Mesmo
com o Brasil tendo uma enorme quantidade de excelentes obras dramatúrgicas, a
montagem de peças de autores estrangeiros além de trazer um novo colorido à
cena teatral, amplia o repertório literário dos espectadores para além de suas
fronteiras. Recentemente, uma série de espetáculos tem trazido textos
canadenses aos palcos brasileiros, possibilitando um contato mais próximo com
as temáticas abordadas no cenário da América do Norte.
Nesse
contexto, no dia 26 de junho de 2012, Pelotas recebeu, no Theatro Guarany, a peça “A Primeira Vista”, do autor canadense
Daniel MacIvor. Sob direção
de Enrique Diaz, Drica Moraes e Mariana Lima vivem as personagens de uma trama
conduzida pela busca de identidade e definições sobre o que o futuro lhes
reserva. Com momentos divertidos e comoventes, a peça conta a história dessas
amigas que vão dividindo os seus pontos de vista com a plateia.
Podemos dizer que um dos valores positivos
desse texto se refere à estrutura narrativa, pois ela vai expondo as situações
aos poucos, como que traçando um panorama geral da vida dessas mulheres. Paulatinamente,
alguns diálogos são entrecortados com a
partes com a plateia, construindo um elo de intimidade com os espectadores
para além da simpatia pelas atrizes, mas criando uma cumplicidade com a
situação que está sendo exposta. Dentre as muitas temáticas abordadas, gostaria
de destacar a busca pela identidade dessas mulheres naquele contexto de mundo
em que estão inseridas, discussão muito pertinente nos dias de hoje e comumente
levada aos palcos dos grandes centros urbanos.
Mas, ressalto uma peculiaridade do texto: o
autor vai expondo as personagens aos poucos, gerando uma identificação dos espectadores com elas, fazendo-os aceitar e a respeitarem-nas em essência, quando
ele traz à tona a temática da dúvida sobre a sexualidade. Nesse momento, de
maneira muito delicada, ele trata a homossexualidade ou bissexualidade das
personagens de maneira justa, sem estereótipos, superficialidades e, acima de
tudo, com respeito. Fiquei muito abismado com o fato da hipocrisia e do falso
moralismo ainda se manterem tão arraigados na “sociedade” pelotense, pois,
quando as personagens começam a desvelar a sua identidade sexual, não foram
poucas as reações da plateia em desagrado.
Talvez, o maior desconforto se deva ao fato de
que, como as personagens foram tão bem apresentadas ao longo da peça,
construindo uma cumplicidade com a plateia, no momento em que a sexualidade entra
em voga, os espectadores tão acostumados a tratarem a homossexualidade com o
desdém dos programas televisivos de “humor” ou de alguns stand up comedies de gosto duvidável, não conseguissem expor
publicamente a sua conduta de intolerância, pois, ali, não havia suporte que a
justificasse. Podemos supor que o desconforto possa advir dessa situação, onde
não há a segurança do fazer deboche em cima de uma condição humana que
justifique o riso, nem tão pouco por tratá-la como algo fora do comum.
Ao se deparar com essa situação tratada com
tanta sutileza e respeito, esses espectadores não sabem que postura adotar em
meio à “sociedade” que ali está presente assistindo ao espetáculo. Destaquei
essa situação específica com o intuito de ressaltar o valor e a necessidade que
o teatro desempenha na construção de uma sociedade mais crítica e respeitável
frente a todas as diversidades.
A direção de Enrique Diaz é limpa. Apesar da
concepção de encenação colocar as personagens dentro de um grande cenário,
acredito que a opção tenha sido para deixar aquele local como figuração de
qualquer contexto espacial, regional ou social. Entretanto, apesar de possuir
muitos desenhos e rabiscos, o cenário nos passa a ideia de vidas que estão
sendo escritas, porém que não partem de um passado inexistente, os registros
estão sempre ali, colaborando para a formação daqueles sujeitos. Mesmo com esse
cenário, o diretor consegue dar o devido destaque que as atrizes necessitam
para estabelecerem a relação de suas personagens com a plateia.
Obviamente, por se tratar de um texto
canadense, a maneira como a história é contada difere do que costumamos ver na
dramaturgia brasileira. A narrativa se sobressai de maneira “cerebral” em
alguns momentos, dando vazão a um grande volume de textos, com textos de
conteúdo profundo e reflexivo, porém não expostos de forma direta e simplista. Esse
fato obriga o espectador e estar atento ao conteúdo das falas indo além de uma
leitura superficial dos fatos. Talvez, essa peculiaridade tenha gerado uma
impressão de que o espetáculo tinha um ritmo muito lento para os espectadores.
Eu discordo desse ponto de vista, apenas considero que o público brasileiro
costuma estar mais acostumado com espetáculos que exploram ritmos mais
acelerados, grandes movimentações cênicas e informações passadas de maneira
mais direta.
Claro, não posso deixar de comentar o trabalho
de Drica Moraes e Mariana Lima. Duas atrizes que são conhecidas do público de
massa por meio das telenovelas, no entanto vêem de uma longa e consolidada
trajetória no teatro brasileiro. O talento de ambas as atrizes permite que elas
consigam prender a atenção dos espectadores, trazendo-os para dentro daquele
universo vivido pelas personagens com uma categoria que dificilmente seria
alcançada por outro elenco. Muito embora alguns cacoetes e expressões faciais
viciadas das telenovelas tenham me incomodado em alguns momentos, a maneira
como as atrizes compreendem a profundidade de cada personagem, nos faz olhar
para além da forma. Muito delicada, sensível e leve, assim pode ser definida a
atuação das atrizes nesse espetáculo.
Portanto, considero que a presença desse
espetáculo nos palcos dessa cidade tenha sido de grande valor para propiciar
aos nossos espectadores algumas reflexões diferenciadas sobre as perspectivas
que temos da vida como um todo. Além disso, continuo lamentando que Pelotas não
disponha de um teatro público, onde os ingressos possam ser mais baratos,
permitindo à população um acesso mais facilitado à produção teatral
contemporânea.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
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