Na gélida noite do dia 17 de julho de 2010, o Grupo Purê de Batatas – Dança, Teatro e afins, de Porto Alegre, trouxe a Pelotas um espetáculo diferente das propostas comumente representadas nesta cidade. Além do espetáculo, o trio Dani Boff, Heloisa Gravina e Michel Capeletti ainda ministraram um workshop intitulado: “Histórias do Corpo: Treinamento para um Abraço”.
Na verdade, a proposta que o Grupo trouxe a Pelotas tratava-se de uma performance, na qual o público era instigado a pensar sobre o afeto. Através de uma simples ação, o público chega, duas pessoas estão abraçadas e ali permanecem. Ao longo do tempo, seus corpos vão se ajustando, desvelando novas formas de permanecerem em contato e ainda abraçadas. Paralelamente, algumas imagens, de outras intervenções do Grupo em espaços abertos, eram projetadas em diferentes locais da Sala Preta – uma pequena sala de aula da Faculdade de Teatro da Universidade Federal de Pelotas com estrutura que remete a um pequeno teatro – já que as salas de espetáculo desaparecem a cada dia nesta cidade. Desta forma, os espectadores eram convidados a repensar as possibilidades cênicas daquele espaço. Enquanto isso, as duas performers permaneciam abraçadas.
O engraçado desta intervenção foi perceber como o simples ato de observar duas pessoas abraçadas pudesse desassossegar tanto ao público. Reparo nisso, não apenas pelo fato de muitas pessoas não sentirem-se tocadas pelas propostas de arte contemporânea, ou de boa parte dos espectadores pelotenses ainda deslocarem-se de suas residências com destino a um evento teatral almejando que ele esteja nos moldes daqueles do século XIX, mas foi possível perceber como uma simples ação pode promover tantas reações no público. Talvez o fato de duas mulheres estarem abraçadas incomodou alguns presentes que não conseguiam ter seus olhos mais abertos à fruição de uma proposta artística. No entanto, com o passar do tempo, as visões (pre)conceituosas se esvaiam e surgia um vazio, uma vez que estes espectadores deveriam repensar seus conceitos para, pelo menos, conseguirem perceber o que se passava a sua volta.
Neste sentido, a experiência de sentar-se confortavelmente em uma cadeira para ficar observando duas pessoas abraçadas, possivelmente, levou todos a refletirem sobre este gesto no mundo atual. O fato daquela noite estar chuvosa, com temperatura próxima aos 0oC, já convidava todos a desejarem um abraço com o objetivo primário de melhoria da sensação térmica. Porém, a discussão aqui não é tão simplista, uma vez que, num mundo contemporâneo, cada vez mais individualista e virtual, o afeto, o toque e o abraço tornaram-se manifestações raras. Desta forma, ficar sentado observando duas pessoas abraçadas, com o passar dos minutos, nos faz avançar e repensar várias coisas em nossas, vidas, até mesmo porque, ao mudarem de posição, o abraço nos remetia a uma impressão nova, passível de reflexão sobre acontecimentos do cotidiano. O toque interpessoal quase não existe nos dias atuais em que webcams, mouses e teclados perfazem muitos tipos de contatos pessoais. Será que com o passar dos tempos teremos que ir a uma galeria de arte para sabermos o que é um abraço? Uma das propostas do Grupo é tratar o abraço como um pequeno ato terrorista e, realmente, ele cumpre esta missão, já que visualizar duas pessoas abraçadas pode servir de provocação para um enfrentamento do terror que é o desconhecimento do ato de ter dois corpos unidos, com seus braços entrelaçados.
Bom, antes de terminar, não posso deixar de tecer alguns elogios ao desempenho da iluminadora do Purê de Batatas por, com tão poucos recursos, ter conseguido criar todos os climas e atmosferas de iluminação que estavam em consonância com a proposta de performance. Com muita criatividade, força de vontade e a sensibilidade de um olhar feminino, ela conseguiu compor uma dramaturgia de iluminação orgânica com o trabalho das atrizes-dançarinas.
Portanto, finalizo este comentário ressaltando a necessidade de outras propostas artísticas nesta cidade que dialoguem com outras formas de expressão, reverberando na intertextualidade derivada da intersecção das mais diversas linguagens artísticas. Além disso, congratulo o Grupo porto alegrense por nos propiciar a experiência de refletir sobre o fato de que, ao esmagar abraços, esmagam-se padrões de conceitos e abrem-se as janelas para reflexões sobre o afeto em uma sociedade contemporânea tão apartada de sentimentos.
MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
www.ccetp.blogspot.com
vagnervarg@yahoo.com.br
Na verdade, a proposta que o Grupo trouxe a Pelotas tratava-se de uma performance, na qual o público era instigado a pensar sobre o afeto. Através de uma simples ação, o público chega, duas pessoas estão abraçadas e ali permanecem. Ao longo do tempo, seus corpos vão se ajustando, desvelando novas formas de permanecerem em contato e ainda abraçadas. Paralelamente, algumas imagens, de outras intervenções do Grupo em espaços abertos, eram projetadas em diferentes locais da Sala Preta – uma pequena sala de aula da Faculdade de Teatro da Universidade Federal de Pelotas com estrutura que remete a um pequeno teatro – já que as salas de espetáculo desaparecem a cada dia nesta cidade. Desta forma, os espectadores eram convidados a repensar as possibilidades cênicas daquele espaço. Enquanto isso, as duas performers permaneciam abraçadas.
O engraçado desta intervenção foi perceber como o simples ato de observar duas pessoas abraçadas pudesse desassossegar tanto ao público. Reparo nisso, não apenas pelo fato de muitas pessoas não sentirem-se tocadas pelas propostas de arte contemporânea, ou de boa parte dos espectadores pelotenses ainda deslocarem-se de suas residências com destino a um evento teatral almejando que ele esteja nos moldes daqueles do século XIX, mas foi possível perceber como uma simples ação pode promover tantas reações no público. Talvez o fato de duas mulheres estarem abraçadas incomodou alguns presentes que não conseguiam ter seus olhos mais abertos à fruição de uma proposta artística. No entanto, com o passar do tempo, as visões (pre)conceituosas se esvaiam e surgia um vazio, uma vez que estes espectadores deveriam repensar seus conceitos para, pelo menos, conseguirem perceber o que se passava a sua volta.
Neste sentido, a experiência de sentar-se confortavelmente em uma cadeira para ficar observando duas pessoas abraçadas, possivelmente, levou todos a refletirem sobre este gesto no mundo atual. O fato daquela noite estar chuvosa, com temperatura próxima aos 0oC, já convidava todos a desejarem um abraço com o objetivo primário de melhoria da sensação térmica. Porém, a discussão aqui não é tão simplista, uma vez que, num mundo contemporâneo, cada vez mais individualista e virtual, o afeto, o toque e o abraço tornaram-se manifestações raras. Desta forma, ficar sentado observando duas pessoas abraçadas, com o passar dos minutos, nos faz avançar e repensar várias coisas em nossas, vidas, até mesmo porque, ao mudarem de posição, o abraço nos remetia a uma impressão nova, passível de reflexão sobre acontecimentos do cotidiano. O toque interpessoal quase não existe nos dias atuais em que webcams, mouses e teclados perfazem muitos tipos de contatos pessoais. Será que com o passar dos tempos teremos que ir a uma galeria de arte para sabermos o que é um abraço? Uma das propostas do Grupo é tratar o abraço como um pequeno ato terrorista e, realmente, ele cumpre esta missão, já que visualizar duas pessoas abraçadas pode servir de provocação para um enfrentamento do terror que é o desconhecimento do ato de ter dois corpos unidos, com seus braços entrelaçados.
Bom, antes de terminar, não posso deixar de tecer alguns elogios ao desempenho da iluminadora do Purê de Batatas por, com tão poucos recursos, ter conseguido criar todos os climas e atmosferas de iluminação que estavam em consonância com a proposta de performance. Com muita criatividade, força de vontade e a sensibilidade de um olhar feminino, ela conseguiu compor uma dramaturgia de iluminação orgânica com o trabalho das atrizes-dançarinas.
Portanto, finalizo este comentário ressaltando a necessidade de outras propostas artísticas nesta cidade que dialoguem com outras formas de expressão, reverberando na intertextualidade derivada da intersecção das mais diversas linguagens artísticas. Além disso, congratulo o Grupo porto alegrense por nos propiciar a experiência de refletir sobre o fato de que, ao esmagar abraços, esmagam-se padrões de conceitos e abrem-se as janelas para reflexões sobre o afeto em uma sociedade contemporânea tão apartada de sentimentos.
MSc.Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 -Integrante do Clube dos Comentaristas de Espetáculos Teatrais de Pelotas (CCETP).
www.ccetp.blogspot.com
vagnervarg@yahoo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário