho obteve o devido valor, dada à qualidade artística das suas produções.

As ações que esses artistas realizam para a integração de jovens em situação de risco e vulnerabilidade social por meio das artes é louvável e merece todo o nosso respeito. Friso e saliento bastante o trabalho do Chapitô, pois suas ações não têm nenhum caráter assistencialista, como vemos comumente em diversos trabalhos realizados pelo Brasil, onde o Governo libera grande soma de investimentos para atividades com objetivos semelhantes e o que observamos são olhares verticais assistencialistas do oportunismo de seus realizadores.

As técnicas circenses são o local de interlocução no processo formativo dos artistas oriundos do Chapitô. Entretanto, a multidisciplinaridade se faz presente e podemos observar claramente no corpo dos seus atores técnicas que advém do mimo, dança, teatro físico em geral, circo, clown, Commedia Dell Arte  e etc... O corpo do ator é o ponto de partida para a comunicação com os espectadores e para a criação das suas matrizes de trabalho nos espetáculos realizados pela companhia.

O espetáculo que veio a essa edição do festival Porto Alegre Em Cena, contava a história de uma família que possuía uma maneira muito peculiar de lidar com a morte e de como dar essa notícia aos outros membros da família. Em um tom de humor bastante ácido, a dramaturgia nos conduzia por um terreno absurdo, de uma família despedaçada e partida ao meio pela tragédia. Porém, finalmente reunida.

Logo de início, o público já é levado às gargalhadas dado o jogo cênico entre os atores Jorge Cruz, Marta Cerqueira e Tiago Viegas, criando situações engraçadas sem a necessidade de muitas palavras para que o público se envolvesse na cena rapidamente. Ao falar de velocidade, não posso deixar de enaltecer o ritmo, time de comédia e sintonia entre o elenco. Os resultados de contracenação que esses atores conseguem durante a peça é impressionante, sabendo dosar as nuances de momentos acelerados e mais calmos da história. Além disso, a confiança e o jogo criado e sustentado pelo elenco em cena se tornavam muito bonitos de se ver, pois ali ficava bem claro um dos princípios básicos da confiança de um ator no seu colega durante o evento teatral: a busca da segurança nos olhos do parceiro em cena.

A relação corporal entre o elenco era evidente e a maneira como ela conduzia o espetáculo propiciava aos espectadores um outro tipo de perspectiva de como uma peça de teatro pode fugir às convenções. Apesar do espetáculo não se propor a apresentar uma inovação estética, nem muito menos evidenciar a virtuose técnica dos seus artistas, cito aquela questão na frase anterior, pois o elenco soube dosar com sutileza todo o seu repertório físico, sem fazê-lo desaparecer em cena. Aliás, para quem conhece, saltava aos olhos o domínio que os atores tinham de todas as técnicas referidas anteriormente. Estava tudo ali. Porém, sem levar o exercício à cena, à mera exibição de técnicas, o teatro físico se fazia presente, mas estava tão coerentemente posto dentro de um contexto que o público em geral podia se envolver na história acreditando na veracidade daquelas personagens, mesmo que em uma situação absurda.

Aos que estudam alguma das vertentes do teatro físico, esse espetáculo foi uma aula de como se utilizar todas as ferramentas exaustivamente trabalhadas nas salas de ensaio e trazê-las para uma atuação realista, em um texto que dialoga com o teatro do absurdo. Aí reside a grande dificuldade desse trabalho e o louvor que devemos oferecer ao elenco, pois a dosagem foi precisa. Ressalto ainda as variações de tensões utilizadas pelos atores, quando manipulados pelos seus colegas, em alguns momentos se utilizando de um “relaxamento conduzido” e em outros de uma “rigidez mecânica”, propiciando momentos hilários aos espectadores na medida em que íamos acompanhando o destino físico das personagens.

Além disso, não posso deixar de falar em precisão. As marcações físicas dos atores eram muito precisas e necessitavam que assim o fosse, pois o risco de acidentes em cena é enorme. Mesmo quando nos parece que os atores não estão alertas, eles nos surpreendem com uma prontidão imediata. Esse refinamento de trabalho é muito difícil de ser atingido.

Outro aspecto que gostaria de sublinhar, se refere à técnica vocal dos atores. Cabe aqui fazer uma reflexão, pois não é a primeira vez que assisto a um espetáculo de teatro vindo de Portugal e sempre fico impressionado de como os atores portugueses falam bem em cena. Apesar das diferenças entre a pronúncia portuguesa e brasileira, sempre observo que os atores portugueses sabem fazer os seus textos serem bem ouvidos, bem compreendidos e muito bem articulados. Essa observação sempre me chama atenção ao fato de que os atores brasileiros não dão a devida atenção à técnica vocal ou se equivocam ao utilizarem preparações baseadas em empirismos intuitivos de alguns “mestres”. Não é incomum observarmos um espetáculo de teatro brasileiro onde algumas frases ditas pelos atores fujam a nossa compreensão, se percam numa dicção e emissão falhas, ou o que, infelizmente, acontece e muito: os atores falam, sem observar, significar e compreenderem o porquê suas personagens estão dizendo aquilo.

A direção de John Moiwat, com assistência de Katrina Brown, teve um papel muito importante ao saber conduzir o potencial técnico dos atores para marcações de cena limpas e muito precisas. Mesmo com uma temática que, por vezes, adquira um caráter pesado no espetáculo, a direção soube dosar esses momentos e explorar as situações nos momentos adequados. Além disso, também foi utilizado um recurso de explorar cenas no back stage, o que pode ser um risco, já que a tendência do público é se dispersar. Porém, quando os acontecimentos se direcionavam para as coxias, o público acabava ficando curioso sobre o que viria e não chegava a se dispersar, uma vez que essas cenas não se prolongavam.

Acredito que a direção poderia ter dado um pouco mais de ênfase na construção interna das personagens e do estímulo à sentimentalidade entre as relações daquela família. Apesar de a proposta explorar o humor e o dinamismo físico dos atores imprimir toda a interlocução cênica, acredito que o diretor poderia ter estimulado os seus atores um pouco mais para darem o devido peso que algumas situações exigiam, como por exemplo, o momento em que o filho revive o Natal em família e seus pais já estão mortos. Mesmo em se tratando de um contexto absurdo e sem desejarmos cair nas armadilhas da pieguice, senti falta desse refinamento na busca pelas emoções internas das personagens.

A cenografia de Kevin Plum nos propunha um ambiente cênico limpo, apenas com os itens mínimos e funcionais necessários à proposta de jogo cênico. Uma mesa em proporções fora do comum ficava localizada no centro de cena, sendo utilizada como suporte para as mais variadas situações. O espetáculo contava ainda com gravação e edição de áudio de Tiago Cerqueira e iluminação de Luís Moreira e Paulo Cunha. Todos os elementos cênicos foram utilizados de maneira limpa, propiciando que o foco da encenação ressaltasse o trabalho físico dos atores.

Portanto, apesar do Chapitô não ser muito conhecido no Brasil, acredito que a vinda desse grupo ao 19º Porto Alegre Em Cena vem a propor uma aproximação maior entre as culturas desses dois países ligados historicamente. Além disso, considero ser de extrema importância a vinda dessa companhia ao nosso estado não apenas pelo seu valor artístico. Mas, também por podermos observar o trabalho competente de um coletivo de artistas muito engajados nas causas sociais do seu país. Quiçá, ano que vem a organização do Porto Alegre em Cena nos brinda com um maior número de espetáculos em língua portuguesa vindos de outros países!

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Porto Alegre Em Cena e um Público Ávido por Teatro


Em sua décima nona edição, esse festival internacional de artes cênicas invade a capital e, mais uma vez, firma o seu sucesso, como um dos eventos culturais mais importantes do Brasil. De 04 à 24 de setembro de 2012 serão apresentados diversos espetáculos de dança, teatro, música, oficinas, cursos, palestras, workshops, exposições e etc...

Para quem puder se deslocar até à capital do nosso estado ou para aqueles que lá estão, não faltarão opções sobre o que assistir. A edição desse ano traz vários espetáculos do Uruguay, além de trabalhos vindos da Israel, Argentina, Portugal, Alemanha e França. Obviamente, esse festival não se faz apenas com espetáculos estrangeiros, o público ainda tem a possibilidade de assistir diversos trabalhos oriundos de vários estados brasileiros, nos oferecendo um panorama diversificado da produção artística que foi selecionada pela curadoria do Em Cena.

Nos dias em que lá estive, me surpreendi com o tamanho das filas para entrar nos teatros, além das muitas pessoas que, como eu, se aglomeravam em frente às bilheterias pra comprar ingressos de última hora. Realmente, conforme a organização do evento informou no material de divulgação, as bilheterias não abrem na hora dos espetáculos para a venda de ingressos naquele momento. Apenas as pessoas que já haviam comprado as entradas pela internet estavam retirando os seus tickets. Porém, como todo grande evento, sempre são distribuídos muitos ingressos cortesias, algumas pessoas também acabam comprando em excesso, ocorrem desistências e etc... Nessas situações, esses lugares costumam ser vendidos ou até mesmo ofertados pelos próprios espectadores àquelas pessoas que não compraram seus ingressos com antecedência.

Nos teatros por onde circulei e nos postos de vendas de ingressos, observei que o público queria muito ir ao teatro, mesmo sem conhecer o trabalho que seria apresentado, o seu desejo se refletia apenas pelo prazer de irem ao teatro. Somente esse aspecto já nos ilustra o quanto a população gosta de frequentar eventos culturais e do quanto eles lhes são importantes. Entretanto, não podemos esquecer que estamos em ano eleitoral e a cultura não costuma entrar nos discursos dos políticos, nem mesmo ser incluída com ações específicas para implementar, fomentar e oferecer dignidade de trabalho aos profissionais dessa área.

A cultura não oferece emprego apenas para os artistas e profissionais técnicos envolvidos nos espetáculos, todo o comércio local lucra com os turistas que se deslocam até esses espaços, além do mercado informal que se forma à volta dos teatros, proporcionando trabalho e fonte de renda a diversas famílias. Com certeza, Porto Alegre ganha muito durante o Em Cena, não apenas no aspecto comercial, mas também na oferta cultural aos seus moradores e visitantes.

Infelizmente, existem poucas cidades no Brasil onde ocorre uma comunhão de ações como essas para incentivar a cultura e oferecer tantos espetáculos à população. Alguns poderiam justificar a ausência desses eventos devido ao alto custo que uma produção dessas envolve. Entretanto, com trabalho e muita força de vontade se consegue obter o devido sucesso. Porém, para que isso seja possível, há a necessidade de vontade política, investimentos da iniciativa privada, abertura e apoio da mídia, além de mão de obra competente para organizar um festival dessa dimensão. Também não podemos deixar de destacar que o Porto Alegre Em Cena não iniciou nas proporções em que hoje está. Um evento desse tamanho necessita uma construção eficiente e sólida ao longo dos anos. Aqui, nos fica exposto o seu sucesso consolidado como um dos eventos culturais mais importantes do país.

Além disso, ouvi algumas pessoas reclamando dos valores cobrados pelos ingressos, pois, segundo elas, estavam muito altos e a grande maioria da população não teria condições de arcar com esses custos. Sempre que ouço esse tipo de declaração, eu me pergunto sobre os valores que as pessoas pagam para irem aos estádios de futebol, festas, baladas, nos gastos que têm com bebidas alcoólicas, cigarros, alimentação e transporte nesses locais. Porém, não costumamos ouvir as pessoas dizerem que não vão em tal boate ou estádio de futebol porque os custos totais dessa ida serão muito altos. As pessoas economizam, juntam dinheiro, ou até mesmo pagam, sem reclamar. Entretanto, quando falamos em eventos culturais, esse tipo de argumentação sempre vem à tona, trazendo consigo uma falsa justificativa de que os eventos culturais são elitistas.

A cultura, nesse caso as artes cênicas em geral, empregam muitos profissionais e esses trabalhadores necessitam ser remunerados dignamente pelas atividades que desenvolvem. Quando um espectador está pagando para assistir a um espetáculo, ele não está entregando o seu dinheiro em vão, ele está contribuindo com o salário de todas as pessoas envolvidas naquele trabalho que está ali sendo apresentado e lhe propiciando entretenimento, diversão, reflexão, conhecimento, cultura e etc...

Bom, termino esse texto por aqui, pois em breve trarei novas “notícias do front” e as minhas percepções sobre os espetáculos que assisti. Além disso, não posso deixar de terminar esse texto sem pedir aos leitores que, quando forem votar nesse ano, pensem e reflitam bem, se o candidato que estão escolhendo lhe representa e se suas propostas não são meras promessas de campanha para iludir a todos com os chavões antigos de caça votos fáceis. A minha bandeira é a cultura e assim sempre será, pois acredito nas contribuições positivas que ela propicia à sociedade como um todo. Agora, entrego a vocês essas reflexões.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Texto Alemão Trazido ao Palco pela Nova Cena Teatral Gaúcha



Na medida em que o tempo passa, além da tecnologia avançar, o modo como nos relacionamos com o mundo vai acompanhando essas alterações. Além da velocidade de informações a que somos submetidos diariamente, os valores que lhes atribuímos, geralmente, acabam sendo direcionados pelas lógicas de mercado, mídia e etc...

Um dos assuntos relacionados a isso, se refere à excessiva importância que as pessoas dão à aparência física. Obviamente que, aí está impregnada toda uma ideologia que escraviza os consumidores a sentirem-se inferiorizados por nunca atingirem um ideal de perfeição estética, tendo, assim, que vir a comprar fórmulas milagrosas, as quais lhes trarão o tão sonhado sucesso estético.

Problemáticas como essas podem ser observados no texto do escritor alemão Marius Von Mayenburg, autor da peça “O Feio”, apresentada dia 17 de agosto de 2012, no Teatro do COP, pela Ato Cia Cênica, de Porto Alegre/RS. Nesse espetáculo, o autor questiona os significados da alteridade inserida nas lógicas de mercado contemporâneo, satirizando a sociedade e refletindo sobre a individualidade funcionando como obstáculo pra se obter sucesso nos dias de hoje. Nessa trama, o protagonista recorre a uma cirurgia plástica com o intuito de mudar a sua aparência totalmente, já que os outros lhe consideravam feio. Após a cirurgia, o personagem se torna esteticamente belo aos olhos dos outros e essa “fórmula da beleza” um atrativo de lucro para o cirurgião plástico que passa a produzir “belos” em série.

O dramaturgo dessa peça costuma trabalhar juntamente com o encenador Thomas Ostemeier e suas propostas de diálogo cênico com as mais diferentes expressões artísticas. Facilmente encontrávamos influências do encenador alemão na concepção cênica da diretora Mirah Laline. O que foi apresentado no palco do Teatro do COP nos mostrava um forte trabalho de marcação de cena, com ações muito precisas, coesas dentro da proposta estética, em um ritmo extremamente acelerado. O fato do espetáculo ser conduzido em uma cadência veloz não o tornava perdido e vazio. Muito pelo contrário, mesmo com toda a velocidade de informações, a diretora conseguiu imprimir algumas nuances de ritmo durante a peça, com isso, o espectador não conseguia se afastar do que estava sendo contado, nem tampouco se sentir incomodado com o bombardeio de situações que iam ocorrendo.

Um espetáculo muito bem dirigido e concebido, assim podemos definir “O Feio”. Parte desse mérito também está reservado à sintonia cênica do elenco formado por Danuta Zaghetto, Marcelo Mertins, Paulo Roberto Farias e Rossendo Rodrigues. Não há o que se possa pontuar na atuação dos atores, a não ser elogios. O texto da peça não é fácil de ser dito, são muitas informações, com subtextos que oferecem várias possibilidades reflexivas. Para que as mensagens consigam atingir aos espectadores da maneira como se deseja, devem ser passadas num time correto e isso o elenco conseguiu de sobra. Não vou sublinhar uma ou outra performance dos atores, pois o elenco está nivelado, todos brilham ao mesmo tempo, sem haver destaques, o que propicia um espetáculo que atinge o sucesso no todo.

O trabalho que os atores levam à cena não é nada fácil. Aliás, o que vemos é fruto de um árduo e dedicado preparo físico. Não apenas no vigor e dinamismo corpóreo que o elenco mostra em cena, mas também a forma como dizem os textos. Apesar do ritmo ser acelerado, a boa dicção e a compreensão do que está sendo dito favorece o resultado estético do espetáculo. Da maneira como escrevo, essas ações podem até parecer simples, mas não o são. Para obtermos um resultado desse nível em cena, necessitamos de muito preparo, disciplina e, acima de tudo, trabalho. O elenco composto por atores bastante jovens soube utilizar a sua energia e disponibilidade para atribuir todos os adjetivos positivos que esse espetáculo merece.

Os figurinos de Marina Kerber estavam muito de acordo com a proposta estética da peça, além de contribuírem para a criação de uma identidade visual do espetáculo. Além disso, a concepção de iluminação de Lucca Simas e Luciana Tondo, esta última também responsável pela operação de luz, criou um ambiente sombrio, pesado e taciturno como a problemática do protagonista exigiria. Ademais, a maneira frenética como a luz dialoga com o ritmo corporal dos atores lhe atribui um papel essencial na concepção de dramaturgia cênica.

A trilha sonora pesquisada pela diretora Mirah Laline e operada por Manu Goulart continha várias músicas de hard rock alemão muito pertinentes ao espetáculo. Além de outras canções que dialogavam com o texto e propunham um distanciamento crítico e bem humorado em alguns momentos.

Também não posso deixar de elogiar a direção e direção de fotografia dos vídeos criados por João de Queiróz e Maurício Casiraghi, este último também responsável pela projeção deles durante o espetáculo. A projeção de vídeos vem sendo muito utilizada em alguns espetáculos contemporâneos, o que pode vir a funcionar como um colorido a mais na criação cênica. Entretanto, esse recurso deve ser usado com cautela para não ficar gratuito, ou apenas reforçando o que se está fazendo ao vivo, ele deve dialogar dinamicamente com a cena, senão perde o sentido.

Porém, a maneira como foi utilizado no espetáculo “O Feio”, estava muito adequada, foi um acerto da direção. Além do fato dos vídeos terem sido muito bem produzidos, eles ofereciam ao espectador um diálogo com o universo interno do protagonista. Não posso deixar de destacar o momento em que o personagem sente a vontade de pular do prédio. A sincronicidade entre o ator e o vídeo foi ótima, um profundo diálogo entre cinema e teatro, dando um aspecto de grande realidade, chamando muito a atenção do público que não deixou de se manifestar positivamente durante essa cena.

Portanto, considero que o espetáculo “O Feio” foi um grande presente ao público pelotense não apenas pela sua apreciação estética, mas também por vermos artistas tão jovens já despontando em um trabalho muito bem realizado. Além disso, não posso deixar de render louvores à iniciativa do SESC em oferecer ao público um panorama da produção cênica universitária do Rio Grande do Sul.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.


domingo, 19 de agosto de 2012

Transbordando Energia: A Sublime Presença Cênica de Carlos Simioni



O ato de conquistar a plateia, agarrar o espectador usando a sua sensibilidade, gerar identificação/estranheza, emocionar e encantar quem lhe assiste, é uma das tarefas mais difíceis para um ator. Muitas vezes, de maneira figurativa, as pessoas costumam dizer que o evento teatral é um momento mágico, onde os espectadores embarcam no universo imaginário criado pelos artistas da cena e vivenciam aquelas experiências como suas.

Sinestesia. Não tem outra palavra que possa me vir à cabeça, quando lembro de encontros no teatro onde transcendemos os sentidos, vamos para além da materialidade e nos entregamos às sensações. As propostas teatrais nem sempre precisam ter esse foco, uma vez que existem diversas abordagens estéticas e objetivos diferenciados em espetáculos de teatro. Acredito que todas as formas são justas, desde que coerentes. Nem todo evento precisa ser única e exclusivamente de cunho estético. Afinal de contas, teatro também pode ser apenas entretenimento. O importante é que o público vá ao teatro! Com o tempo, ampliando o seu repertório, os espectadores já conseguem dispor de uma percepção crítica abrangente, capaz de lhes propiciar criticidade e sagacidade capazes de lhes conferirem um olhar diferenciado sobre o que está sendo produzido e o que eles desejam assistir naquele momento.

Perfaço essa introdução, pois o texto a seguir estará relacionado a um tipo de trabalho muito específico em teatro, muito raro e extremamente necessário nos dias de hoje para que não deixemos a luz das grandes artes serem apagadas por uma massificação de produtos enlatados gerados pelos interesses sócio, políticos e econômicos de alguns setores da sociedade que utilizam o entretenimento como ferramenta de domínio e manutenção da opinião pública. Graças a alguns poucos grupos resistentes, essa chama da essência do teatro nunca se apagará! Não é fácil para qualquer grupo de teatro poder se dedicar à pesquisa da arte teatral, nem tão pouco se entregar às exigências do mercado comercial do entretenimento. Para isso, há que se contar com uma enorme estrutura que lhes dê suporte e condições dignas de trabalho, além de, obviamente, um talento fora do comum para todos os envolvidos no processo. Somente assim, com muito esforço, entrega, dedicação, disciplina, coragem, vocação, talento e trabalho se consegue obter o resultado de trabalhos que marcam a história do teatro mundial.

Essa referência introdutória está direcionada ao trabalho do Grupo LUME Teatro/Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais, da Universidade de Campinas/SP. Não é de hoje que o trabalho de todos os componentes desse grupo é reconhecido em diversas partes do mundo, não apenas pelos seus espetáculos e demonstrações técnicas, mas por todas as suas propostas de pesquisa, reflexões teóricas e sistematizações de metodologias de trabalho para atores.

O cerne do trabalho do LUME está no ator, se baseando em diversas fontes históricas, teóricas e práticas da arte teatral, permeadas pelas suas experiências, experimentações e descobertas, esse grupo conseguiu imprimir uma identidade específica ao seu trabalho. O reconhecimento internacional não se deu apenas pela articulação teórica de suas propostas, mas também pelo fato dos espectadores poderem perceber, constatar e sentir esses resultados em cena. Fugindo do que muitos teóricos fazem ao proporem apenas divagações sobre uma prática que não condiz com a sua teoria, o LUME se diferencia ao conseguir expor em cena toda a sua arte em extrema consonância com as suas discussões metodológicas para o preparo de atores.

Entretanto, o espectador não necessita dispor de uma série de referenciais específicos do fazer teatral quando vai assistir a um espetáculo, ele precisa ser tocado de alguma forma. As especificidades técnicas são conhecimentos restritos aos profissionais daquela área, o público vai ao teatro para viver uma experiência diferenciada do seu dia a dia, se emocionar, divertir e, se possível, refletir. Nesse sentido, o LUME consegue se destacar, uma vez que, mesmo sem conhecerem a metodologia de trabalho do elenco, os espectadores conseguem sair dos espetáculos desse grupo sensibilizados de alguma forma.

Todavia, não escrevi todos os parágrafos anteriores apenas para falar do grupo como um todo. Senti a necessidade de fazer uma contextualização, já que comentaria sobre um trabalho específico de um dos atores do LUME: Carlos Simioni. Há mais de 15 anos conheço o LUME, o que já me possibilita uma intimidade ao comentar sobre o trabalho desses artistas tão singulares e belos.

Durante a primeira semana de maio desse ano, Carlos Simioni esteve em Pelotas para ministrar um curso intitulado “Da Energia à Ação”, que trata da aplicação de algumas das técnicas desenvolvidas pelo grupo LUME ao longo das suas décadas de pesquisas teatrais. Além disso, no dia 12 de maio, Simioni apresentou, no espaço do Tablado, da Faculdade de Teatro, da Universidade Federal de Pelotas, o trabalho intitulado “Prisão Para a Liberdade”. Essa demonstração técnica aborda a trajetória das pesquisas da arte do ator, iniciada por ele, juntamente com os outros dois fundadores do LUME: Ricardo Puccetti e Luis Otávio Burnier (in memorian) e aperfeiçoada ao longo dos anos com os outros atores do grupo. Além disso, Simioni expõe alguns dos resultados de seus treinamentos e técnicas de expansão e dilatação do corpo no tempo e no espaço.

Uma das grandes buscas dos atores no palco, é pela chamada presença cênica, uma capacidade de gerar conexão, empatia e prender a atenção do espectador durante a peça de teatro. Logo de início, o carisma de Carlos Simioni conquista a todos. Porém, apenas essa qualidade não lhe garantiria todos os predicados que dispõe. Simioni é um virtuoso! Um virtuoso da cena! Um artista que conseguiu, por meio de muito trabalho e comprometimento, uma capacidade de atingir ao espectador de uma maneira impressionante.

Os privilegiados que foram assistir à demonstração técnica, numa manhã de sábado, saíram de lá impactados. Com certeza, foi uma experiência sinestésica muito forte, tocante, capaz de nos transportar para outro universo de sensações. A virtuose cênica de Simioni de nada serviria se fossem apenas aplicações de técnicas muito bem executadas. No entanto, ele consegue transcender tudo isso e gerar uma empatia com o espectador que dificilmente observamos com outros atores.

A energia de Simioni contagia a todos, nos toca, emociona e envolve. Em um determinado momento, me dei conta de que todos estávamos vidrados na sua presença, totalmente entregues à situação. Quando falamos em energia, sempre temos a noção de que é algo invisível ou imaterial. Contudo, nesse dia, a experiência nos levou a outro patamar sensorial, podíamos sentir a energia de Simioni, sermos envolvidos por ela e, claro, sermos totalmente conduzidos por ele àquele universo cênico. Conseguíamos sentir a energia dele nos tocando, sentir o que ele estava sentindo e nos deixar levar pelo prazer de uma experiência singular e rara nos dias de hoje: a comunhão com a arte.

 Um grande artista. Assim pode ser definido Carlos Simioni, um atleta afetivo, um virtuoso da cena, um ser humano especial, capaz de, com sua generosidade, doar suas emoções aos espectadores com uma grande intensidade. Mas, não apenas isso. Ele não se conforma com isso. Por esse motivo, passa à diante suas técnicas e orientações de trabalho para que outros atores possam vivenciar em cena experiências únicas e belas!

Portanto, considero que os espectadores saíram de “Prisão Para a Liberdade” muito tocados e felizes por terem tido a oportunidade de chegar tão perto de um artista raro nos dias de hoje. Após esse contato, surgiu a reflexão de que Pelotas está precisando do LUME! Esse grupo que já veio diversas vezes à cidade, precisa voltar, trazer seus trabalhos, demonstrações técnicas e cursos não apenas para os artistas locais, mas para todo o público em geral. Deixo aqui o meu pedido aos governantes e às instituições comprometidas com a cultura para que tragam os trabalhos do Grupo LUME  a Pelotas novamente.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Ensaio Sobre a Repetição



Em uma perspectiva de mundo contemporâneo, repleto de informações múltiplas e simultâneas, muitas vezes o ser humano se vê perdido nesse meio, ou passa a somatizar esses problemas, revertendo-os em transtornos psicofísicos. A rotina sem questionamentos e criticidade pode levar as pessoas a uma automatização do seu dia a dia. Entretanto, havendo a percepção da repetibilidade factual diária, o indivíduo necessita de força, disposição, coragem e boa vontade para mudar os acontecimentos de sua vida.

Situações relacionadas a essas temáticas foram expostas no espetáculo “Ensaio Sobre a Repetição”, apresentado no dia 17 de julho de 2012, na Bibliotheca Pública Pelotense, pelo Grupo Barraquatro, de Porto Alegre/RS. Com direção de Júlia Rodrigues, trilha sonora executada ao vivo por Rodrigo Pereira, Tomás Dornelles Piccinini, Ettore Sanfelice e, no elenco, Sofia Vilasboas e Carolina Pommer, a peça conta com uma dramaturgia elaborada a partir de improvisações relacionadas a histórias pessoais das atrizes e fragmentos de textos de Fernando Pessoa, Sarah Kane e Gabriel Garcia Marquez.

A peça reflete sobre padrões de aprendizado, comportamento, suas reprodutibilidades, hábitos cotidianos e relações sociais. A maneira como o texto é conduzido nos leva a ponderar sobre qual a singularidade ou autoria dos nossos atos em sociedade. Seriam eles originais ou meras repetições? Muito embora se possa fazer esse tipo de leitura sobre a proposta do grupo, ela não fica evidentemente ilustrada no espetáculo, já que, por vezes, a dramaturgia fragmentada em demasia, pode desviar a atenção do espectador para o excesso de ações cênicas.

O fato de a direção ter optado por uma repetição de partituras de ações que se prolongam durante o espetáculo, utilizando garrafas como elementos que constroem o espaço cênico, foi um bom achado. Essa peculiaridade, trazia à tona um caráter neurastênico às personagens e não muito distante de alguns comportamentos sociais comumente observados nos dias de hoje. Além de oferecer uma perspectiva estética diferenciada, as garrafas ajudam a compor a “colcha de retalhos” que compõe o espetáculo.

A trilha sonora executada ao vivo se mostrou como um fator agregador positivo ao resultado do trabalho. Os músicos intervinham nos momentos corretos, totalmente concentrados no que estava sendo contado em cena. Além disso, a trilha favoreceu muito a comunicação entre a proposta estética, trabalho corporal das atrizes e sua relação com os espectadores.

As duas atrizes, apesar de bem jovens, conseguiam segurar a história, imprimindo-lhe ritmo, empatia e diálogo com os espectadores. Fica bem claro que o grupo realiza um trabalho com embasamento em alguma das vertentes do teatro físico, uma vez que, se as atrizes não dispusessem dessa formação, não conseguiriam imprimir o vigor técnico que levam para a cena. O frescor da juventude e da imaturidade cênica conseguem funcionar com combustível para mostrar aos espectadores a felicidade, força, garra e vontade que todos aqueles jovens artistas estão tendo em levar essa história até o contato com o público.

Porém,  faltou profundidade na abordagem das temáticas apresentadas pela maneira como a dramaturgia estava disposta. Essa qualidade não é uma característica que os bancos acadêmicos, livros e cursos nos trazem por si só. Eles nos servem como repertório, mas a maturidade cênica e de vida, como um todo, nos propiciam outras percepções e significados sobre cada palavra que estamos dizendo no palco e isso transparece ao espectador com muita intensidade.

Portanto, gostaria de deixar como último registro a felicidade de assistir a esse espetáculo em um espaço tão belo, como a Bibliotheca Pública Pelotense. Além de estarmos inseridos num espaço histórico, o local oferece plenas condições para que espetáculos de teatro, dança, música e performance possam ser ali apresentados. Ademais, também acredito que esse possa ser um meio para fazer com que o público pelotense volte a frequentar a sua biblioteca pública, não apenas como um espaço de leitura e pesquisa, mas como um centro cultural capaz de abrigar as mais diferentes formas de expressão artística.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.





sábado, 18 de agosto de 2012

Teatro Canadense por Brasileiros



Mesmo com o Brasil tendo uma enorme quantidade de excelentes obras dramatúrgicas, a montagem de peças de autores estrangeiros além de trazer um novo colorido à cena teatral, amplia o repertório literário dos espectadores para além de suas fronteiras. Recentemente, uma série de espetáculos tem trazido textos canadenses aos palcos brasileiros, possibilitando um contato mais próximo com as temáticas abordadas no cenário da América do Norte.

Nesse contexto, no dia 26 de junho de 2012, Pelotas recebeu, no Theatro Guarany,  a peça “A Primeira Vista”, do autor canadense Daniel MacIvor. Sob direção de Enrique Diaz, Drica Moraes e Mariana Lima vivem as personagens de uma trama conduzida pela busca de identidade e definições sobre o que o futuro lhes reserva. Com momentos divertidos e comoventes, a peça conta a história dessas amigas que vão dividindo os seus pontos de vista com a plateia.

Podemos dizer que um dos valores positivos desse texto se refere à estrutura narrativa, pois ela vai expondo as situações aos poucos, como que traçando um panorama geral da vida dessas mulheres. Paulatinamente, alguns diálogos são entrecortados com a partes com a plateia, construindo um elo de intimidade com os espectadores para além da simpatia pelas atrizes, mas criando uma cumplicidade com a situação que está sendo exposta. Dentre as muitas temáticas abordadas, gostaria de destacar a busca pela identidade dessas mulheres naquele contexto de mundo em que estão inseridas, discussão muito pertinente nos dias de hoje e comumente levada aos palcos dos grandes centros urbanos.

Mas, ressalto uma peculiaridade do texto: o autor vai expondo as personagens aos poucos, gerando uma identificação dos espectadores com elas, fazendo-os aceitar e a respeitarem-nas em essência, quando ele traz à tona a temática da dúvida sobre a sexualidade. Nesse momento, de maneira muito delicada, ele trata a homossexualidade ou bissexualidade das personagens de maneira justa, sem estereótipos, superficialidades e, acima de tudo, com respeito. Fiquei muito abismado com o fato da hipocrisia e do falso moralismo ainda se manterem tão arraigados na “sociedade” pelotense, pois, quando as personagens começam a desvelar a sua identidade sexual, não foram poucas as reações da plateia em desagrado.

Talvez, o maior desconforto se deva ao fato de que, como as personagens foram tão bem apresentadas ao longo da peça, construindo uma cumplicidade com a plateia, no momento em que a sexualidade entra em voga, os espectadores tão acostumados a tratarem a homossexualidade com o desdém dos programas televisivos de “humor” ou de alguns stand up comedies de gosto duvidável, não conseguissem expor publicamente a sua conduta de intolerância, pois, ali, não havia suporte que a justificasse. Podemos supor que o desconforto possa advir dessa situação, onde não há a segurança do fazer deboche em cima de uma condição humana que justifique o riso, nem tão pouco por tratá-la como algo fora do comum.

Ao se deparar com essa situação tratada com tanta sutileza e respeito, esses espectadores não sabem que postura adotar em meio à “sociedade” que ali está presente assistindo ao espetáculo. Destaquei essa situação específica com o intuito de ressaltar o valor e a necessidade que o teatro desempenha na construção de uma sociedade mais crítica e respeitável frente a todas as diversidades.

A direção de Enrique Diaz é limpa. Apesar da concepção de encenação colocar as personagens dentro de um grande cenário, acredito que a opção tenha sido para deixar aquele local como figuração de qualquer contexto espacial, regional ou social. Entretanto, apesar de possuir muitos desenhos e rabiscos, o cenário nos passa a ideia de vidas que estão sendo escritas, porém que não partem de um passado inexistente, os registros estão sempre ali, colaborando para a formação daqueles sujeitos. Mesmo com esse cenário, o diretor consegue dar o devido destaque que as atrizes necessitam para estabelecerem a relação de suas personagens com a plateia.

Obviamente, por se tratar de um texto canadense, a maneira como a história é contada difere do que costumamos ver na dramaturgia brasileira. A narrativa se sobressai de maneira “cerebral” em alguns momentos, dando vazão a um grande volume de textos, com textos de conteúdo profundo e reflexivo, porém não expostos de forma direta e simplista. Esse fato obriga o espectador e estar atento ao conteúdo das falas indo além de uma leitura superficial dos fatos. Talvez, essa peculiaridade tenha gerado uma impressão de que o espetáculo tinha um ritmo muito lento para os espectadores. Eu discordo desse ponto de vista, apenas considero que o público brasileiro costuma estar mais acostumado com espetáculos que exploram ritmos mais acelerados, grandes movimentações cênicas e informações passadas de maneira mais direta.

Claro, não posso deixar de comentar o trabalho de Drica Moraes e Mariana Lima. Duas atrizes que são conhecidas do público de massa por meio das telenovelas, no entanto vêem de uma longa e consolidada trajetória no teatro brasileiro. O talento de ambas as atrizes permite que elas consigam prender a atenção dos espectadores, trazendo-os para dentro daquele universo vivido pelas personagens com uma categoria que dificilmente seria alcançada por outro elenco. Muito embora alguns cacoetes e expressões faciais viciadas das telenovelas tenham me incomodado em alguns momentos, a maneira como as atrizes compreendem a profundidade de cada personagem, nos faz olhar para além da forma. Muito delicada, sensível e leve, assim pode ser definida a atuação das atrizes nesse espetáculo.

Portanto, considero que a presença desse espetáculo nos palcos dessa cidade tenha sido de grande valor para propiciar aos nossos espectadores algumas reflexões diferenciadas sobre as perspectivas que temos da vida como um todo. Além disso, continuo lamentando que Pelotas não disponha de um teatro público, onde os ingressos possam ser mais baratos, permitindo à população um acesso mais facilitado à produção teatral contemporânea.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Contando Histórias no Teatro Musical Infantil



                Ao primeiro olhar, trabalhar para crianças pode parecer fácil. No entanto, o público infantil é dos mais difíceis de conquistar. Por esse motivo, peças de teatro direcionadas a esses espectadores necessitam de um cuidado redobrado, ainda mais quando se propõe a ser um musical.

                O texto a seguir tratará do espetáculo “A Sopa de Pedra”, sob autoria de Tatiana Belinky, trazido  Pelotas, no dia 31 de março de 2012, pelo Grupo Luz e Ribalta, da Cooperativa Paulista de Teatro. O elenco é formado por Luiz Amorim, Níveo Diegues, Theodora Ribeiro, Renato Comi e Erick Chica que tratam de dar vida aos personagens da história cantando e executando músicas a vivo. O espetáculo conta a história de dois amigos músicos, cansados e famintos que encontram no meio do caminho, a casa de uma senhora idosa e avarenta. Logo de cara, os dois artistas tentam ludibriar essa senhora para que eles possam ficar ali, enquanto descansam e ela os alimenta. Obviamente, a idosa não se deixa enganar e acaba aplicando várias peças nos dois mambembes, em uma trama recheada de situações engraçadíssimas, permeadas por uma trilha sonora encantadora.

                Competência, essa é a palavra que melhor defino o trabalho desse grupo. Realmente, vemos um espetáculo coeso que foge dos estereótipos infantis e propõe uma maneira de contar essa história que traz o público pra dentro da cena. Essa é uma tarefa bastante complicada, uma vez que, em se tratando de crianças, a sinceridade na resposta é franca e direta. O que pudemos observar, foram crianças felizes e extremamente atentas ao que lhes estava sendo apresentado. Claro que esse resultado só foi possível, pois os atores além de terem um carisma imenso, souberam como envolver o público presente. Esse tipo de identificação e conexão entre artista e espectador costuma ocorrer quando há verdade naquilo que está sendo representado. O termo que utilizo aqui se refere à verossimilhança das personagens em cena. Nesse caso, a reverência deve ser feita ao trabalho competente de todos que compõem o Grupo Luz e Ribalta.

                Além de interpretarem os personagens da peça, os atores também cantam ao vivo, enquanto se dividem na execução instrumental das músicas. Particularmente, aprecio muito quando podemos ver o trabalho dos músicos desvelado em espetáculos teatrais com a trilha sendo apresentada ao longo da peça. Esse tipo de peculiaridade, poderia distanciar e quebrar com a impressão de fantasia e universo imaginário que as crianças desenvolvem ao assistirem a uma peça de teatro. Entretanto, quando bem feito, o efeito é inverso. O público infantil sabe muito bem ler todas as informações e signos que lhes são expostos e, no caso dessa peça, a música ao vivo serviu como um catalisador da boa recepção teatral.

                Bom, quando falo nas músicas, não posso deixar de citar que os arranjos foram muito bem compostos e, também, obtiveram o mesmo sucesso quando foram cantados. A diversidade de situações que acontecem nos bastidores de um espetáculo e o contato dos atores com o público, poderia levá-los às armadilhas da desafinação ou a semitonar as entradas de algumas músicas. Todavia, isso não foi observado. Gosto de salientar esse tipo de situação, pois acredito que, para cantar numa peça de teatro, não basta apenas ao ator querer ou ser “afinadinho”, ele tem que ter técnica para tanto e saber que, mesmo um ouvido não musicalisado, tem condições de perceber quando uma música é mal cantada. No caso de “A Sopa de Pedra”, o elenco está de parabéns pela sua performance musical.

                A única ressalva que eu faria nesse espetáculo, se refere aos figurinos e cenário de Carlos Colabone que me pareceram um tanto quanto pesados. Quando falo em peso, estou fazendo referência à paleta de cores utilizadas no todo da composição do visagismo cênico. Acredito que os tons terrosos imprimiam uma percepção monocromática do universo daquelas personagens. Porém, essa é apenas uma sensação particular minha, uma vez que não posso negar que havia uma extrema coerência na proposta de ambientação cênica. Além disso, também acredito que não precisamos transformar figurinos de peças infantis em fantasias coloridas de escolas de samba, pois isso seria subestimar a percepção estética das crianças. Ademais, concordo que, na medida em que o figurino assumiu um papel discreto dentro do espetáculo, o trabalho dos atores se sobressaiu e colaborou para dar veracidade ao todo da concepção cênica. Volto a salientar que os figurinos eram funcionais, lindos e imprimiam identidade aos personagens, apenas pesaram um pouco aos meus olhos. Contudo, não podemos negar de que se trata de um trabalho muito competente.

                Portanto, aqueles que tiveram o prazer de assistir a esse espetáculo numa tarde de sábado, saíram do Teatro do COP encantados com uma ótima apresentação de teatro infantil. Além disso, considero de extrema importância que os pais levem os seus filhos ao teatro, não apenas para terem um contato direto com um espetáculo, mas também por estarem contribuindo na formação de um indivíduo mais crítico e com um repertório estético de mundo diferenciado dos demais.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.