terça-feira, 11 de setembro de 2012

Chapitô e o Teatro Físico Português


A companhia Chapitô, criada há 25 anos em Portugal, esteve em Porto Alegre/RS, de 05 à 07 de setembro, apresentando o espetáculo “Cão Que Morre Não Ladra”, no Teatro do SESC. Criado por Teresa Ricou, o Chapitô trabalha ativamente na formação artística e social de jovens de classes menos favorecidas.

O trabalho desenvolvido por essa companhia não se restringe apenas ao fazer artístico e à formação dos seus alunos. Agregado a esse coletivo, existem diversas entidades realizando atividades de cunho social, somando colaborações da iniciativa privada nacional, internacional e também de poderes públicos. Nesse caso, a arte é o meio catalisador para esse diálogo. Muito embora, nos dias de hoje, o Chapitô já conte com certa estrutura, isso foi construído com muito trabalho, seriedade e comprometimento social ao longo dos anos. O que ressaltou o trabalho desses artistas foi o fato de não ficarem apenas no limiar teórico e do embasamento de discursos polidos, o seu trabalho obteve o devido valor, dada à qualidade artística das suas produções.

As ações que esses artistas realizam para a integração de jovens em situação de risco e vulnerabilidade social por meio das artes é louvável e merece todo o nosso respeito. Friso e saliento bastante o trabalho do Chapitô, pois suas ações não têm nenhum caráter assistencialista, como vemos comumente em diversos trabalhos realizados pelo Brasil, onde o Governo libera grande soma de investimentos para atividades com objetivos semelhantes e o que observamos são olhares verticais assistencialistas do oportunismo de seus realizadores.

As técnicas circenses são o local de interlocução no processo formativo dos artistas oriundos do Chapitô. Entretanto, a multidisciplinaridade se faz presente e podemos observar claramente no corpo dos seus atores técnicas que advém do mimo, dança, teatro físico em geral, circo, clown, Commedia Dell Arte  e etc... O corpo do ator é o ponto de partida para a comunicação com os espectadores e para a criação das suas matrizes de trabalho nos espetáculos realizados pela companhia.

O espetáculo que veio a essa edição do festival Porto Alegre Em Cena, contava a história de uma família que possuía uma maneira muito peculiar de lidar com a morte e de como dar essa notícia aos outros membros da família. Em um tom de humor bastante ácido, a dramaturgia nos conduzia por um terreno absurdo, de uma família despedaçada e partida ao meio pela tragédia. Porém, finalmente reunida.

Logo de início, o público já é levado às gargalhadas dado o jogo cênico entre os atores Jorge Cruz, Marta Cerqueira e Tiago Viegas, criando situações engraçadas sem a necessidade de muitas palavras para que o público se envolvesse na cena rapidamente. Ao falar de velocidade, não posso deixar de enaltecer o ritmo, time de comédia e sintonia entre o elenco. Os resultados de contracenação que esses atores conseguem durante a peça é impressionante, sabendo dosar as nuances de momentos acelerados e mais calmos da história. Além disso, a confiança e o jogo criado e sustentado pelo elenco em cena se tornavam muito bonitos de se ver, pois ali ficava bem claro um dos princípios básicos da confiança de um ator no seu colega durante o evento teatral: a busca da segurança nos olhos do parceiro em cena.

A relação corporal entre o elenco era evidente e a maneira como ela conduzia o espetáculo propiciava aos espectadores um outro tipo de perspectiva de como uma peça de teatro pode fugir às convenções. Apesar do espetáculo não se propor a apresentar uma inovação estética, nem muito menos evidenciar a virtuose técnica dos seus artistas, cito aquela questão na frase anterior, pois o elenco soube dosar com sutileza todo o seu repertório físico, sem fazê-lo desaparecer em cena. Aliás, para quem conhece, saltava aos olhos o domínio que os atores tinham de todas as técnicas referidas anteriormente. Estava tudo ali. Porém, sem levar o exercício à cena, à mera exibição de técnicas, o teatro físico se fazia presente, mas estava tão coerentemente posto dentro de um contexto que o público em geral podia se envolver na história acreditando na veracidade daquelas personagens, mesmo que em uma situação absurda.

Aos que estudam alguma das vertentes do teatro físico, esse espetáculo foi uma aula de como se utilizar todas as ferramentas exaustivamente trabalhadas nas salas de ensaio e trazê-las para uma atuação realista, em um texto que dialoga com o teatro do absurdo. Aí reside a grande dificuldade desse trabalho e o louvor que devemos oferecer ao elenco, pois a dosagem foi precisa. Ressalto ainda as variações de tensões utilizadas pelos atores, quando manipulados pelos seus colegas, em alguns momentos se utilizando de um “relaxamento conduzido” e em outros de uma “rigidez mecânica”, propiciando momentos hilários aos espectadores na medida em que íamos acompanhando o destino físico das personagens.

Além disso, não posso deixar de falar em precisão. As marcações físicas dos atores eram muito precisas e necessitavam que assim o fosse, pois o risco de acidentes em cena é enorme. Mesmo quando nos parece que os atores não estão alertas, eles nos surpreendem com uma prontidão imediata. Esse refinamento de trabalho é muito difícil de ser atingido.

Outro aspecto que gostaria de sublinhar, se refere à técnica vocal dos atores. Cabe aqui fazer uma reflexão, pois não é a primeira vez que assisto a um espetáculo de teatro vindo de Portugal e sempre fico impressionado de como os atores portugueses falam bem em cena. Apesar das diferenças entre a pronúncia portuguesa e brasileira, sempre observo que os atores portugueses sabem fazer os seus textos serem bem ouvidos, bem compreendidos e muito bem articulados. Essa observação sempre me chama atenção ao fato de que os atores brasileiros não dão a devida atenção à técnica vocal ou se equivocam ao utilizarem preparações baseadas em empirismos intuitivos de alguns “mestres”. Não é incomum observarmos um espetáculo de teatro brasileiro onde algumas frases ditas pelos atores fujam a nossa compreensão, se percam numa dicção e emissão falhas, ou o que, infelizmente, acontece e muito: os atores falam, sem observar, significar e compreenderem o porquê suas personagens estão dizendo aquilo.

A direção de John Moiwat, com assistência de Katrina Brown, teve um papel muito importante ao saber conduzir o potencial técnico dos atores para marcações de cena limpas e muito precisas. Mesmo com uma temática que, por vezes, adquira um caráter pesado no espetáculo, a direção soube dosar esses momentos e explorar as situações nos momentos adequados. Além disso, também foi utilizado um recurso de explorar cenas no back stage, o que pode ser um risco, já que a tendência do público é se dispersar. Porém, quando os acontecimentos se direcionavam para as coxias, o público acabava ficando curioso sobre o que viria e não chegava a se dispersar, uma vez que essas cenas não se prolongavam.

Acredito que a direção poderia ter dado um pouco mais de ênfase na construção interna das personagens e do estímulo à sentimentalidade entre as relações daquela família. Apesar de a proposta explorar o humor e o dinamismo físico dos atores imprimir toda a interlocução cênica, acredito que o diretor poderia ter estimulado os seus atores um pouco mais para darem o devido peso que algumas situações exigiam, como por exemplo, o momento em que o filho revive o Natal em família e seus pais já estão mortos. Mesmo em se tratando de um contexto absurdo e sem desejarmos cair nas armadilhas da pieguice, senti falta desse refinamento na busca pelas emoções internas das personagens.

A cenografia de Kevin Plum nos propunha um ambiente cênico limpo, apenas com os itens mínimos e funcionais necessários à proposta de jogo cênico. Uma mesa em proporções fora do comum ficava localizada no centro de cena, sendo utilizada como suporte para as mais variadas situações. O espetáculo contava ainda com gravação e edição de áudio de Tiago Cerqueira e iluminação de Luís Moreira e Paulo Cunha. Todos os elementos cênicos foram utilizados de maneira limpa, propiciando que o foco da encenação ressaltasse o trabalho físico dos atores.

Portanto, apesar do Chapitô não ser muito conhecido no Brasil, acredito que a vinda desse grupo ao 19º Porto Alegre Em Cena vem a propor uma aproximação maior entre as culturas desses dois países ligados historicamente. Além disso, considero ser de extrema importância a vinda dessa companhia ao nosso estado não apenas pelo seu valor artístico. Mas, também por podermos observar o trabalho competente de um coletivo de artistas muito engajados nas causas sociais do seu país. Quiçá, ano que vem a organização do Porto Alegre em Cena nos brinda com um maior número de espetáculos em língua portuguesa vindos de outros países!

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

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