Inicialmente,
a história do teatro brasileira restringia os negros à plateia, quando podiam
pagar, ou a personagens estereotipados, interpretados por atores brancos que
maquiavam sua pele para interpretá-los. Obviamente que, envolto a isso, temos
todo o contexto social brasileiro de uma época. Porém, foi graças ao
pioneirismo de Abdias do Nascimento e Ruth de Souza, com o seu Teatro
Experimental do Negro (TEM), criado em 1944, que esse panorama começou a ser
modificado.
Em outro
texto, já abordei a questão do papel do negro no teatro contemporâneo. Por esse
motivo, não me deterei a ela aqui. Entretanto, não podemos esquecer e sempre
deixar de lembrar a importância da atriz Ruth de Souza ao teatro brasileiro.
Graças a sua coragem, determinação, talento e persistência, ela conseguiu consolidar
sua carreira como uma das maiores atrizes brasileiras, além de abrir espaço
para que muitas outras mulheres negras pudessem subir aos palcos como
profissionais das artes cênicas, sendo respeitadas pela sua competência.
No dia 28 de
setembro de 2012, foi apresentado, no Teatro do COP, o espetáculo “No Palco
Ruth de Souza”. As atrizes Lucila Clemente e Kaya Rodrigues dividem o palco
para contar a história de uma das figuras mais importantes da história recente
do Brasil. O espetáculo em tom de memória, perfaz de maneira sintética a
trajetória de carreira e vida pessoal de Ruth de Souza. O texto/concepção/direção/trilha
sonora de Lucila Clemente e Josiane Acosta surgiu ainda quando as duas jovens
atrizes estavam na faculdade de teatro, como seu trabalho de conclusão de
curso. Talvez por esse motivo, se observe algumas fragilidades relativas a
esses quesitos.
Não me aterei
tanto a fazer uma minúcia técnica sobre os problemas existentes no espetáculo,
em respeito à personagem tema da história. Entretanto, não posso deixar de
comentar que a imaturidade artística das atrizes conferiu uma tonalidade de
demasiada leveza à história de uma mulher que, com certeza, deve ter enfrentado
e ainda enfrentar os piores preconceitos em relação ao seu percurso pessoal e
profissional. Percebo que as atrizes desejaram fazer uma homenagem à Ruth e
queriam que a peça tivesse um caráter alegre. No entanto, se fazia necessário
prestar um pouco mais de atenção às dificuldades que ela enfrentou ao longo dos
anos.
As projeções
de vídeos com fotos e cenas de Ruth de Souza foram muito bem exploradas. Na
verdade, a força cênica dessa atriz é tão grande que acabava criando um
problema a Kaya e Lucila, quando terminavam os vídeos e voltávamos à cena
teatral. A comparação acaba sendo inevitável e também não podemos esperar que
duas atrizes tão jovens consigam se igualar à experiência de Ruth de Souza.
Paradoxalmente, não quero dizer que as atrizes não sejam competentes. Muito
pelo contrário, fazem valer a sua jovialidade e energia para segurarem esse
espetáculo durante os quase 60 minutos de performance.
Por outro
lado, vou citar apenas mais uma situação que se refere ao canto em teatro. Já
comentei isso algumas vezes, pois acredito que o canto exige uma série de
questões, tais como, técnica vocal, musicalidade, interpretação, emoção e
etc... Entretanto, sempre temos que ter o discernimento das diferenças entre
atores e cantores. Em um espetáculo de teatro, o ator pode cantar de maneira
dissonante, com técnica falha, sem musicalidade, desde que isso esteja dentro
de um contexto específico da história e do seu personagem. Caso contrário,
apenas salientará a sua desafinação e falta de talento musical.
No caso desse
espetáculo, as atrizes foram muito corajosas em cantar à capela em alguns
momentos, talvez tentando mostrar um caráter informal ao momento da peça. No entanto,
estando em frente ao público, não há espaço para se utilizar a informalidade
como defesa de nossas fragilidades técnicas. Acredito que os problemas
observados nos momentos de canto, poderiam ser contornados se as atrizes fossem
acompanhadas por músicos tocando ao vivo, já que um playback mecânico exigiria um potencial vocal muito maior.
Apesar de
Pelotas ser uma cidade com uma expressiva população negra, não vi muitos negros
no teatro naquela noite. Aliás, mesmo o espetáculo sendo gratuito, o teatro não
estava nem cheio. Quem perdeu foi o público que deixou de ver uma apresentação
teatral que contou a história de uma das atrizes mais importantes desse país.
MSc. Vagner
Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
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